29 março 2006

Fonte Santa da Malhada Quente (ôtra parte do conto)

Chafariz da Fonte Santa da Malhada Quente
Nã sê se sará desta que dô arredondado o caso, mái vô-me ver s' o tempo me chega p' a isso.

É que mecês, tamém, já hõ-de 'tar fartos semp'e do méme assunto...

E atão, D'mingo, levantí-me inda lusco-fusco, tratí dos bichos e preparí-me. A minha Maria acabô de fazer a cesta do farnel, por acaso, uma cestinha munto jêtosa qu' ê mandí fazer de saíço ô parente Manel da Junça, jogô uma manchinha de milho p' ô galinhêro, qu' ela tem p' ali o galo Gargaludo, nã sê q'ontas galinhas pedrezes e uma gal'nhita-da-índia, p'a dêtar pintos, e lá se foi, tamém, arrenjar.

- Maria, atã inda nã 'tás despachada? - Arrulhí ê, cá da rua. - Olha que, daqui nada, 'tã eles aí...

- Nã demoro nada. É só dar uma bassoirada no chã da cozinha, vô-me já. - Acudi' ela, inda lá no quarto da cama.

Mái, passado um pôco, lá par'ceu. Toda jêtosa, a marafada, d'rêtinha que par'cia que tinha engolido o cabo da bassoira, com a cesta, tapada com um paninho branco com umas flores encarnadas qu' ela bordô q'ondo inda era soltêra, enfiada no braço.

Ê cá tamém nã 'tava mal. Com as minhas calças de bombazina amarela - nã havera de levar as sarrubeco p'a um sito daqueles - e o colete e a jaqueta do D'mingo. Só nã leví as correntes com o relójo d' alsebêra, que tive medo das perder lá p' àqueles charazes.

Pegamos na gente e fomos p'a trás de casa, ali p' ô largo da carrelêra, adonde os carros dã a volta. A m'lher pôs a cesta no chão e ali f'camos a olhar q'ondo é qu' o carro c'meçava a trabalhar.

O tempo 'tava fresquinho, corria uma arajazinha ali do norte, mái 'tava sol. Uma bela manhã, qu'ê nã gosto munto do calor.

Lá vieram eles, comprimentos e más comprimentos, traziam já o carro quái chêo com eles e a trugia que lá tinham posto, mái lá s' ajêtamos p' ali de qualquer manêra. O Zé Manel e o pai, à frente. A c'mad'e C'stóida, a minha Maria e ê cá, atrás.

O carréco é pequenalho, até quái que roçava no chão. O Zé manel vai p' a arrencar, aquilo era de ladêra acima, vi'-se empeçado com aquilo. Inda o dêxô ir abaxo duas vezes. Ê, com aquilo tudo, inda quái que tive cagaiço de nã se dar ido todos.

Mái, lá se foi. 'Tá bem que, q'ondo panhava uma ladêra más empinada, o carrinho fazia uma urrada e dêtava um torno de fumo que par'cia um trector, más, em men's de nada, chegô-se à P'rtela do Estiêro.

- Ó Zé Manel, apara lá 'í um coisinho. - Diss'-l' ê cá, pensando numa aguardente q' uma vez tinha b'bido lá na venda da P'rtela.

Ele aparô e entramos os três. As m'lheres nã q'seram ir. Cada um b'beu um calcezinho dela e o Zé Manel tamém quis um café, qu' ele já 'tá ac'st'mado a isso e d's que nã dá abrido os olhos se nã b'ber logo um café de manhã.

Ora, dali até à Fonte Santa é só ir p'r a ladêra abaxo. Lá se chegô, inda a boa hora, que nã 'tava p'r lá ninguém.

Mái f'quí, logo, desgostoso. Aquelas casinhas de se t'mar banho 'tavam fechadas.

- Atã, e agora com' é a qu' a gente faz isto? Nã se dá t'mado banho...

- Olha, nã t' apequentes, qu' ê resolvo já isso. - Diz a minha Maria, que tem semp'e réplas p' a tudo e nunca s' empacha. - Despes-te da cintura pr'a cima, qu' ê passo-te água aí p'as costas.

- Atã e tu?

- Ê cá remedêo-me ali p'r trás da parede. A c'mad'e C'stóida dá-me uma ajudinha.

E assim foi. O pior foi q'ondo ê 'tava, munto bem, a jogar umas chapadas d' água p' ô pêto e a minha Maria a m' esfrgar as costas... Atã nã 'parêce um casal de estrangêros, de rompante?!... C'meçam-se a rir e vá de tirar f'tografias. E ê cá, todo embatucado. Fui-me logo jogar à rôpa p'à vestir, 'tá claro. Más eles p' ali deram sinal com as mãs e ela d'zia:

- Nô, nô, nô. Uel, uel. Náice, náice...

- Ah, ele é isso? 'Péra aí qu' ê já te digo. Nã sê o que 'tá p' aí a d'zer, mái, já que gostas, há-des ver bem aqui esta cruz de cabelo do pêto dum Refóias... - Pensí ê cá pr'a mim.

Alevantí a cabeça, fiz pêto e voltí-me bem p' ô lado dela. Aquilo é qu' ela ria... E vá f'tografias. E a minha Maria já a olhar de lado. É qu' ela é munto ciosa, nã pensem.

Bom, aquilo dé' um pagode que já toda a gente ria às carcachadas, men's a minha Maria. E o qu' é qu' ê faço?... Vô à tal cesta, puxo da garrafinha do mâdronho e do copo - só se trazia um - e apresent'-l'e um calço d' aguardente. A englesa nã sabia s' havera de bober ó não, más ê empurrí-l'e o copo p'à mão e fiz-l'e sinal qu' aquilo se b'bia tudo só duma golada. Até qu' ela lá se resolveu.

Punhefra! Q'ondo a m'lher acaba d' engolir aquilo, faz umas caretas, abana a cabeça, dá um ronco e abala a fugir p'à bica da água. B'beu até se fartar.

Dig'-l'e eu: - É bom, é bom! Queres más?

E o Zé Manel: - Gud, gud. - Qu'ele já sabe d'zer algumas coisas em englês.

E ela abanava com a cabeça que sim. E fazia caretas...

Pego no copo, ôtra vez, ela fugi' logo.

Enchi-o e dí-l'e a ele. Más ele já foi mái esperto e, pr'mêro, provô. Tamém fez uma careta, mái, despôs, a pôco e pôco, bebé'-o todo.

A seguir, d'zeram p' ali umas coisas qu' ê nã alcançí e foram-se embora. O Zé Manel d's qu' eles se 'tavam a despedir e a l'e pedirem o imêl p'a mandar as f'tografias.

E com isto tudo, já s' ia p' ô lado do mê-dia. Cada um c'meu uma f'lhòsinha de pol ó uma fatia, más um coisinho d' aguardente, todos já se tinham lavado com aquela água, p'r men's os braços, e 'tav-se todos munto ad'vertidos.

Mái, voltando à água, des qu' ela tem mèzinha. Ôvi d'zer que tem munto enxufre, que faz bem às dores e ô rêmático e iss' assim. Ela, nã é lá munto g'stosa, nã senhora. P'a d'zer e verdade, ê cá até nã gosto munto d'a b'ber. Atão, o enxufre ponho ê ali nas minhas parrêras e nôtras coisas p'a matar a b'charada e, despôs, vô b'ber água desta...

'Tava ê cá a pensar nisto, salta a c'mad'e C'stóida, munto ôp'niôsa:

- Atã e s' a gente, agora, fôssemos à missa do mê-dia e, despôs, logo s' ia c'mer qualquer coisinha a ôt'a banda? Os home's, ôtro dia, foram ô Barranco dos Pisõs, más ê cá e c'mad'e Maria nã se foi, atã ia-se lá, da parte da tarde.

- Tamém me parêce bem. É isso méme. Zé Manel, leva lá a gente. - Responde, num derrepente. Ê nã disse qu' ela era munto safa?...

Ora, num nadinha, elas afêçoaram as coisas drento do carro e 'tava tudo pronto p' a abalar p' à missa.

Nã sê se l'es conte o resto se me fique por 'qui. É que vomecêas já hõ-de 'tar enfrascados desta conversa que nã tem fim. Coisas de velhos...

Até um dia destes.

6 comentários:

  1. Compadre,diga-me lá uma coisinha, vocemessê é de Monchique, do Algarve ou do Alentejo? É que andam por aqui uma manchea valente de dialectos!

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  2. Compad'anónimo,
    vomecêa, o ´mai certo´, é nã ser cá da serra, qu' ê nã conheço cá nenhum com esse anexim, mái nã fica sem uma répla.
    Atã, repáire. A nossa serra vai désna d' Al'zur até S. Marcos e désna da estrema de Vila Nova até à P'rtela dos Cáibros, quái a chegar à Nave Redonda, que já é o Alentejo. Isto p'a nã falar nôt's sitos.
    De manêras que nã admira nada qu'a nossa fala tenha algumas par'cenças com a dos algarví's do Baxo Algarve, p'adonde a gente ia vender cravão com um jirico, e com a dos alentejanos, p'adonde a gente ia fazer a acêfa tôd's anos.
    M't'ôbrigado p'r me fazer essa prècura e parêça sempre.
    Dés l'e dê saúde.
    O Parente da Refóias

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  3. Ainda não tive oportunidade de ler o blog com a merecida atenção, mas fico contente por ver imagens tão típicas da minha terra, acompanhadas de palavras escritas à boa maneira monchiqueira.
    Haja quem divulgue o oásis etnográfico da serra de Monchique, e que jamais a deixe esmorecer.

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  4. Estou a gostar imenso desta história. Cada vez que cá venho vejo sempre mais um bocadinho, e adoro ler e relembrar sobre Monchique, os seus costumes e a pronúncia das palavras. Muitos parabéns pela criatividade e pela ideia tão genial!

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  5. Amigue Refoias

    É vou dezer-le uma verdade, s'é cá tevesse uma cousa destas, um síto assim, des'enmaginem-se qu'aquilo havia de tar arrenjadinho... Vergonha tinha eu na puta da cara de ter uma cousa tã boa e benita num estade d'aqueles...
    Pensava qu'aquela fazenda era do Sr Martins, o done do Alfagar, da Recomar, da Madomar e nã sê de qu'ontos más mares, má no outre dia a falar com o Perdigão(o home que toma conta d'aquile), disse-me que nem sabe quem é o done, que l'aparece que foi vendide.
    Tou a falucar e nã tenhe nhum denhêre empatade com aquile, más ache pena aquele abandone. Até a propra Cambra, se ligassem à terra, tinha obrigação de tomar conta de certas cousas e tratá-las pa fazer desta bela terra um jardim...
    Nã sê su parente sabe que lá é a divisão das 2 freguesias.

    Bom reste de nôte

    O Campaniço

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