23 março 2006

Ô canto de baxo da Ladêra Fermosa, tã' os Casais

Ô canto de baxo da Ladêra Fermosa, dá-se de frente com os Casais

Quem vem de Marmelete p'à Vila, passando p'la Ressilvêra, mal acaba de de'cer a Ladêra Formosa, dá de frente com os Casais.

É um pôv'zinho pequeno, mái bonito. É qu' eles têm aquilo munto bem arrenjadinho. Sã' crusidôsos com a terra deles, é verdade.

Tanto qu', aqui há uns cinquenta anos, pr'a más do que p'ra men's, até fazeram lá uma capelinha munto bonita só à conta d' eles.

Pre ca'sa disso, nunca mái me d'esquece duma parte que se dé lá numa festa daquelas qu' eles faziam p'a arrenjar d'nhêro p'à capela. Foi com um burro que, calhando, era avó do mê Jericó.

O mê parente Zé da Portela Baxa, que foi sempre um amigo bom e gostava de fazer o sê lugar bem fêto, arresolveu dar um presente p'a ser alêloado lá na carmesse.

E o qu' é qu' ele havera de s' alembrar?

De comprar um burro velho, com perto de trinta anos, a um parente nosso lá da Refóias, que já 'tava a contar ter que l' abrir a cova, nã tardando munto. Béque-me l'e custô, naquele tempo, uns cinquenta escudos, se tanto.

Põe-l'e uma gòrpelha em riba, enche-a de coisas boas lá da fazenda dele, chôriças e morcelas e ôtras coisas, qu' a m'lher dele, a minha c'madre Maria, sabia fazer bem, e inda sabe, e leva o jirico p'à festa dos Casais.

F'cô toda' a gente de boca aberta... Era tudo espècado a olhar p' ô burro, uns metiam-se com ele, ôt's d'ziam uns d'chotes, ôt's riam-se às carcachadas, e o parente Zé, sigurando na arreata, como se nã fosse nada com ele, lá ia com o sê abirum na cabeça, umas calças de fazenda cinzentas, estreadas nesse dia, um colete preto vestido e uma jaqueta ô ombro, sigura no dedo mata-piôlhos.

Nã l'e dô encarecido a festa qu' aquilo foi, désna qu' ele assomô lá ô prencípo da rua até chigar ô pé da carmesse...

Tã penas lá chigô, encostô-se, ássim mê' de lado, às tábuas da carmesse, enrramolhô a jaqueta e pôse-a ali, jogô a ponta da arreata p' ô lado dentro, voltô-se p'à môça que 'tava lá, dé uma manetada no tabuado e disse, com o pêto p'à frente e a cabeça bem alevantada:

- 'Tá aqui o mê presente p' à festa, tome conta dele. E veja lá nã entreguem isso pre qualquer dinhêro... - E, ô méme tempo, apontava com o dedo fura-bolos p'ô animal.

Responde-l'e a meçalha, que nã tinha mái duns quinze ó dezassês anos:

- Mái atã o qu' è qu' ê faço a isso?!... 'Per' aí, prim' Zé, qu' ê vô ch'mar quem resolva o caso.

O qu' ê l'es posso d'zer é qu' o burro foi vendido nã sê q'ontas vezes, e tornavam todos a of'recê-lo, ôtra vez, à carmesse. Passô-se tod' ô santo dia, já era de nôte e nenhum qu'ria levar o burro. Voltava semp'e p' à carmesse.

Sabem com' é qu' aquilo acabô? Ora, nem mái nem men's, o mê parente comprô-o ôtra vez, pôs-se a cavalo e, v'reda cá vô eu, pôs-s ' a caminho de casa. Mái, dentr' da gòrpelha é que já nã levava nada... As chôricinhas e as morcelinhas e a garrafinha d'aguardente, essas já tinham passado p'lo gôto dos pr'mêros qu' o compraram...

'Tejam certos qu' isto tudo acontecé de verdade. Se qu'serem, podem prècurar ô mê parente Zé, qu' ele nã me dêxa mintir.

Fiquem-se com Dés, até amanhã.

1 comentário:

  1. Olhe mé bele parente, é cá tamém tou d'acorde consigue, q'onde fala q'u pove dos Casás tá cada vez más arrenjadinho. Nã haja duveda que tá méme uma lindeza, é qu'é méme uma cousa q'até dá goste de ver aquele casario tôde no mê daquele verdinho que já se vai compondo do enfêto dos Encêndios de 2003.
    É cá tinha de questume d'ir à festa anual e tava até ó fim de tude e do que gostava a valer era das modas de fole tocadas pa D. Fátima e as cantigas do home déla-o Sr. Vivaldo (das Finanças).Até tenhe uma cassete deles, que me derem.
    Um dia destes fui passar à Quinta de Sant'Antóino, más aquilo tá qu'é uma dó d'alma, tude velhe e desprezade.

    Boa nôte e druma em paz...

    O Campaniço

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