Q'ondo o tempo 'tá infarruscado e nã se dá fêto g'verno nenhum, uma pessoa ó põe-se ô pé do fogo, e inda s' afitura a 'panhar uma preção de cabras nas pernas, ó atão vai-se dar uma volta aí p'r q'alquer banda.
Foi o que fiz, um destes dia, melhor d'zendo, sáb'do passado. O astro t'ava assim bem munto nuv'lado, um homem nã sabia bem s' ele vinha chuva s' ele al'viava, dig' p'ra mim:
- Nã havia nada c'm' ires 'í prê abaxo, levavas a mànicazalha e tiravas uns retratos àquelas estátuas qu' eles puseram p'r 'lí, que bem sabes qu' as que tinhas foram ô ar daquela vez qu' o raça do comp'tador avariô...
E c'm' a coisa 'tava desse jêto, peguí num chapé'-de-chuva, nã fosse ele me fazer aparte, puse-o às costas, pindirado méme aqui na gola da blusa, qu' era p'a dar sigurado com as duas mãs no resto das coisas, e lá abalí.
Más a más, qu' ele hôve aí uma bela amiga, a Mari' Lua, qu' é de bem longe, inda p'r cimba de L'sboa, e usa a vir p'r 'qui, lá q'ondo calha, ler estas parvidades, que, des qu', uma vez, vêo cá a Monchique im passêo e foi uma coisa qu' ela se gabô de ver foi tales estátuas.
Ora, ê cá nã sê s' ela as vi' todas ó não qu' ela só me falô daquela do m'çalho-pequeno com a bola e duma "que é um rapaz que está sentado no muro que dá para o jardim onde está a majestosa árvore Araucária". E atão, aqui l'es amostro todas p'a quem qu'ser ver.
E quem as conhêce, já s' há-de 'tar a desmanchar a rir da Mari' Lua ch'mar rapaz a uma moça tã jêtosa que p' ali 'tá assentada a olhar p'a tudo q'onto se dá no Largo dos Chorõs. E, inda p'r cimba, da manêra qu' ela 'tá, toda descomposta - quái se l'e veêm as vergonhas todas - que nã tem precisão d' amostrar o b'lhete d' identidade nim nada...
Mái nã leve a mal, minha bela amiga qu' isto nã é judear consigo... É só p'a mangar um coisinho, que cá com o Parente tamém se dé o méme caso q'ondo vi' aquilo a pr'mêra vez. Cudava ê cá que nã havera d' haver quem s' afiturasse a pôr ali uma m'lher assim naqueles modes...
Isto p'a já nã falar do Tóino Pingueta, que, 'tava ê cá a tirar o retrato àquilo, 'parêce do lado do posto da guarda, amontado na zundap dele, cada vez mái velha, que fazia uma urrada e dêtava um torno de fumo do tubo de escaple, que metia medo... Só l'es dig' que nã sê c'm' é qu' ele inda s' astreve a passar im frente dos guardas com a b'cicleta a fazer uma zorrêra daquelas... Já na falando da falta de luzes e o travã' sabe-se c'm' é qu' ele trava...
Pôs o bom do Tóino, tã penas me viu, assim mê agachado, im frente da estátua, apára a b'cicleta quái no mê da estrada, e dá-me um eco:
- Eh, Refóias, mái atão o qu' é fazes aí quái com as nalgas no chão, mam?!...
Nem tampoco me dé' tempo de m' alevantar, oiço logo uma gradessíss'ma travaja atrás dele, q'ondo olho, vejo um a't'móvem, assim munto incarniçado, e um estapor lá drento, todo marafado, vá d' abanar os braços. O Tóino volta-se p'ra ele e, béque-me, f'cô ali insampado, sim fazer nada.
'T'veram os dôs assim naquilo um coisinho, o ôtro prega-l'e um apitadelão. O Tóino até estrameceu, mái olhô p' ô que tinha fêto - parar ali no mê da rua sem más esta nem más aquela - caí' nele e resolvé'-se a sair dali p' ô ôtro dar passado.
Joga-se ô punho da b'cicleta, acelara a fundo, larga a manete da imbriaja quái de repente, ora... arrenca de sacada qu' a roda da frente inda foi no ar uns dôs ó três metros... Jogo as mãs à cara, qu' inda vi jêt's dele bater a apèraja e ir afuç'nhar d' encontr' ô passêo...
Mái, vá lá que p' ali andô ôs gangueõs, foi, foi, enqu'librô-se, foi a sorte dele... E o saganheta do do carro é que se ria... Até s' l' ôvia as carcachadas cá do lado de fora. Qu' o filho duma magana inché' ali bem o papinho às tenças do Tóino Pingueta, lá iss' incheu...
D'zer a verdade, tamém a mim me dé' festa. Aquilo tornô-se ad'vertido ver a parte do Tóino, o ôtro a rir e, despôs dele abalar, os nomes que l'e ch'mô... Foi tudo q'onto l'e vê' à idéa... menes pai ó santo qu' isso nã s' alembrô. Ó nã quis d'zer...
P'r trás desta, 'tá uma vista da Vila. E logo fêta p'r uma artista de cá: Lurdes Sério.
Nesse mê tempo, inq'onto l'e ch'mava "filh' desta, filh' daquela, haveras de bater com os c... numa sobrêra, nã te dar uma tração, cã danado!...", foi-se apròchigando com a b'cicleta do passêo, puxô o descanso com o tacão da bota - umas botas canelêras de cabedal qu' ele comprô, há uns belos anos, na fêra de Castro, mái saíram-l'e tã boas qu' aquilo béque-me nunca mái se gastam... - e largô-a sem olhar nem nada.
Ora a b'cicleta inda nã 'tava bem sigura, dé' balanço. O descanso 'tava todo ratorçido, nã aguentô, prás! no mê do chão... Só quem viu é que pode d'zer... Volta-se p'ra ela, inzainado que nem um cão, nã sabia o qu' havera de fazer, vá um pontapé numa roda...
- Cadela dum raio, que só me dá vontade tiçar-te fogo!... Mái atão ê nã comprarê um mata-velhos, qu' é um descanso, e jogo este raio a uma barrêra abaxo ó p'a drento dum balsedo bem grande?!...
- Atã, Tóino, béque-me 'tás p' aí um coisinho infèzado, 'tã'-te a correr mal as coisas ó quem?...
- Ah, inda 'tás a fazer pôco... Nã viste bem o que se deu?!...
- Tem pr' aí pacênça, home, qu' isso qualquer um l' acontêce coisas dessas...
- Nã digo que nã 'tejas certo, mái o que me parcé' bem munto mal foi aquele estaporado se rir de mim daquela manêra. S' o panhasse, agora, aqui, punhefra qu' até o tarrincava!...
Aí é que mé cá uma festa que nã me sigurí, tive que me voltar um nadinha p' ô lado, puxar do lenço d' assoar munto l'gêro e fazer que 'tava a assoar a pinga do nariz ô méme tempo que quái que tirava um pedaço dum beço com a tarrincadela que l'e dí p'a ver se me continha sim desatar às carcachadas...
Mái a coisa lá se compôs e viemos andando p' à rés da estátua qu' ê nã tinha inda tirado retratos nenhuns que dessem nem viessem.
Este moç'-pequeno 'tá, béque-me, a convindar a gente p'a ver o bonito qu' a Vila tem... Nã veêm o Convento e a magnólia lá im riba?
Salta logo ele, já munto senhoril:
- Mái atão, o qu' é que t' ent'ressa tirar retrat's a um boneco desses, aí de perna aberta, béque-me a pedir esmola?... Inda se fosse uma estrangêra que t'vesse aí assantada, daquelas jêtosas que parêcem no v'rão...
- Ah, tu tamém inda nã viste qu' isto é uma m'lher?...
- M'lher?!... Qual m'lher nem m'lher!... Atã nã vês qu' isso tem cara de moço e cabelos e tudo?...
- É uma m'lher, sim!...
- Q'onto se 'posta?...
- Ê cá nã 'posto nada qu' ê sê munto bem qu' é uma m'lher...
- Vá, uma assadura ali n' "O Fernando"... 'Tá 'postado!...
- Olha que perdes... E ê nã gosto de te ganhar assim à má fé...
- Qual o quem!... Vai-se já prècurar aí a quem saiba. Nem que se tenha s' ir à Camb'ra...
- Ê cá nã tenho míngua de prècurar a ninguém... é só olhar p' ali...
E lá l' apontí ali p'a prebaxinho das goélas da m'lher. C'm' vomecêas já hã-de ter repàirado, a camisa 'tá assim um coisinho mal ab'toada e quái que dêxa ver ali um... um pêto da pobrezinha.
- Olha, inda nã tinha repàirado bem... Mái atã aquilo é o pêto duma m'lher!... Tó!... Já nã s' emportam d' amostrar tudo o que calha... 'Tá bem que nã é coisa lá munto lustrosa c'm' às da minha T'reza, mái vê-se bem o que é...
- Ê nã te disse...
E o marafado nã tirava os olhos de lá...
- Tóino!...
- Dêxa-me lá ver bem isto... Atã é m'lher e 'tá aqui de perna aberta desta manêra?!...
E vá d' ingrilar ali p' àquelas bandas um coisinho mái prebaxinho do cesto...
- Tem vergonha, Tóino!... Nã faças figuras dessas...
- 'Pera aí, qu' ê quero deslindar isto bem...
'Té que lá pegô nele, passado um belo pôco, e se voltô p' ô mê lado, inda, béque-me, munto a custo.
- Vá lá que nã 'postamos, senã lá tinha qu' alancar com umas assaduras p' à gente...
- Ai, agora, já nã 'postamos?!... Tu d'zeste que 'tava 'postado, 'tá postado...
Dise-l'e ê cá só p'a antrar com ele...
- Nã, nã... Tu d'zeste que nã qu'rias 'postar...
E p' ali se f'cô a rançar que tempos um com o ôtro, um que 'postô, ôtr' que nã 'postô... 'té qu' ele p'a se ver livre de mim, lá se resolvé':
- Olha, Refóias, p'a ver se tu te calas já p' aí com isso, vamos más é ali ô Café bober uma calçàjazinha...
- Ah, assim 'tá bem. Já d'zia que tu nã te descaías...
E lá se foi os dôs.
Nã veêm que já hôve um grad'ssíss'm' ô badalo qu' andô a labuçar as estátuas com tinta azul...
A cabo dum pôcachinho, já se 'tava os dôs no café a b'ber uns solvinhos. Mái aquilo foi p'a despachar qu' ê cá tinha-me opôsto, nesse dia, a tirar retratos e nã l'e podia dar munta largueza senã passava o resto da tarde na bob'dêra...
E, atão, im menes de nada, já se 'tava na rua ôtra vez e toca d' ir, Porto Fundo acima, p'r mode ôtra estátua que 'tá lá p' ô pé do Carlinhos Coêlhêra.
Essa e as da Quinta da Vila logo l'es amostro, tã penas tenha jêto.
Fiquem-se com Dés.
Como sempre, é um prazer "ouvi-lo".
ResponderEliminarSempre bem acompanhado dos belos dos retratos p'r mode uma pessoa perceber melhor.
Dés de dê saúde Parente!
Acho que com a primeira foto, revelou um segredo (nada bem guardado) que , acredito, pouca gente soubesse! Sempre olhei para a estátua do "rapazito" sentado no muro sem reparar no que a camisa não esconde!! Aguardo pela continuação (não estou a ver quais são as da Quinta da Vila...)
ResponderEliminarA propósito, bela casinha amarela aparece nas fotos seguintes!! Amanhã à noite lá estarei à varanda!:D
Cumprimentos a si e à D. Maria!
Carla
Parente
ResponderEliminarO qu'é me ri com as histórias que m'cê engeroca à volta das maminhas do môce e mai'las estátuas da vila!
Bem haja, meu amigo.
Afinal não era só eu a pensar que era um rapaz! Parece que estou perdoada da falha...
ResponderEliminarObrigado pelas belas histórias e pela alegria como as conta.
Agora já sei, antes de perguntar, em caso de dúvida se é feminino ou masculino, devo espreitar para o decote! :)
Depois daquela sangueira do porco (e que bem sabem as morcelas!), só a estátua feminina e as histórias "dela" me fariam rir. Acho tudo um bocado "modernaço" ...pouca flor, bancos desconfortáveis...enfim! Gostos. Mas do que conta o Parente, gosto eu sempre! Porque será? Abraços
ResponderEliminarPeço desculpa de só agora ter podido passar por aqui. Agradeço do fundo do coração as palavras de solidariedade deixadas no meu post "Tanta Saudade". Obrigado e um bom resto de semana.
ResponderEliminarAs estátuas são uma grande obra de arte sim senhor, gosto muito delas! Até cheguei a beijar a estátua do Porto Fundo na brincadeira e a pôr uma moedinha no cestinho da rapariga da Fonte dos Chorões. Penso que é uma coisa muito interessante e bastante original a maneira em como estão expostas.
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