08 agosto 2007

O Concerto d 'Os Pequenos Sulistas'

Concerto de violino 'Os Pequenos Sulistas'
Inda faltava bem uma mêa-hora p' àquilo c'meçar, já os bancos 'tava tudo chêo, que nã dí panhado um p'a m' assantar...

'Tava ê cá já com a m'chila fêta p'a abalar p'a Santiago, méme na béspra arrecebo uma notiça que des qu' iam fazer uma coisa ali na Igreja Matriz, béque-me uns meçalhos-pequenos a tocarem umas modas nuns instrumentos que pôco se vê aqui p' ôs nossos lados: violinos.

Inda pensí cá p'ra mim:

- Mái atão, amanhã tenho que m' alevantar inda entes do romper d' arora e abalar caminho do Porto e vô-me, agora, opôr a ver uma coisa destas que nã tem nada im durar até tardíss'mo?... Sim, que coisas destas nunca acabam senã lá p'r essas onze da nôte ó, calhando, inda mái tarde...

Mái, despôs, falí com a minha Maria, lá l'e contí o que se passava, e ela, atão, pôs-me logo na ordem:

- Ó homem, nã tens vergonha?... Nã me digas que fazes uma ofensa dessas à famila?!... Mandô-te o senhor dôtor o recado e tudo, e tu, agora nã par'cias lá?... Tens munto tempo p'a dromir amanhã p'r o caminho...

Ê tamém vi logo adonde é que 'tava. O qu' ela queria era ir tamém... Nã sabem c'm' sã as m'lheres? Pespenetas até mái não... Têm que devassar tudo...

De manêras que, lá me resolvi e semp'e se foi os dôs. Mái, pr'mêro, inda tive que pegar p' ali num pincel velho já só com três ó quatro cabelos e, méme com assabão daquele azul de lavar a rôpa, fazer um coisinho de escuma e cortar p' aqui mêa-dúiza de barbas qu' inda tenho na fúiça com uma lâmina tamém já quái ferrugenta e tudo.

É que, nã veêm, já tinha os mês altrafices todos munto bem gôrdadinhos p' à viaja e nã ia desmanchar aquilo tudo ôtra vez...

Concerto de violino 'Os Pequenos Sulistas'
C'm' é qu' uns meçalhos destes já sabem tocar assim tã bem?!... E tudo modas bonitas!...

Mái, d'zer a verdade, olhem que nã dí o tempo p'r mal empregue. Inda nunca tinha visto uma coisa assim!... Uns meçalhos-pequenos qu' aquilo eram uns coisinhos - sê cá q'ontos anos é qu' eles tinham... - jogavam-se ali a tocar que, quem nã visse, nã deslindava s' eram moços-pequenos ó s' era famila grande...

Atã e os violinos?!... Logo, olhí p'ra eles, que 'tavam todos arrumadinhos no chão ali ô pé do altar-mor, béque-me me dé ares a serem de brincadêra - daqueles que se compra aí no mercado, assim bem piquenalhos, nã sabem c'mo é? Mái, olhando melhor, vejo qu' aquilo, méme pequenos, eram a sério e coisa do melhor.

Nesse mê tempo, pensí:

- Tenho qu' arrenjar p' aí um lugarinho adonde m' assantar, senã, mái logo, inda fico é com dor nas pernas e tenho munto caminho p'a fazer d' amanhã em diante...

Mái, ponho-me a olhar p'a um lado e ôtro, e bancos vazios viste-los... Se nã 'tavam lá mái duns dôs ó três centos de famila era pôco... E a minha Maria que já tinha desparcido d' ô pé de mim, que nã sabia o qu' era fêto dela. 'Té que lá fui, lá fui, lá a lombriguí assantada bem nos bancos de trás. Inda l'e dí sinal, más ela fez-me logo assim com o dedo p'a um lado e p'ra ôtro, c'm' quem diz:

- P'ra ti, lugar santado já nã há...

E lá me f'quí p'r 'lí, méme d'em pé, a ver se dava ido tirando um retrato ó ôtro que s' apr'vêtasse.

Concerto de violino 'Os Pequenos Sulistas'
Esta meçalha, nã sê s' a conhêcem, mái des qu' inda é de familas daqui de Monchique. E já toca qu' é uma classe...

Mái a coisa nã me corré lá munto bem c'm' ê cá 'tava à espera. Aquilo, a Igreja Matriz, verdade se diga, tem ums condiçõs p'a ôvir música qu' é do melhor que pode ser e haver -digo ê cá, se ser alguma parvidade, nã façam caso... - agora p'a tirar retratos... 'tá um escuro lá drento qu' uma pessoa, parte das vezes, nem vê quái nada do que lá se passa...

A nã ser quem tenha d'nhêro p'a comprar uns flashes assim daqueles que dã um clarão qu' até um fulano fica quái cego, nã se dá fêto nada de jêto. Ora cá a máquina do Parente dá pôco mái luz qu' o cu dum luzicuco numa nôte de navoêro... Em passando mái dum metro ó dôs, já fica tudo negro no retrato...

Más, olhem, quem dá o que tem a mái nã é obrigado. E, atão, tenham pacência, qu' isto é material de fraca q'ôlidade, más é de boa vontade. E mái vale pôco que nada...

E sabem ôtra coisa? - D'zeram-me, qu' ê cá nã ôvi - a Rádio Fóia, qu' ele até há quem diga - dessa famila p'r 'í que estudô munto, 'tá bom de ver - que só dá modas daquelas - c'm' é qu' eles dizem? - pimba, 'teve lá a dar aquilo tudo, désna que começô até acabar, e quem nã dé lá ido ver, ôvi tudo tal e qual c'm' se 't'vesse lá.

E despôs digam qu' a Rádio Fóia nã dá programas bons... Ó pensam qu' ela tem tanta famila a ôvi-la é premode quem?... Inda, ontordia, nã sê quem foi que me disse que no Alentejo todo - Baxo e Alto - e Algarve nã há ôtra que tenha p'r menes das dez partes uma de famila à escuta.

E, más a más, que se pode ôvi-la tanto se faz na tel'fonia c'm' na internet. Se nã acraditam, acalquem ali ô lado adonde diz Rádio Fóia e logo veêm se nã vã lá dar... Im menes de nada, têm música do melhor. Ó quem diz música, diz notícias ó coisa assim.

Concerto de violino 'Os Pequenos Sulistas'
O Maestro, já quái no fim, volta-se p' ôs que 'tavam a ver e pôs aquilo tudo a cantar...

Mái voltando lá ôs meçalhos-pequenos a tocar violino, se vomecêas - os que nã foram lá -vissem c'm' eles tocavam e o respêto qu' a famila tinha a ôvi-los que nem tampôco uma mosca s' ôvia a bater as asas, aquilo até tinha que se l'e d'zesse...

E q'ondo foi ali p' à banda do fim, lá o chefe deles - o maestro, qu' é béque-me o que l'e chamam - c'm' nã l'e chegava só com os meçalhos, volta-se p' à famila toda que 'tava a ver e vá de mandar a gente cantar p' ali à força toda, c'm' se muntos - c'm' ê cá - sabessem alguma coisa daquilo...

'Tá bem qu' um homem, p'a nã passar p'r trôxa, semp'e ia mexendo os bêços, fazendo de conta que 'tava a cantar, mái, se 't'vesse sòzinho, tal havera de ser a linda coisa que l'e saía da boca... Bom, pior qu' uma ovelha a berrar nã havera de ser, agora o pobrezinho do maestro só pondo os dedos nos ôvidos...

O homem até que tinha assim um ar de pessoa fina e via-se mémo que de música sabe ele c'm' nã há. E é que sabe mémo. Se o vissem jogado a tocar violino, sòzinho ó acompanhado, aquilo, parte das vezes, uma pessoa até cuda qu' é um disco que 'tá a tocar e ele só faz p' ali uns miécos p'a disfarçar.

Mái nã é. Nã é, qu' ê cá fui escutar, lá memo quái ô pé, a ver s' a música saía do violino e saía... O homem até béque-me quái que f'cô desconfiado com-migo, qu' ele olhô-me assim p'r o canto dos olhos e franziu um sobrôlho, mái nã se desmanchô.

Ôtra coisa qu' inda ninguém me dexplicô foi ele usar aquele lenço preto na cabeça. Mái, calhando, aquilo é o qu' ê cá penso. P'a envitar que l'e caia algum cabelo p'a drento do violino e intupa p'a lá a saída da música. Nã é ôtra coisa, nã senhora... E fica-l'e bem.

Concerto de violino 'Os Pequenos Sulistas'
Deram flores ôs que morceram, más aqui o senhor dôtor Pa'lo Rosa foi, calhando, o que levô mái palmas. Se nã fosse ele isto nã se tinha dado fêto, ah isso não...

Ô fim, 'tavam eles lá a dar braçados de flores àquela famila toda - e olhem que foram bem morcidos... - inda se me passô p'r o juízo ir falar com os meçalhos-pequenos p'a l'e prècurar c'm' é qu' eles davam tocado aquilo tã bem, mái a minha Maria saltô logo im cimba de mim, toda inzainada...

- Ó homem, tem juízo. Dêxa lá os mecinhos sossegados... Ó queres qu' eles inda encham uma barrigada de rir com a figura que fazes?... Até medo eles panham de ti...

- Mái qual figura?!...

- Atão, vás ali, só dizes brut'lidades, o meçalhos olham p'ra ti, veêm-te com esse chapéu e essas botas grossêras, que nem tampôco trazeste os sapatos do D'mingo, o qu' é que l'e esperas?... É uma galhofa...

E olhem, inda bem qu' ela me falô naquilo. Imbrulhí o estojo e toca más é a andar caminho do "Fernando" qu' ele, p'r o jêto, tinham lá combinado uma função com decomerzinho à farta e de boa q'ôlidade.

Mái qu' ê cá f'quí abismado com aquele concerto, lá isso é verdade. Só tenho que dar recomendaçõs àquelas mecinhas todas e mecinhos, ôs pais deles e ôs professores. E m'tôbrigado p'r me terem convindado p'a ir ver.

E inda l'es digo ôtra. Nã sê munto bem se lá p' ô Algarve, que sã ricos, já foram capazes de fazer assim uma coisa tã bem fêta... Pósto, o que vomecêas quêram, que não. É que mecêas nã sabem, mái isto aqui foi tudo a ajudar. Vejam lá no papel do programa:

Rádio Fóia, Jornal de Monchique, Igreja de Monchique, Câmara, Junta de Freguesia. E más as pessoas todas que nã parêce lá o nome, mái a gente sabe que se mort'ficaram ô bem fêto...

Se qu'rerem ver mái alguns retratos, acalquem aqui na Galeria dos Pequenos Sulistas, que, méme ruins, semp'e ponho aqui mê-dúiza deles.

E tenham munta saúde.

2 comentários:

  1. Béque-me é um termo que não ouvia há anos.
    Um velho algarvio.

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  2. Que haja quem fale das coisas belas que ainda se vão passando. Pois não seria uma mensagem de esperança para toda a gente que dessem "um niquinho" deste acontecimento? Assim parece que só aontecem desgraças... Abr

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