Se nã 'tô atribuído, este ano, béque-me inda 'tava mái famila im Marmelete qu' ô c'stume...
No pr'mêro de Novembro, quem é que pode passar sem c'mer umas castanhitas assadas, senhor?!... Ê cá é coisa que nã d'spenso...
E, agora, atão, que, tanto se faz no Alferce c'm' im Marmelete, a famila lá da Junta, tôd's anos, arrenjam sempre manêra de fazer magustos p' ôs de cá e p'a quem quêra vir de fora, sem ter de se pagar coisíssema nenhuma... Mái, nã cudem, é castanhas até fartar!...
Pôs, p'r os Santos, fui, ôtra vez, caminho de Marmelete c'm' no ano passado. Bem que me dava jêto dar 'tado nas duas bandas ô méme tempo, mái, c'm' nã dô, f'quí-me p'r 'lí. Nã vê, tamém é adonde s' ajunta mái gente da minha famila. Qu' amigos, isso atão, que vá a um lado que vá a ôtro, parêcem sempre com fartura...
Atã, e nã é que, este ano, o tempo 'tava qu' era uma classe... Cale-se aí!... Aquilo era sol qu' até se tornava quái um coisinho de más... S' um homem nã t'vesse qualquer coisa p'a tapar a cabeça, sintia-se logo ele quem-mar, e ô bem fêto...
Ora, aquela malta lá de baxo do Algarve, meteram-se nas vias deles e par'cé p'r 'í quái tudo. Ajuntô-se lá um gentío qu' era um d'sparate... Mormente, logo ali da bandinha de cima, ô pé das barrecas, chigô a um ponto que nem se dava andado lá.
Más ê cá e os mês camaradas nã fomos nisso. Abalô-se ali prê abaxo, naquela rua impinada d'rêto ô Povo, e toca de fazer o nosso magusto méme lá ô canto de baxo. E, par'cendo que não, semp'e se 'tava munto mái desafogados...
Olhem bem c'm' se faz um magusto...
Mái se cudam que se f'cô lá sòzinhos, assim quái desquecidos dos ôtros, 'tã munto mal inganados. À uma, qu' ele foi semp'e chigando famila e, despôs, qu' a gente levava-se ali uma cesta bem aviada com umas belas garrafinhas de madronho e havia munto quem l'e luzisse o olho p'r um calcesinho dela p'a desimbaçar das castanhas...
Más o qu' inda achí mái bem caçado era que, tã penas a gente punha um fexe de carquejas im cima das castanhas e se l'e tiçava fogo, assim se c'meçavam a aprochigar de tôd's lados e, im menes de nada, ajuntava-se logo ali uma matula que nã era brincadêra...
Uns, c'm' quem nã quer a coisa, já com um cartuchinho nas mãs, ôtr's com um pàzinho p' às puxar do fogo p'a fora sem se quem-marem, e, parte deles, de mãs a avanar, que dalguma manêra logo s' haveram de desenrascar.
Qu 'ele, a esse respêto, o mê parente Verruma - o ti Zé Caçapo - bem l'es fez lá uma parte qu' ê cá e tôd's q'ontos lá 'tavam com-migo e deram por ela, fartamos-se de rir.
Aquilo, o velho é munto marafado e 'tá semp'e fêto p'a sacanear os ôtr's. De manêras que tem semp'e d' arrenjar manêra de judear seja com quem ser. O qu' é que l' havera d' alembrar...
- Ó Refóias, nã ôves, atão estes estapôres, tã penas veêm as castanhas, inda mal ataloadas, jogam-se logo a tirar nelas que nem tampôco dêxam a gente atabafá-las...
- Nã vê, parente, isto é famila lá debaxo do Algarve nã conhêcem nada de castanhas. Só 'tã ac'st'mados é a comprar nelas lá na Fêra de S. Martinho ó na Fêra Franca...
- Atã e s'a gente l'e fazesse aqui a parte qu' eles hã-de-se barimbar?...
Que seja homem que seja m'lher, tudo pega num forcado e vá d' assar nelas...
- Veja lá o qu' é que 'tá pr' aí a arrenjar. Olhe que pode-l'e algum par'cer mal...
- Atão, e à gente?... Virem eles papar aqui as castanhas quái todas do nosso magusto, nã parêce mal?!...
Calí-me, a ver s' o homem l'e passava aquilo da idéa, nã fosse ele fazer p' ali alguma parte ruim e ê cá inda f'car no mê do tiro. Peguí no forcado, fui afêçoando o resto dos tojos qu' inda ardiam im cima das castanhas, achí qu' aquilo inda era pôco fogo, puz-l'e mái um punhado de carquêjas p'a drento.
Punhana, 'tavam munto secas, levantam-se umas alas que ninguém dava parado à roda daquilo!... Teve tudo que se desarradar dali ó f'cavam que nem um galo qu' a minha Maria chamusgô, ontordia, p' à gente c'mer com batatas no dia dos anos dela.
E inda foi sorte... Olhe que, com aquele fogo todo, as castanhas nã 'tavam desbelicadas, desatam a arrebentar, há uma que faz saltar uma brasa com uma tal força que, más um nada, inda quem-mava uma m'lherzinha que tamém 'tava a ver se, no mê daquela chusma de gente, inda l' acabedaria alguma castanhita assada.
A M'lher é que foi munto safa e, c'm' já 'tava com a pulga na orelha premode os estoiros qu' elas davam, dé logo um rafujão tal que quái que desingalgava pr' aquela calçada abaxo. Se nã é uma moça nova, qu' ali 'tava ô pé, l'e jogar logo a mão e sigurá-la com q'onta força tinha, nã sê munto bem adonde é qu' ela nã tinha ido aparar...
Calhando, alguns inda cudaram qu' ê cá fiz aquilo d'aprepósito, mái isso, atão, digo-l'es logo que foi sem sigundas intençõs. Calhô a vir assim uma arajazinha e aquilo alô mái depressa do qu' ê cá 'tava a fazer conta. Mái que foi sem maldade, foi.
Em se bebendo um calcesinho ó dôs, dá nisto...
Más o parente Zé Caçapo, em vendo aquilo, inda l'e dé mái aquela sezão de fazer a parte dele... Pôs-se ali munto amòrado, dêxô assar as castanhas, c'mé umas duas ó três, semp'e caladinho que nem um rato, puxô da faquinha "Sovi", tã velha que já de folha toda gasta, qu' ele usa na alsebêra - ê cá tenho uma "Icel" - desbrugô um pero marigomes e dé-me um pedacinho.
Nisto, volta-se p'ra mim:
- Nã é tarde nem é cedo!... Dêx' ôs lá esgravatar bem ali na cinza e tirarem as castanhas todas de lá, que já l'es dô o arroz...
- Parente, tenha conta com isso, veja lá o qu' é que vai p' aí fazer...
Disse-l'e ê cá, já sabendo qu' ele, q'ondo calha, é munto desabusado.
Ora, tã penas eles se desarradaram todos dali e foram caminho d' ôtro magusto, vejo-o pegar na forquilha e ir d'rêto às tôiças de tójo e de carqueja. Carrega com uma forquilhada delas ali p' ô pé do borralho - p'a d'zer a verdade, nã era bem borralho, era só já cinza e uns q'ontos cravanitos - e vem, ôtra vez ô pé de mim.
- Ó Refóias, nã tens aí o tê isquêrinho? Ó uma caxinha de forfes... tamém serve.
- Isquêro?!... Atã nã sabe qu' ê nã uso disso?... Ê cá nã fumo... Atã o qu' é que fez ô seu?
- Tenho aqui a alsebêra rota, o marafado caí-me p' ô forro das calças... Nã vês isto?!...
- Ó parente Zé, isso, assoprando ali num tição daqueles, acende logo fogo...
- Atã assopra lá tu qu' ê cust'-m' a dobrar. Faz-me lá esse jêto...
E ê cá, parvinho, inda fiz menção d' ir assoprar num tiçanito que p' ali 'tava p'a dar fogo ôs tojos, q'ondo nisto, vejo o marafado jogar as mãs ô forcado, vir com ele d'rêto à cinza e assim largar uma pàzada naquilo tudo.
Nã l'es digo nada. Se nã sô tã l'gêro a dar um salto p'a trás, tinha-me inchido todo de cinza, o raio do velho... Volto-me p'ra ele, um coisinho quái inzàinado:
As pessoas bonitas, méme tisnadas, sã semp'e bonitas...
- Ó seu... este, seu aquele, atã que conversa é essa?!...
- Nã me digas qu' o vento te jogô cinza p' à fúiça?!...
- Ah, foi o vento, seu...
- Sim!... Atã nã viste que foi uma manga de vento que passô aqui de repente...
Mái, 'tá bom de ver, aquilo passô-me logo a ravasca. Uma pessoa vai p' àquelas coisas é p'a rir e mangar. E, atão, tem-se que saber acêtar as partes dos ôtros, méme qu' elas nã sejam munto boas de gramar, c'mo esta do ti Zé Verruma.
Mái inda nã era isto qu' ele se 'tava preparar p'a fazer. Dig'-l' ê cá:
- Ó ti Zé, mái p'a qu' é que mecêa quer dar fogo ôs tojos, se nã tem aí castanhas denhumas p'a assar?... 'Tá parvo ó quem?...
- Cala-te aí, saganheta!... Nã digas isso de manêra qu' eles oiçam...
- Atã, que jêto?
- Dêxa que já vês... Arrenja-me lá ali manêra d' ê cá tiçar fogo a isto.
Lá abalí, fui ali mái aciminha, ô magusto duma famila qu' ê nem conheci e pedi fogo. Trusse uma tôiça de carqueja a arder e integuí-a ô velho Verruma.
- Queres ver c'm' é qu' a gente l'e faz a parte, olha só p'ra isto...
E vá de dar fogo ô magusto dele - sem castanhas nenhumas, 'tá bom de ver - e más qu' aconchegava as brasas p'a um lado e p'a ôtro, fazendo de conta que tinha castanhas lá p'r baxo. Dali a um pôcachinho, aprochegava-se um. D' ora im q'onto, vinha mái ôtro. Até qu' o fogo s' apagô e f'caram só as brasas. Volta-se p'ra mim e arrulha munto alto:
- 'Tão assadas. Já se podem c'mer!... Nã nas dêxem arrefecer!...
Ora, jogaram-se tôd's a esgravatar no mê dos tiçõs... Aquilo era cinza p'a um lado, brasas p'a ôtro e castanhas... nem vê-las...
Ê cá desandí logo assim ali p'a um canto, nã fosse eles pensarem que tinha sido trabalho meu. Ele vem atrás de mim, incosta-se ô mê lado, desata numa galhofa qu' ê nã me dí sustido e vá de rir tamém.
- Atã nã qu'riam castanhas assadas?!... Escrafunchem à vontade qu' hã-de dar com muntas...
- Cale-se pr' aí, parente... Olhe qu' eles inda l'e parêcem mal...
- Nã tenhas medo qu' isto é c'm' no carnaval... ninguém leva à mal...
Pôs os pobrezitos ramexeram, ramexeram... estramalharam aquilo tudo e nem uma castanhita p' à amostra...
Já ele era lusco-fusco, inda a gente p'r lá 'tava e a festa durava im forte...
Nesse mê tempo, já ele era lusco-fusco, andava tudo de cara tisnada que mal se via os olhos luzir, as garrafinhas de madronho iam do mêo p' ô fim e já nã se tinha barriga p'a tanta castanha... Que, lá nisso, a Junta de Freguesia de Marmelete nã teve mãs a medir. Apresentô castanhas até mái não... E inda a festa 'tava p'a durar.
Más ê cá fic'-me p'r 'quí, que já chega de palêo.
Dando-se o caso de gostarem de ver mái alguns retratos do Magusto de Marmelete, acalquem aqui na Galeria do Magusto. Se quererem vê-los no YouTube - mái já sabem que sã munto mái desenxabidos - é aí à frente. Acalquem duas vezes:
Dés l'es dê saúde.
Com as castanhas assadas e a bebida, juntamente com o convívio entre a família, não é só a barriga que fica cheia. Aquece também o espírito, sobretudo com as brincadeiras de se tisnarem uns aos outros!
ResponderEliminarTal é a rijeza da festa, que até no telejornal deu uma reportagem sobre ela.
Adorei, em especial, os retratos.
Xiii parente! Vocemecê nã faz ôtra coisa senão andar de festa em festa! Q'inveja v'zinho!
ResponderEliminarBjo
Papoila
Cosa má linda, é goste meme de vir aqui, mê so m'lembrê percasa do fecebook, se nã na dava cá vinde. Tô falande do blogue, pôs das castanhas na c´mi nenhuma. Pro ane s'inda for viva... tamém vô.
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