03 fevereiro 2010

A Barragem do Alqueva

Barragem do Alqueva - Janeiro de 2010
Des que c'm' à Barraja do Alqueva nã há ôtra na Êropa...

Inda 'tão alembrados da conversa qu' o mê compad'e Jôquim do Barranco me fez, ontordia, q'ondo ê cá l'e contí que tida ido ver a Barraja d' Odelôca com o parente Tóino Rosa, ó nã fazeram caso disso, cudando qu' a gente os dôs nã se era homens p'a abalar caminho do Alqueva?

Pôs, se cudaram, 'tão munto mal inganadinhos, mês belos amigos... A gente pôs aquilo à idéa, o mê compad'e arrenjô via e já se foi lá ver aquela mechas toda, fazemos boa viaja e já cá 'tamos prontos p'a ôtra. Só nã foi o parente Tóino Rosa qu' a gente quis-l'e mandar recado e nã t'vemos portador. Im vez dele, foi o Zé Manel. O filho do compad'e Jôquim e da c'mad' C'stóida.

Calhô foi mal o dia nã ter 'tado um coisinho mái soalhêro. Nã sê se p'r 'qui foi o mémo, mái lá aquilo, o astro, 'teve quái semp're toldado e inda panhamos com uns pingos im cimba da orgada e tudo. Coisa pôca, tamém se diga... que, lá p' à banda da tarde, ele até aliviô um coisinho.

Mái, com respêto ô resto, foi tudo do melhor. E a festa começô logo na viaja daqui p'ra lá, com o Zé Manel a ver se dava indròminado o pai. Aquilo, o moço anda afalcoado de d'nhêro, qu' ele tã bem o ganha c'm' o gasta logo a seguir - com as moças ó lá com o qu' ele munto bem l'e dá nos cascos - e, atão, levô o caminho quái todo a pertar com o pai p'a fazer uma aposta.

Barragem do Alqueva - Janeiro de 2010
Tinha tanta água ó tã pôca qu' a comad'e C'stóida cudava qu' era o mar...

- Mê pai, posto consigo c'm' à Barraja do Alqueva é munto maior qu' a da Odelôca!... Quem perder paga a bucha mái logo num restarante qu' ê cá conheço. Aquilo é jêtoso e, nã s' abusando munto, fica mái ó menes im conta...

- 'Tás parvo ó quem?!... Quem é que nã sabe qu' a do Alqueva é maior qu' à ôtra? Atã, des qu' aquilo vai dar à Espanha e ingoliu lá a Aldêa da Luz e tudo... Queres fazer de mim inda mái nenso do qu' àquilo qu' ê cá sô?...

- Nã posta, nã posta, pronto... Mái, já agora, sabe q'ontas ilhas é qu' aquilo tem ô todo? Olhe que sã muntas...

- Isso nã sê, mái, calhando, inda tem p' a lá um q'ôrtêrão delas...

- Ai um q'ôrtêrão!...

- Um cento?...

- Ai um cento...

- Qu'nhentas?...

- Ai qu'nhentas... Mái de mil!... Posto consigo c'm' 'tão lá mái mil ilhas... E nã precisa de ser o almoço. Posta-se só a garrafa do vinho p' à gente bober no tal restarante.

- Olha que perdes... Mil é munta ilha, Zé Manel...

- Atã, poste. Tamém, que perca que ganhe, uma garrafa de vinho, tamém, nã é grande coisa...

- 'Tá bem. 'Tá postado. Uma garrafinha do tinto.

Barragem do Alqueva - Janeiro de 2010
Sê cá q'ontas léguas aquilo tem d' água...

Ê cá, logo, nã liguí munto àquilo. Mái o Zé Manel, que nã dá ponto sem nó, tod' ô caminho foi repisando no caso. Até qu' ê cá vi qu' ali havia coisa. E havia qu' ê já l'es conto.

Despôs de se chigar lá e se bispar tudo o que se dé visto:
. tanta água ó tã pôca qu' a c'mad' C'stóida cudava qu' aquilo era o mar - inda p'r cima par'cé um pêxe qu' aquilo era um desparate;
. a barraja a descarregar de tornêrada qu' aventujava a água lá p'r aqueles ares - p'r o jêto, p'a fazer elecsidade;
. a famila tudo de boca aberta, abismados com uma obra daquelas;
. e ôtras coisas má's que nã adianta 'tar, agora aqui, a falar nelas;

chigô a altura d' ir c'mer uma bucha lá ô tal restarante qu' o Zé Manel sabia. É que, desta vez, as m'lheres fazeram-se rasmôlgas e nã trazeram farnel p' à gente se rapimpar...

Diz ele:

- Atão, e agora q'ontas ilhas tem a barraja? Tem ó nã tem mái de mil?...

- Nã nas contí, mái daqui vejo pôcas...

- Parente Refóias, o qu' é que vomecêa diz? Nã l'e parêce que sã bem p'ra cima de mil? Diga lá... Diga, diga...

Ora, ê cá, tive que tirar p'r o moço... Atã havera d' ir a favor do pai que tem munto mái posses qu' o filho?!... Dí-l'e logo os améns:

Barragem do Alqueva - Janeiro de 2010
Punhana, aquilo a descarregar água p'a fazer elecsidade, até urrava...

- Sim, Zé Manel, p'r aquelas qu' ê tenho levado repáiro, devem de ser até um belo coisinho mái do que mil.
- Olhem vocês os dôs 'tão-me a levar de trôxa mái tamém uma garrafa de vinho nã é nada p'r 'í além... Vamos lá buchar qu' ê tenho cá uma lazêra...
E lá abalamos.

Chigados ô restarante, cada qual escolhé lá munto o que l'e dé nas ganas - foi tudo o mémo: insopado de borrego - o Zé Manel foi falar com o homem lá ô balcão. 'Teve lá um pôcachinho, voltô p' à mesa e diz assim c'm' quem nã quer a coisa:

- Pronto, o vinho já 'tá incomendado. Agora vejam lá a figura que fazer. Nã bebam munto...

Naquilo, o homem com uma garrafa do tinto, toda bojuda, já a l'e espetar o saca-rolhas. Abre-a, fez assim aquele estralo de ser uma pinga ô consoante, e despeja um coisinho só p' ô copo do compad'e Jôquim. Ele f'cô a olhar p' ô copo.

- Vá, prove, mê pai. É p'a ver s' ele 'tá bom...

- Ora 'tá bom. Encha más é o copo...

O impregado lá despejô p' ôs copos todos - menes p' ôs das m'lheres que dizem semp'e que nã gostam de vinho - pôs a garrafa ali e foi-se imbora.

- Ó Zé Manel, tu qu' inda tens bons olhos, lê lá aí o rótalo p' à gente saber o qu' é que se vai bober...

Carpa da Barragem do Alqueva - Janeiro de 2010
A água 'tava um coisinho suja, mái, meme assim, par'cia lá com cada pêxe...

- ... ora, Herdade do Esporão, Reserva 2004... 14,5º ... é um v'nhito más ó menes... Mái nã bebam munto...

- Reserva? Já tinhas mandado reservar isso p' à gente, foi? - Diz o compad'e Jôquim do Barranco.

- Já, já, mê pai. Já lá vai p'a sês anos qu' ele 'tava aqui de reserva p' à gente - Diz o Zé Manel a antrar com o pai.

Nesse mê tempo, o homem vêo trazer o tal insopado e a conversa f'cô p'r 'qui. Comemos e bobemos, o mê compd'e aguenta pôco, já 'tava um coisinho escarado. E foi a sorte. Mái nã fez má figura. Qu' assim, o Zé Manel pediu a conta e nã l'a amostrô:

- Agora, traga aí uns cafézinhos e a conta. Mái, dê-me-a a mim qu' o mê pai tem munta falta de vista e nã intende nada disso. E o mê parente Refóias tamém já 'tá com os olhos um coisinho piscos...

Ê vi qu' ele 'tava tamém a fazer porra de mim, mái nã fiz caso. C'm' o pai dele é que pagava a garrafa...

E sabem q'onto é qu' ela l'e custô? Vô-l'es d'zer aqui, mái vomecêas nã l'e contem nada. É qu' o homem inda hoje nã sabe qu' o Zé Manel pegô-l'e na cartêra dele, pagô a parte deles os três e a coisa passô adiante...

Pôs, só a garrafinha foram trintas eros!... Punhana!... Mái lá qu' ele era do bom, era...

E dali, sabem p'r adonde fomos? Nem mái nem menes p'ra donde a tal garrafinha foi produzida: a Herdade do Esporão.

S' ê cá, uma umaocasião, t'ver jêto, logo l'es conto a nossa v'sita a essa dita adega.

Querendem ver os retratos qu' ê cá tirí na Barraja do Alqueva, acalquem aí p'r baxo:



E até qu' a gente se veja.

2 comentários:

  1. Vim até aqui pela mão de António Manuel Venda que, como "blogger" do "Delito de Opinião", escolheu o seu "Parente da Refóias" - "blogue da semana" e com toa a razão, estou fascinada, parabéns!
    Este foi o comentário que lá deixei:
    "Delicioso "linguajar"...Bem me diziam os meus pais que o nosso modo de falar, em São Miguel Açores, tinha muito a ver com o do Algarve e Alentejo...Como é bonito...;))

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  2. OOh Ti Parente, tal vai isse??

    A módes que venhe aqui anunciar que a gente tem um blog novo pra meter as palhaçadas do costume. O outro táva tode constipáde com os víres, a módes que agora tá uma coisa mái limpinha e impecável e desinfectada, como se quer...

    É o dito cujo: http://asnovaspacarrenhices.blogspot.com

    Cumprimentos dum dos pacanherros!

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