02 junho 2010

Santiago de Compostela - Mái uma viaja a pé...

Catedral de Santiago de Compostela
Santiago de Compostela: vô-me lá ôtra vez, mái venho logo. E tenho companha...

Nã sê bem o perquem, mái, d' há uns tempos p'ra cá, puseram-se-me umas sôidades tã fortes do Caminho de Santiago de Compostela que foi uma coisa p'r demás.

Falí no caso à minha Maria e a umas amigas dela, daquela joldra qu' a gente, na charola, l'e chama "Caminhadas Aventura" e nã é qu' as marafadas nunca mái me largaram e querem ir tamém?!...

De manêras que, 'tamos fêtos p'a, sábado que vem, prantarmos as mochilas às costas, metermos no comboio até ô Porto e, de lá, abalarmos à pata pr' aqueles charazes até à terra desse tal Santo.

Vamos a ver c'm' é a coisa corre, qu' isto, desta vez, tem mái que se l'e diga. Vai-se a pé, com a trugia toda im cimba do lombo e às tensas de se dar arrenjado sito adonde dromir todas nôtes.

Atão, fiquem-se com Dés e passem p'r cá munto bem até daqui a umas duas semanas bem medidas.

Mochila de caminhante
A minha mochila já 'tá im ordem. Pesa é que nem chumbo...

08 maio 2010

Dia de Maio em Marmelete

Passeio do Dia de Maio 2010 - Marmelete
A famila de Marmelete foi quái tudo ô passêo da Junta...

Désna de moço-pequeno, foi uma coisa qu' ê cá sempre gostí de fazer foi, Dia de Maio, ir desmaiar p'r 'í p'r esses cerros. Em chigando tal dia, que chova qu' avente, nã me venham cá com coisas qu' ê tenho qu' abalar im companha de q'ontos amigos quêram fazer o mémo. É um costume qu' a gente cá tem, o qu' é que mecêas querem?...

E digam-me lá se nã é uma coisa bonita a gente s'a ajuntar uns com os ôtros, levar-se um farnel, uma garrafinha d' aguardente e um bolinho de tacho e ir-se p' à giraldina o dia todo, sem cudados com ôtras coisas?... Dêxa-se o trabalho p'a trás, dêxa-se tudo e vá pagode...

E, atão, agora qu' inda 'tá tudo mái ô queres... Uma pessoa só tem precisão de dar o nome uma semana entes, lá na Junta, e, Dia de Maio de manhã, 'tar a jêto ô pé na Casa do Povo e abalar atrás daquela famila toda. Sem nunca os perder de vista, nã vá uma homem s' inganar e ir p'ra v'reda errada...

Passeio do Dia de Maio 2010 - Marmelete
Ia tudo munto contente, mãi o mulherio, atão, nem se fala...

É certo e sabido qu' aí mái ó menes lá p' ô mêo do caminho, a Junta há-de-se apresentar com quasequer coisinha p' à gente dar ô dente. 'Tô falando de Marmelete, 'tá bom de ver, que foi adonde ê cá este ano fui desmaiar com a minha Maria. Com a minha Maria e mái uma rabanhada de gente, béque-me uns cento e oitenta, perto ó certo...

Os mês compadres além do Barranco, esses nã foram. Nã é qu' eles nã gostem, que gostam ô bem fêto, mái atão a comad'e C'stóida, ontordia, incalhô p' ali num tanganho fez um golpe méme prebaxinho do artelho, tem fêto mèzinhas até mái não, méme assim aquilo arejô, quái que nã dá andado.

O mê compadre tamém tem p' ali com umas quêxas, umas dores nas cruzes, um formiguêro nas pernas... Anda sempre caminho dos Perêros - vai a um end'rêta que p'a lá há - mái nã l'e vejo melhoras nenhumas... Ê cá até já l'e disse:

Passeio do Dia de Maio 2010 - Marmelete
No Cerro dos Picos é que foi o bom e o bonito...

- Compadre, isso é coisa de bicos de papagaio... Mecêa vá más é ô dôtor a ver s' ele l'e manda tirar uma chapa, pode ser que acuse lá alguma coisa.

- Que jêto?!... Atã nã vê qu' isto sô ê cá que 'tô desmanchado, nã é coisa p'a dôtor?... Foi um jêto qu' ê cá dí, já faz um belo tempo, àlém a pular aquele combro p'ra baxo. Ê sê cá s' isto até nã sará algum nervo trocido?...

- Ó mê belo amigo, atã a gente faz-l'e já aí uma benzedura!... Maria traz-me lá aí uma sovela e um novelo de linha...

- Bom, bom, bom....

- Vá qu' ê cá faço-l'e já aqui a cantilena...

- Dêxe-se de gozo, compad'e Refóias...

- "Osso quebrado, nervo trocido / s' é osso quebrado, vai p'a dond' é que foste criado / s' é nervo trocido, vai p'a dond' é que foste narcido / osso quebrado, nervo trocido..."

E, ô mémo tempo, fazia a amenção de 'tar a espetar a sovela num novelo de linha.

- Olhe qu' algum dia pode-l'e acabedar a si... E, despôs, semp'e quero ver o qu' é que mecêa faz...

Bom, mái deixamos isso da mão. Ô certo, ô certo é qu' os pobrezinhos dos mês compadres, desta vez, nã puderam ir desmaiar.

Passeio do Dia de Maio 2010 - Marmelete
A Senhora Presidenta andô a dar uns calcesinhos dela. E, p'a fazer boca, era um bolo de tacho do melhor...

E o qu' eles nã perderam, mês belos amigos... O tempo 'tava qu' era uma classe. Nã fazia munto sol, mái tamém nã chovia. Verdura p'r tod' ô lado. As mongariças tudo im flôr. Rosas-albardêras do mái lindo que possa ser e haver. Méme alguns maios já 'tavam capazes de panhar. Atã e o resto?!...

Hôve lá uns q'ontos, calhando com medo de l'e faltarem as forças a mêo do caminho, qu' aquilo, no prencipo, era munto de ladêra acima, que bela lembrança que t'veram... Levaram umas garrafinhas d' aguardente p'a, de q'ondo im vez, boberem um calcesinho dela e darem tamém ôs amigos.

Ora, aqui e ali, tamém m' acabedô um solvinho. E boa qu' ela era, que nem se sentia às goélas abaxo. Agora à cabeça chigava ela bem depressa. P'r menes, d' alguns parentes e amigos que lá 'tavam, que bastava l' olhar p' à cor da cara - encarnados que nem uns p'mentos - e ver os gangueõs qu' eles davam... Aquilo, havia lá menino que já só andavam de zambareta...

Passeio do Dia de Maio 2010 - Marmelete
A descer todos os santos ajudam. E, atão, já nã vinha ninguém com os bofes de fora...

E isto p'a nã falar de q'ondo se chigô ô Cerro dos Picos. Aquilo lá é que foi... A senhora Presidenta e mái as ôtras senhoras e homens lá da Junta, apresentaram-se com uma catrefada de coisas p' à famila comer e bober, toda a gente incheu a barriguinha.

Ê cá e más a minha Maria - e umas amigas dela qu' ê nã alomêo aqui, nã vã elas se marafar - tinha-se matado o bicho logo munto cedo e um coisinho à pressa p'a nã chigar atrasados. De manêras que, já há um belo pôco que se tinha aqui um bichinho a rabear.

Ora, jogamos-se todos ô decormerzinho que lá parceu foi um vê se te havias. Im menes de nada, aquilo desparceu quái tudo. E a senhora Presidenta sempre a trabalhar im forte. Até dava gosto ver uma pessoa assim, inda tã novinha mái semp'e munto dada e pronta p'a acontentar toda a gente.

Passeio do Dia de Maio 2010 - Marmelete
Havia sitos tã bonitos que nã l'es sê incarecer...

E levava um bolo de tacho e um madronhito... Quem é que se podia negar a uma coisa daquelas tã boa?!... Até a minha Maria imborcô um calcesinho dela e duas fatias de bolo-de-maio... E diz que 'tá d' adiata premode nã sê o quem. O que saria se 't'vesse...

Más isto foi o que se passô só no passêo. Que, da parte da tarde, lá na Casa do Povo, só quem lá foi, que contado ninguém acredita. Era pórco assado, torresmos, carne frita... E um balho im forte.

Só l'es sê d'zer que vim de lá todo escadraçado. É qu' a minha Maria, em pegando a balhar, leva as modas todas a êto. Todas l'e servem e nã quer perder nenhuma...

E p'r 'quí me fico. Querendem ver mái alguma coisa do Dia de Maio im Marmelete, acalquem nessas coisas aí a seguir:

Passeio do Dia de Maio 2010 - Marmelete
Apresentação de diapositivos no Picasa




Video do passeio no YouTube



Passeio do Dia de Maio 2010 - Marmelete
Galeria de fotografias Refóias

E até um destes dias.

22 abril 2010

O Sapo-Comum (bufo bufo)

Sapo-comum (bufo bufo)
A minha c'madre C'stóida des qu' os sapos dã olhado...

Em chigando esta altura do ano, uma pessoa nã pode ir pr' à banda d' adonde haja uma pôça d' água que nã ôve ôtra coisa qu' os sapos a fazerem barulho. Quer-se d'zer: más as arrãs do qu' ôs sapos, verdade se diga. Más ê cá, desta vez, vô-me l'es falar dos sapos e dêxo as arrãs de fora.

Ontordia, 'tava-se p' ali im conversa premode a b'charada, nã sê quem é que foi buscar a conversa dos sapos. Nã foi preciso mái nada, a minha c'madre C'stóida f'cô logo im pele de galinha. Aquilo, nã pode ôvir falar im sapos e cobras, a m'lher insêa-se logo toda... E marafa-se:

- Mái atão vomecêas nã têm mái nada im que falar?!... Nã sabem qu' isso dá olhado?!... Até já tenho os cabelos im pé...

E olhô p' ô céu e benzé-se:

- Seja lôvado Nosso Senhor Jesus Cristo e sua mãe Marí Santíss'ma!...

Sapo-comum (bufo bufo)
Nesta altura do ano, adonde há água há sapos...

Más aquilo a famila gosta é d' incher o papinho, inda p'r cimba 'tava o ti Zé Caçapo, semp'e danado p'a sovinar os ôtros, nunca mái largaram o assunto. O parente Caçapo, atão, - a gente, em ele nã 'tando a ôvir, ch'mamos-l'e "O Verruma" - tanto zurzilô, tanto zurzilô qu' a m'lher, a certo ponto, teve que fugir p' à cozinha.

D'zia o parente "Verruma":

- O últ'mo qu' incontrí, peguí numa varinha, aquilo foi um remed'o santo... Daquelas varinhas bem fininas de saíço... fui-l'e dando com ela, pateô num 'stante...

Salta o compad'e Jôquim do Barranco:

- Vomecêa tem p'r c'stume 'tar sempre fazer porra com os ôtros, mái nã l'e esqueça que há quem diga qu' isso é verdade. Des que l'e dando com uma varinha fina eles esticam logo o pernil...

- Pôs foi o qu' ê cá fiz. À sigunda varadinha já ele tinha um palmo de língua de fora...

Mintira... Qu' ê cá nunca vi o homem fazer mal a criatura nenhuma q'onto más a um sapo qu' é um bicho que mal nã faz a ninguém, só-se bem...

- Ó ti Zé, mecêa com essa nã m' indròmina qu' ê cá nã vô nisso. Atão, inda faz pôco tempo, 'teve a falar com-migo e des que bichos desses q'ontos más melhor lá nos sês cantêros...

Sapo-comum (bufo bufo)
O parente "Verruma" nã sabia mái os sapos vão p'a drento d' água p'a cobrir as sapas...

- Ê cá disse isso?!...

- Pôs disse... E tamém alomeô os perquéns... Des que lesmas e ôtra b'charada que l'e ingassem lá às suas bejoarias os sapos que lá tinha faziam-l'e a folha...

- Ehq, mecêa, tamém, podia 'tar calado e nã me descobrir a careca...

- Que jêto f'car calado s' ê cá sê munto bem qu' os b'chalos fazem tanto jêto à gente... E nã fazem mal nenhum. Olhe, cá p'ra mim, cada um que vejo é uma festa. Já sê que nessa nôte é menes uma preçanada de lesmas a me c'merem as alfaiças...

- Más olhe qu' eles dã olhado... Aprecate-se qu' a prima C'stóida tem r'zão. Eles dã olhado...

- Olhado dá mecêa...

- E ôtra coisa: Tenha munta conta nã se apròchegue munto p' ô pé de nenhum qu' eles tamém usama m'jar p' ôs olhos da famila...

- Só-se!...

Salta, ôtra vez, a c'mad'e C'stóida:

- Mijam, mijam. Mijam, sa senhora. A minha avó, que Dés tem, bem d'zia. Uma ocasião hôve um homenzinho lá p'r baxo dos Três Figos, inda no tempo dos avózes dela, que dêxô de ver premode isso. Des qu' um sapo l'e fez xixi p' às vistas...

- E mecêa conheci-ô? Pobrezinho dele...

Sapo-comum (bufo bufo)
Os ovos saem do rabo da sapa logo num cordão...

- Nã no conhecia... Atã, nã disse logo que a minha avó é que me contô e isso passô-se no tempo dos avózes dela?...

- Ah, atã assim já fico mái sossegado. Des que, nestes anos todos, tem desparcido munta bicharada - assim c'm' aquele gato brabo que l'e chamam o lince ibérico - calhando esses sapos que faziam isso tamém já se desluziram. E, dessa manêra, já nã tenho qu' andar em cudados...

- Nã goze...

- Agora por isso, inda ontontem - ó se nã foi ontontem foi há uns dias - vinha ê cá ali ô rego do tãinque grande prê abaxo, 'tavam dôs lá drento qu' era um desparate. Par'ciam duas gorpelhas...

- Drento do rego?!... Isso eram arrãs, parente... Atã os sapos andam cá drento d' água!... Eram duas arranitas e, calhando, piquenalhas...

- Ai eram duas arrãs... Atã nã sabe que os sapos cobrem as sapas drento d' água?... E elas põem logo lá os ovos p'a narcerem os sapo-sapinhos. Veja lá aqui uns retratos qu' ê cá tirí...

- Atã, amostre lá...

Ovos do sapo-comum (bufo bufo)
Calhando a ver uns cordõs destes drento d' água, já sabe que sã ovos de sapa...

- Nã vê?... O sapo a cobrir a sapa e os ovos a l'e saírem ali do rabo dela que parêce um cordão nã sê do quem... É dali que, e despôs, saem os tales sapo-sapinhos...

- D'zer a verdade, já tenho visto aqueles cordõs aí nas r'bêras, mái cudava qu' aquilo era coisa só das arrãs. Dos sapos nã sabia... Mái isso nã taria sido eles que, com a brama, caíram p'a drento do rego e tavam-se a afogar?...

- Chame-l'e isso, chame... Eles fazem semp'e aquilo da méma manêra. Lá cuda que foi a p'remêra vez qu' ê vi tal coisa... Désna de moço-pequeno qu' ê conheço isso... Mecêa é qu' é um nenço que nã sabe nada de nada... Nã é verdade, compd'e Jôquim?

- Ora se é... Tem semp'e a mania d' andar a sovinar nos ôtros, mái, vai-se a ver, im certas coisas, nã sabe coisíssema nenhuma. Sabe menes que...

- Olhe, qu' o sê burro, o "Larga-Traques"...

- Lá isso, nã sê, nã sê... Olhe qu' o mê "Larga-Traques", ê cá venho de qualquer banda, amonto-me nele, siguro na arreata, dig'-l'e:

Sapo-comum (bufo bufo)
Um bicho destes q'ontas sapas é que já nã cobriu, senhor?...

- Vamos imbora, "Larga-Traques". Vamos p' ô monte.

- E ele vai? Mái mecêa tem de l'e ir insinando o caminho...

- Alguma vez?!... Posso-me pôr a dromir im cimba da albarda qu' ele invreda, seja de nôte ó de dia, e, im menes de nada, 'tá à porta da arramada... Aquilo é um bicho de estimação, nã cude. Inda mecêa podia narcer ôtra vez que nunca havera de possuir um animal destes, assim tã sabido...

E c'm' à conversa passô dos sapos p' ô burro do mê compd'e Jôquim do Barranco, já nã enteressa à gente. De manêras que, assim me despeço.

Até qu' a gente se veja e Dés Nosso Senhor os acompanhe.

17 março 2010

A Geada Dente-de-Cão

Geada dente-de-cão
Há já bem munto tempo que nã via geada dente-de-cão c'mo esta...

Nã sê se vomecêas já alguma vez viram geada ó não. Calhando, munto menes viram daquela de dente de cão, qu' era coisa que, q'ondo ê cá era moço-pequeno, caía muntas vezes.

Alembrí-me a falar disto premode um caso que se dé com-migo, inda há bem pôco tempo, numa volta qu' ê cá fui dar com a minha Maria e mái uma carrada de famila. Foi-se numa excursão qu' eles fazeram p' aí no Intrudo p'a quem qu'sesse ir ver as Grutas d' Aracena e dar p'r lá umas voltas à pata.

Aquilo iam p'a lá coisa dumas trinta ó q'ôrenta pessoas, más um menes um, tudo munto ad'vertido e fêtinhos p'a dar à perna, mái atão o tempo nã correu à nossa fêção e só no pr'mêro dia é qu' inda andemos quasequer coisinha de jêto. E, méme assim, com um geadão, uma coisa temente...

Alevantamos-se de manhãzinha bem cedo, rapimpamos-se com um quebra-jum qu' eles deram lá na pensão - aquilo era quái à descrição, ora, hôve menino qu' incheu a pança logo p' ô dia entêro... - mandaram a famila antrar toda p'a drento da camineta e foram largar a gente a uma belas cinco ó sês léguas de lonjura.

 Geada dente-de-cão
Era preciso ter munta conta p'a nã se dar algum escorregão...

Tã penas abriram a porta, ê cá fui logo o pr'mêro a sair que, com a barrigada que panhí ô café, já nã ia lá munto bom cá p' drento. Nã é qu' ê use a nã prosar, qu' isso a minha Maria é que l' acontêce quái sempre, mái o chòfer dava as curvas qu' até zunia e, atão, béque-me sintia já assim umas ãinsas e, d' ora im q'onto, até me vinha assim - com l'cença da palavra - um gole à boca.

De manêras que saí assim de rompante, panho aquele ar frio qu' até cortava, digo p'ra mim:

- Ai que barbêro qu' ele 'tá aí!... Minhas belas orelhas!...

E, d'zer a verdade, inda joguí assim a mão a uma e quái que me par'ceu qu' ela 'tava a incurrascar. E a ponta do nariz?!... Ai a ponta do nariz, mês belos amigos!... Nã sê se me doía se nã na sintia...

Mái nã foi sol de munta dura qu' ê cá desqueci-me logo disso tudo. E isso premode quem? É que dí com os olhos numas tôiças que 'tavam logo da bandinha de lá da valeta, tudo branquinho. Nã é qu' ê cá nã t'vesse já repairado, durante o caminho, que tinha caído um geadão marafado e 'tava tudo esbranquiçado, mái daquela ali já há mái que tempos qu' ê nã via...

- Nã vês, Maria... Olha lá p'ra isto!... Esta é de dente de cão!...

- Õi!... Que frio!... Olha lá, s' ê calho a nã trazer o mê barrêtinho de lã p'a pôr na cabeça...

Geada dente-de-cão
Cada passada qu' uma pessoa dava ôvia a geada a se esmigalhar debaxo dos pés...

E, inda mal nã tinha acabado de falar, já o 'tava a infiar na cabeça até ô canto de baxo das orelhas. Já do mémo nã me pude ê gabar que nem pensí im tal coisa. Qu' ê cá podia munto bem ter levado o mê boné d' orelhas e 'tava governado... Mái dêxí-o im casa. Alguma vez ê cudava d' ir dar com uma coisa daquelas assim tã desviado do monte?!...

O resto da famila que saíu à última da camineta tamém se foram aconchigando com os agasalhos que cada um trazia, mái faziam todos uma clamada qu' até dava dó. Menes um que vinha lá no banco de trás - tenho 'tado aqui a ver se me descorre o nome dele mái nã m' alembra. Esse, más um nada, f'cava fechado drento da camineta. Aquilo foi méme à escapúla...

P'ro jêto, o homem tinha perdido a nôte, assantô-se lá no banco de trás sozinho, ferrô a dromir, já tinha tudo abalado a andar q'ondo ele acordô e se viu na camineta sem companha. Desatô a bater no vrido e a ch'mar p'ra gente, vá lá qu' inda hôve quem desse por ela...

Saíu de lá, vinha béque-me mê' insampado, deu uma carrêra à mecha toda, aparô um coisinho à minha frente e desata a lambarear. O que me havera d' acabedar... Logo a mim que queria tirar retratos e nã me calhava nada ir ali a tramelear fosse lá com quem fosse. Vá lá qu' ele, logo a seguir, virô-se p' ô ôt' lado, ia uma moça toda jêtosa ali sozinha, f'cô todo crençoso com ela e desquecé-se de mim.

Geada dente-de-cão
P'ro jêto, os castanhêros gostam destes sitos adonde faça frio com fartura...

Ora ê cá aprevêtí logo o atopo, ponho-me a andar p'r lá a tirar retratos à manadia que foi um consolo. Um consolo até que pisí uma pôça d' água - cudava ê cá qu' era água... - e dí um escorregão. Olhem, aquilo, más um nada, dava tamém um bate-cu que ficava todo enlameado, más agarrí-me ali a um tróço dum castanhêro, enquilibrí-me e a coisa nã teve dúv'da...

Já agora, p'r falar im castanhêros, nã sê c'm' l'es incarecer aquilo que p'r lá vi. Andamos bem umas duas léguas - p'ra más que p'ra menes - e nã se via ôutra coisa que nã fosse tal arv'e. Mái, nã cudem, tudo alvoredo desposto im carrêras c'm' deve de ser, tratados a tempo e horas e tudo munto mái velho do qu' ê cá ó vomecêas...

Ora mái velhos... Até me d'zeram que 'tavam lá alguns que, se nã t'vessem duzentos anos, p'a lá caminhavam... E ôtra coisa: ali ninguém corta uma ar've daquelas ó a trata mal. Nã senhora. Nem que seja p'a os podar, pr'mêro têm que pedir l'cença lá a quem manda naquilo. Calitros?!... Isso naquela zona nã há...

Calhando mecêas nã se fiam em mim, podem cudar qu' ê cá 'tô a abusar, mái 'tejam certos qu' aquilo é uma coisa quái do ôt' mundo. Im tamanho, im 'tar bem arrenjado e im q'ôlidade. Fiquem sabendo que, méme nesta altura, inda panhí lá umas castanhitas p'r aqueles charazes e 'tavam quái todas boas p'a c'mer.

Castanheiros centenários
Im castanhêros, nunca tinha visto uma coisa assim. Grandes, bem tratados e muntos...

E boas qu' elas eram... Despôs d' incher a barriga é que me vêo à idéa uma coisa: já haveram d' andar um coisinho chafurdadas dos porcos brabos - os javalis... Mái já me tinha rapimpado com elas e bicho nã tinham... E que t'vessem. Nã se usa a d'zer que 'bicho qu' ê como nã me come ele a mim'?...

Pôs, nã sê se mecêas inda 'tão alembrados - os mái velhos c'm' ê cá, qu' os mái nôvos, esses não - já hôve tempo qu' aqui na nossa Serra tamém havia muntos castanhêros e a famila pôco mái c'mia do que castanhas.

Batatas nã as havia, pão munto pôco, vá lá umas bejoarias quem as tinha, e, atão, eram as castanhas qu' andavam semp'e p' à frente. P'a nã apodrecerem, até se gôrdavam com todo o precêto. Inda m' alembra do mê pai - que Dés o tenha - as interrar im arêa seca drento dum corcho e, em sendo preciso, ir-se lá desinterrá-las...

Querendem, acalquem aqui na Galeria de Aracena e Rio Tinto e vejam mái mêa-dúiza de retratos.

E p'r 'qui me fico.

Passem bem e até que Dés quêra.

25 fevereiro 2010

A Cascata do Barbelote

Cascata do Barbelote - Monchique
Q'ondo enverna bem c'mo este ano, a Cascata do Barbelote fica méme bonita...

Andí p' aí com uma catarrêra, quái que nem saí do monte mái duma semana. A minha Maria, pr'mêro, queria qu' ê cá fosse ô dôtor - p'ro jêto, 'tava com cagúifa qu' aquilo fosse a tal gripe marafada qu' eles p' aí falam... - mái, odespôs, c'm' viu qu' isto era só uma const'pação, disse-me logo:

- Ó homem, nã te rales qu' isso é c'm' ôtro que diz: uma const'pação tratada dura trinta dias e nã tratada é trinta e um...

E, atão, foi-me fazendo p' aí uns chás nã sê do quem e a coisa foi-se compondo. Qu' ela, antão, já sabe que, cá p'ra mim, há chás que nã antram na minha goéla... Olhe, por exempes, o de hortalão, era o que faltava... Des qu' aquilo, nas minhas idades, dá um resultado escamungado e nã vá um homem f'car p' aí de jum e abst'nência...

Mái, c'm' à coisa já ia correndo bem, um destes dias abalí caminho do monte dos mês compadres. Nã foi lá grande idéa qu' o caminho 'tá um coisinho imbalsado, aquilo tinha caído um garrão na madrugada e as tôiças 'tavam todas orvalhadas. Mái leví umas botas de cano alto, lá me defendí c'm' pude.
Ia chigando perto da rua deles, desato a ôvir duas criaturas:

Barbelote - Fóia - Monchique
No caminho p' à Cascata do Barbelote dá-se com esta vista...

- Tal tem achado a esta enverna toda, prima C'stóida?...

- D'zer a verdade, já 'tá tudo p'r 'í bem orvalhado... A rôpa, bem na lavo, mái atão e p'a ela secar... É uns trabalhos, parente Zé...

- S' os mês cudados fossem esses... A rôpa, ê cá inxugo-a méme ô pé do fogo, c'm' à minha Larinda - que Dés a tenha im bom lugar - fazia.

- Eh!... Mái isso fica tudo chêrando a fumo qu' é um desconsolo... E é só rôpa miúda, qu' umas peças assim maiorinhas c'm' é que mecêa as pindura nas costas duma cadêra?

- Ê cá m' amanho... O que me tem dado cudados ô bem fêto nã é isso. É umas batatas qu' ê tinha lá bem abrulhadinhas p'a samear e, com esta enverna toda, nã nas dí metido debaxo terra.

- Samêe-as um destes dias, em o tempo alevantandoum coisinho. Inda vai a tempo...

- Agora?!... Têm uns abrulhos quái da minha altura... S' as ponho na terra, ficam com eles um palmo de fora, vem p' aí algum geadão, daqueles de dente de cão, nã escapa nem uma...

- Ó parente, mecêa tamém... Sossegue p' aí qu' o bom tempo logo parêce...

Isto era o mê parente Zé Caçapo a conversar com a minha c'mad' C'stóida. Logo, nã deram p'r mim. Más ê cá dí assim uma tossidela c'm' quem 'tava a alimpar o pigarro e eles viraram-se p' ô mê lado. A c'mad' C'stóida aprevêtô logo o atopo p'a me pôr à balha:

Cascata do Barbelote - Monchique
Em caindo um bom garrão d' água, a Cascata do Barbelote fica neste estado...

- Olha o compad'e Refóias... Atã o qu' é se tem fêto? Já há uns belos dias que nã no via. Tem andado com medo do tempo ó quem?...

- Que jêto medo... 'Tá-se é munto melhor aconchigados ô pé do fogo do qu' andar a panhar frio aí pr' o mêo das sobrêras...

E o parente 'Verruma' - 'Verruma' é o anexim do parente Zé Caçapo - semp'e munto cão, meté-se logo tamém:

- Põs, lá isso medo nã há-de mecêa ter... Tenho ôvisto falar que, quái tôdes dias o têm lombrigado lá p' às bandas do Brabelote... Com chuva e navoêro e tudo... Arrenjô p'a lá alguma namorada ó quem?... Tenho más é que ter uma conversa com a c'mad' Maria. Ah isso tenho...

- Lá 'tão vancêas semp'e com coisas... Nã pode uma pessoa fazer coisíssema nenhuma qu' anda logo tudo a bispar... Fui lá sa senhora. E o qu' é que têm com isso?

- Nã l'e parêça mal, parente. Isto é só uma conversa... Mái tamém nã l'e gabo o gosto d' ir bem lá p'a uns furjacos daqueles fazer nã sê o quem, im dias que nã se vê quái um palmo à frente do nariz...

- Bem sabe que fui ver aquela queda d' água que 'tá lá e, q'ondo ele chove a precêto é qu' ela tem que ver. E vomecêa se t'vesse querido ir com-migo c'm' ê cá l'e disse na bésp'ra, nã tinha f'cado repeso.

- Eh'q!... Querendo ver água vô ali im baxo à rebêra... Mái diga-me lá uma coisa. Aquela água toda que cai lá na Cascata do Brabelote vem d' adonde, sabe?

- Se mecêa lá fosse, via logo d' adonde vinha... Vem daqueles córgos todos qu' abalam lá de cimba do lado da Moita e dos Lamatêros... D' adonde é que queria que viesse?..

Cascata do Barbelote - Monchique
P'a quem se quêra molhar e ir lá p'a debaxo dela, tira retratos assim à Cascata do Barbelote...

- Sê cá, aquilo béque-me nã tem assim munta comprimenta e ajunta logo um poder d' água qu' é uma coisa temente...

- Lá isso é verdade. Mái aquele vertente da Fóia semp'e foi um sito de munta água. E vindo um tempo assim chuvoso c'mo ele tem vindo agora, ajunta lá uma r'bêrada qu' até...

- Há-de ter que ver...

- Se queria saber, fosse lá com-migo. Agora, só se pedir ali ô Zé Manel que l' amostre os retratos qu' ê cá tirí e pus na internet... 'Tá bem que nã f'caram grande coisa qu' o tempo 'tava ruinzíssemo - chovia, fazia navoêro, aventava... era tudo contre - mái semp'e dá p'a ver quasequer coisinha.

- Eh'q, ê cá nã tenho vagar p'a essas coisas da internet ó lá o que é.... Vô-me más é caminho de casa tratar dos bichos qu' isto anoitêce logo im mêa tarde...

- Ó parente Zé, nã tenha medo qu' o comp'tador nã l'e morde!... Se nã quer ir ver ô do Zé Manel, venha com-migo e vê-se àlém no meu. Leva é um coisinho mái tempo. Qu' ele até aquecer...

- Nã, nã... Vô-me andando qu' os bichos têm fome. Esta manhã só l'e dí p'a lá um retraço àquela mêa-dúiza de bicos que tenho lá no galinhêro e, ô sovão, joguí-l'e uns sarguaços p'ô do curral e nem o vi qu' ele 'tava incafuado lá p'a drento da cuêra. Fiquem-se com Dés.

O mê parente 'Verruma' é assim. Em l'e dando um derrepente, abala e vai-se imbora. Vá lá qu' inda se despediu, qu' ele, ás vezes, nã diz nada e q'ondo se dá por ele já ele estrapôs p' ô lado do monte. Más a minha c'mad' C'stóida tamém gosta do palêo e f'camos os dôs a dar à tramela:

Sítio do Barbelote - Monchique
Isto é qu' é o sito do Barbelote, à espera qu' alguém olhe por ele...

- Ó Compad' Refóias, mecêa diz qu' essa coisa da Cascata do Barbelote que levava munta água, mái atão ê, uma vez, fui lá e aquilo 'tava tudo quái seco... Veja já se 'tá p' aí a infiar alguma pua à famila...

- Que jêto?!... Calhando, mecêa foi lá no Verão...

- Pôs, nã m' alembra bem, mái aquilo havera de ser fins de S. Tiago prencipos d' Agosto...

- Atão, nesse tempo, o qu' é que mecêa queria.... Aquilo corre água im forte é agora no enverno. Em dêxando de chover, a água vai-se desgotando e chega uma altura qu' é c'm' aqui a nossa r'bêra. Ó seca dum todo ó só leva alguma pinguinha d' água que resuma do terreno nalgum sito mái fresco.

- Ai s' ê cá gostava de ver isso, assim ô natural, q'ondo ela corre munta... Mái atão, o mê Jôquim nunca s' opõe a essas coisas...

- Tem toda a rezão, c'madre. Aquilo, quem vai lá agora nesta altura, nã dá o tempo p'r mal empregue. Pode é panhar com uma carga d' agua im cimba da lombêra e tem de puxar bem p'las canôiras qu' o caminho é munto imbargoso.

- Pôs, isso atão, caminho mái impinado do qu' àquele é má d' incontrar...

E mecêas, mês belos amigos, querendem, acalquem aqui na galeria da Cascata do Barbelote e vejam os retratos qu' ê cá tirí lá, e os mái foitos, em podendem logo dão lá uma bispadela assim num dia que caia uma boa ripada d' água.

E, p'r o caminho, tenham munto cudadinho nã estraguem umas tôiças verde-negras que p'r lá há, parte das vezes, masturadas com balsas. São adelfêras. E tamém nã façam selada com as folhas delas. Senão, esticam o pernil.

Saudinha da boa.

03 fevereiro 2010

A Barragem do Alqueva

Barragem do Alqueva - Janeiro de 2010
Des que c'm' à Barraja do Alqueva nã há ôtra na Êropa...

Inda 'tão alembrados da conversa qu' o mê compad'e Jôquim do Barranco me fez, ontordia, q'ondo ê cá l'e contí que tida ido ver a Barraja d' Odelôca com o parente Tóino Rosa, ó nã fazeram caso disso, cudando qu' a gente os dôs nã se era homens p'a abalar caminho do Alqueva?

Pôs, se cudaram, 'tão munto mal inganadinhos, mês belos amigos... A gente pôs aquilo à idéa, o mê compad'e arrenjô via e já se foi lá ver aquela mechas toda, fazemos boa viaja e já cá 'tamos prontos p'a ôtra. Só nã foi o parente Tóino Rosa qu' a gente quis-l'e mandar recado e nã t'vemos portador. Im vez dele, foi o Zé Manel. O filho do compad'e Jôquim e da c'mad' C'stóida.

Calhô foi mal o dia nã ter 'tado um coisinho mái soalhêro. Nã sê se p'r 'qui foi o mémo, mái lá aquilo, o astro, 'teve quái semp're toldado e inda panhamos com uns pingos im cimba da orgada e tudo. Coisa pôca, tamém se diga... que, lá p' à banda da tarde, ele até aliviô um coisinho.

Mái, com respêto ô resto, foi tudo do melhor. E a festa começô logo na viaja daqui p'ra lá, com o Zé Manel a ver se dava indròminado o pai. Aquilo, o moço anda afalcoado de d'nhêro, qu' ele tã bem o ganha c'm' o gasta logo a seguir - com as moças ó lá com o qu' ele munto bem l'e dá nos cascos - e, atão, levô o caminho quái todo a pertar com o pai p'a fazer uma aposta.

Barragem do Alqueva - Janeiro de 2010
Tinha tanta água ó tã pôca qu' a comad'e C'stóida cudava qu' era o mar...

- Mê pai, posto consigo c'm' à Barraja do Alqueva é munto maior qu' a da Odelôca!... Quem perder paga a bucha mái logo num restarante qu' ê cá conheço. Aquilo é jêtoso e, nã s' abusando munto, fica mái ó menes im conta...

- 'Tás parvo ó quem?!... Quem é que nã sabe qu' a do Alqueva é maior qu' à ôtra? Atã, des qu' aquilo vai dar à Espanha e ingoliu lá a Aldêa da Luz e tudo... Queres fazer de mim inda mái nenso do qu' àquilo qu' ê cá sô?...

- Nã posta, nã posta, pronto... Mái, já agora, sabe q'ontas ilhas é qu' aquilo tem ô todo? Olhe que sã muntas...

- Isso nã sê, mái, calhando, inda tem p' a lá um q'ôrtêrão delas...

- Ai um q'ôrtêrão!...

- Um cento?...

- Ai um cento...

- Qu'nhentas?...

- Ai qu'nhentas... Mái de mil!... Posto consigo c'm' 'tão lá mái mil ilhas... E nã precisa de ser o almoço. Posta-se só a garrafa do vinho p' à gente bober no tal restarante.

- Olha que perdes... Mil é munta ilha, Zé Manel...

- Atã, poste. Tamém, que perca que ganhe, uma garrafa de vinho, tamém, nã é grande coisa...

- 'Tá bem. 'Tá postado. Uma garrafinha do tinto.

Barragem do Alqueva - Janeiro de 2010
Sê cá q'ontas léguas aquilo tem d' água...

Ê cá, logo, nã liguí munto àquilo. Mái o Zé Manel, que nã dá ponto sem nó, tod' ô caminho foi repisando no caso. Até qu' ê cá vi qu' ali havia coisa. E havia qu' ê já l'es conto.

Despôs de se chigar lá e se bispar tudo o que se dé visto:
. tanta água ó tã pôca qu' a c'mad' C'stóida cudava qu' aquilo era o mar - inda p'r cima par'cé um pêxe qu' aquilo era um desparate;
. a barraja a descarregar de tornêrada qu' aventujava a água lá p'r aqueles ares - p'r o jêto, p'a fazer elecsidade;
. a famila tudo de boca aberta, abismados com uma obra daquelas;
. e ôtras coisas má's que nã adianta 'tar, agora aqui, a falar nelas;

chigô a altura d' ir c'mer uma bucha lá ô tal restarante qu' o Zé Manel sabia. É que, desta vez, as m'lheres fazeram-se rasmôlgas e nã trazeram farnel p' à gente se rapimpar...

Diz ele:

- Atão, e agora q'ontas ilhas tem a barraja? Tem ó nã tem mái de mil?...

- Nã nas contí, mái daqui vejo pôcas...

- Parente Refóias, o qu' é que vomecêa diz? Nã l'e parêce que sã bem p'ra cima de mil? Diga lá... Diga, diga...

Ora, ê cá, tive que tirar p'r o moço... Atã havera d' ir a favor do pai que tem munto mái posses qu' o filho?!... Dí-l'e logo os améns:

Barragem do Alqueva - Janeiro de 2010
Punhana, aquilo a descarregar água p'a fazer elecsidade, até urrava...

- Sim, Zé Manel, p'r aquelas qu' ê tenho levado repáiro, devem de ser até um belo coisinho mái do que mil.
- Olhem vocês os dôs 'tão-me a levar de trôxa mái tamém uma garrafa de vinho nã é nada p'r 'í além... Vamos lá buchar qu' ê tenho cá uma lazêra...
E lá abalamos.

Chigados ô restarante, cada qual escolhé lá munto o que l'e dé nas ganas - foi tudo o mémo: insopado de borrego - o Zé Manel foi falar com o homem lá ô balcão. 'Teve lá um pôcachinho, voltô p' à mesa e diz assim c'm' quem nã quer a coisa:

- Pronto, o vinho já 'tá incomendado. Agora vejam lá a figura que fazer. Nã bebam munto...

Naquilo, o homem com uma garrafa do tinto, toda bojuda, já a l'e espetar o saca-rolhas. Abre-a, fez assim aquele estralo de ser uma pinga ô consoante, e despeja um coisinho só p' ô copo do compad'e Jôquim. Ele f'cô a olhar p' ô copo.

- Vá, prove, mê pai. É p'a ver s' ele 'tá bom...

- Ora 'tá bom. Encha más é o copo...

O impregado lá despejô p' ôs copos todos - menes p' ôs das m'lheres que dizem semp'e que nã gostam de vinho - pôs a garrafa ali e foi-se imbora.

- Ó Zé Manel, tu qu' inda tens bons olhos, lê lá aí o rótalo p' à gente saber o qu' é que se vai bober...

Carpa da Barragem do Alqueva - Janeiro de 2010
A água 'tava um coisinho suja, mái, meme assim, par'cia lá com cada pêxe...

- ... ora, Herdade do Esporão, Reserva 2004... 14,5º ... é um v'nhito más ó menes... Mái nã bebam munto...

- Reserva? Já tinhas mandado reservar isso p' à gente, foi? - Diz o compad'e Jôquim do Barranco.

- Já, já, mê pai. Já lá vai p'a sês anos qu' ele 'tava aqui de reserva p' à gente - Diz o Zé Manel a antrar com o pai.

Nesse mê tempo, o homem vêo trazer o tal insopado e a conversa f'cô p'r 'qui. Comemos e bobemos, o mê compd'e aguenta pôco, já 'tava um coisinho escarado. E foi a sorte. Mái nã fez má figura. Qu' assim, o Zé Manel pediu a conta e nã l'a amostrô:

- Agora, traga aí uns cafézinhos e a conta. Mái, dê-me-a a mim qu' o mê pai tem munta falta de vista e nã intende nada disso. E o mê parente Refóias tamém já 'tá com os olhos um coisinho piscos...

Ê vi qu' ele 'tava tamém a fazer porra de mim, mái nã fiz caso. C'm' o pai dele é que pagava a garrafa...

E sabem q'onto é qu' ela l'e custô? Vô-l'es d'zer aqui, mái vomecêas nã l'e contem nada. É qu' o homem inda hoje nã sabe qu' o Zé Manel pegô-l'e na cartêra dele, pagô a parte deles os três e a coisa passô adiante...

Pôs, só a garrafinha foram trintas eros!... Punhana!... Mái lá qu' ele era do bom, era...

E dali, sabem p'r adonde fomos? Nem mái nem menes p'ra donde a tal garrafinha foi produzida: a Herdade do Esporão.

S' ê cá, uma umaocasião, t'ver jêto, logo l'es conto a nossa v'sita a essa dita adega.

Querendem ver os retratos qu' ê cá tirí na Barraja do Alqueva, acalquem aí p'r baxo:



E até qu' a gente se veja.