26 agosto 2007

O Romance de Don Gaiferos de Mormaltán

O Romance de Don Gaiferos
Este Don Gaiferos havera de ser um velhote bem safo...

Vomecêas hã-de 'tar já um coisinho a pensar nã sê o quem, premode ê cá nã dar sinal já lá vai uma preçanada de tempo. E nã l'es posso d'zer que nã tenham r'zão. Mái, nã veêm?, isto, désna qu' ê cá meti na cabeça d' ir a Santiago e fui, as minhas coisas imcambulharam-se duma tal manêra que nã tenho dado conta da rolha.

Más, hoje, 'tava p' ali no palêo com o mê compad'e Jôquim - qu' o homem nã se passa dia nenhum que nã me venha atentar p'a l' ê contar partes que se deram com-migo naqueles dias que andí p'r lá - e vê-me à idéa daquela ocasião qu' ê cá 'tava im Santiago à espera da minha vez p'a eles me passarem lá aquele papel da "Compostela".

- Compad'e Refóias, atão e com respêto à sua viaja, hoje, nã conta p' aí mái alguma parte daquelas bem caçadas que se tenham dado p'r lá?...

- Olhe, p'a l'e d'zer a verdade, béque-me nã m' alembra assim de nenhuma das que dã p'a rir...

- Atã conte méme uma das ôtras, hom'!... Das que dêem assim paxão à gente...

- Ah, serve-l'e méme uma dessas?!... Atã calha bem, qu' ê inda nã falí naquela dum velhote que tamém foi a Santiago e andô, andô, esticô o pernil méme lá na Catedral, im frente do bispo e tudo...

- Conte lá isso, compadre... conte lá...

- Atã, aqui vai. É só ler os versos qu' ê trusse aqui neste papel, méme na língua lá deles - o galego - qu' isto percebe-se quái tã bem c'm' se fosse lá o mê amigo Jôqu'nito, que mora no Porto, a falar.

E pus-me a ler esse tal romance do Don Gaiferos:

ROMANCE DE DON GAIFEROS

A onde irá aquel romeiro,
meu romeiro, a donde irá?
Camiño de Compostela,
non sei se alí chegará.

Os pes leva cheos de sangre
e non pode máis andar,
mal pocado, pobre vello!
non sei se alí chegará.

Ten longas e brancas barbas,
ollos de doce mirar,
ollos gazos, leonados,
verdes como auga do mar.

-I a onde ides meu romeiro,
onde queredes chegar?
-Camiño de Compostela,
onde teño o meu fogar.

-Compostela é miña terra
deixeina sete anos hai
reluciente en sete soles
brillante como un altar

-Cóllase a min meu velliño
vamos xuntos camiñar,
eu sou trobeiro das trobas
da Virxe de Bonaval

-I eu chámome don Gaiferos
Gaiferos de Mormaltán,
se agora non teño forzas
meu Santiago mas dará.

Chegaron a Compostela
e foron á Catedral,
Ai, desta maneira falou
Gaiferos de Mormaltán:

-Gracias meu señor Santiago
os vosos pés me tés xa,
si queres tirarme a vida
pódesma señor tirar,
porque morrerei contento
nesta santa Catedral.

E o vello das brancas barbas
caíu tendido no chan,
Pechou os seus ollos verdes
verdes como a auga do mar.

O obispo que esto ovíu
alí o mandou enterrar
E así morreu meus señores
Gaiferos de Mormaltán.
Iste é un dos moitos milagres
que Santiago Apóstol fai

O Romance de Don Gaiferos
Nã há quem passe ali que nã olhe bem p' à históira do Don Gaiferos...

- Tó, diacho. Mái atão o homem morré assim dessa manêra, sem mái nem quem?!...

- Pôs... É o que diz aqui.

- Olha o pobrezinho... P'a nã s' emportar de morrer, é mái que certo qu' o homem panhô sol a más na cabeça inq'onto p'r lá andô... Mái atã nã levaria um casquêro infiado nos cascos?...

- Lá c'm' à coisa foi nã sê munto bem, mái tamém l'e digo, compad'e Jôquim, um homem, im andando assim uns belos dias a cinco, sês, sete e méme oito léguas p'r dia, às tensas do tempo que l'e parêça - seja ele sol ó seja chuva - com os pés, parte das vezes, numa borrefa pegada, que nem os sinte, é caso p'a f'car mê azôgado..

- Lá isso...

- ... e chega a um certo ponto, uns dá-l'e p'a chorar, ôtros pensam más é im voltar p' ô monte, e ôtros, calhando, 'té nem importam de cair p' ô lado e morrer, c'm' esse tal Gaiferos...

- Méme assim... inda bem qu' ê cá nã fui consigo. Sê cá se daria lá chigado?!... E se me desse uma parvoêra dessas, de f'car p'r lá?!...

- Atã s' ê chiguí, vomecêa nã havera de lá dar chigado tamém... Más a más que 'tá tã ac'st'mado a andar aí p'r esses charazes atrás do sê Larga-Traques...

- Ê sê cá!...

- Agora já nã l'e garanto à confiança é se vomecêa nã l'e dava p'a lá alguma gavierra e se passava do juízo... Já viu o que era ê cá chigar a casa e ter qu' ir d'zer à c'mad'e C'stóida que vomecêa tinha-se perdido p'a lá?!...

- Perder-me?!... Que jêto?... Atã mecêa nã disse qu' eles prantaram umas setas amarelas im tod' ô caminho?... É só ir p'a donde elas mandam...

- Olhe qu' às vezes, 'tão más de ver... Uma ocasião infií p'r um balsedo adrento que já d'zia que nã me dava tirado de lá...

- Ó compad'e Refóias, c'm' é mecêa fez uma coisa dessas, hom'? Ir-se meter num balsedo nem parêce seu...

- Lá isso tem r'zão. Mái, nã vê, ê cá ia p'r um caminho prê adiante, naquilo, 'tava um baloiso adonde eles tinham pintado a seta a d'zer p' à frente, mái, p'r jêto, andô p'a lá uma recta a alisar o caminho e o homem sem dar por isso - ó sabe-se lá se nã foi com manha... - dé algum incalhão na pedra e a seta ficô a apontar p'ra baxo. Méme p'a drento do balsedo, veja lá...

- Atã e vomecêa nã via logo qu' o balsedo nã era caminho?...

- Cale-se aí!... Más é qu' aquilo tinha lá uma v'reda, nã sê d'alguma zôrra ó dôtro bicho qualquer e f'quí a pensar cá p'ra mim: Punhana! qu' isto q'onto mái longe 'tô de casa mái ruim é o caminho!... Mái, s' os ôtros passaram, ê cá nã sô menes que eles...

- E infiô p'r o balsedo...

- Põs atão... O qu' é qu' ê havera de fazer?...

- Atã, e despôs?

- Ora, abalí p'r aquela ladêra abaxo - e impinada qu' ela era... - inda fui com o cu d' àrrojo que, más um nada, arrompia as minhas belas calcinhas e nã tinha ali mái nenhumas p'a vestir, e só já da banda de lá do barranco é que vi que 'tava atribuído...

- E c'm' é que dé por ela?...

- C'm' é que dí?!... Atã a v'reda acabô-se... Tive que voltar p'a trás e ir à prègunta do caminho certo...

- Ah, homem marafado... Se fosse ê cá nã caía numa dessas... Nem pensar!...

- Atã, qualquer dia, vai-se os dôs e mecêa é que vai à frente. Qu' ê semp'e quero ver a sua hab'lidade...

- E sô homem p'ra isso...

- Mái, desta vez nã foi...


Querendem ôvir a cantiga do Don Gaiferos, 'tá aqui, com uns q'ontos retratos qu' ê tirí p'r lá.

E f'cô-se p'r 'lí. Tamém, p'ra que era mái palêo?... A gente já sabe tôd's qu' o mê compad'e Jôquim do Barranco conversa nã l'e falta... Agora, obras... 'Tá bem dêxa!...

Más olhem, se qu'rerem ver mái alguns retratos com condiçõs, acalquem aqui na Galeria de Santiago, que semp'e sã um coisinho melhores que no YouTube. E com munto mái fartura...

E fiquem-se com Dés.

2 comentários:

  1. Gostê muto da hestóra que contôooo.
    Por aí inda ai mutos balsedooos? Por aqui já não aiiii. Foram todos arrancadoooos.
    .....
    Espanto-me como consegue reproduzir o modo de falar algarvio. Aqui, neste canto do Alentejo, quase Extremadura espanhola, o falar é cantado, fruto do cruzamento de influências.

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  2. quase anónima...o meu nome é Márcia, há 12 anos que saí de Marmelete, mas nunca esqueço a minha terra e as suas gentes, por isso é com muito agrado que me deparei com o "O Parente da Rifóias". Para ficarem a saber melhor quem sou dou-vos uma pista, sou irmã do "ameixa". Beijinhos para todos.

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Obrigado por visitar e comentar "O Parente da Refóias"