'Tejam com Dés, mês belos amigos.
Já há bem munto tempo que nã parêço p'r 'quí, mái, isto, dé-se uma preçanada de casos p'a me estrovarem a vida e ê cá nã tenho dado àvonde p'a resolver tanto empeço.
De manêras que, isto é c'm' ô ôtro que diz:
- Quem toca muntos burros, algum l' há-de f'car p'a trás.
E, atão nã dí escrevido nada.
Nã é qu', inda bem não, nã m' alembrasse de contar uma parte ó ôtra, mái atão e tempo, viste-lo... Nem esta coisa do comp'tador ê tive ocasião de ligar, as más das vezes.
Bem que l'es podia contar o que se passô, mái béque-me dá-me mái jêto l'e falar de coisas más ent'ressantes.
Olhe, um destes dias, nas béspras de chover, pensí:
- 'Tá-me a doer aqui estes ossos do cachaço, é d' adregue nã vir p' aí alguma gôta d' água... Ele 'tá sol, mái em ê sentindo este sinal, quái semp'e, bate certo. Dêxa-me más é pôr ali uma lenhita im casa, entes qu' ela se molhe toda.
E peguí em mim, fui-me a uma sobrêra seca que tinha ali preciminho de casa, das qu' arderam q'ondo hôve aquele grandessíss'm' ô fogo, fez agora três anos, dêtí-a abaxo e fize-a im arrachas.
Atã e nã querem lá ver que, no dia a seguir, chové uma barrigada d' água que foi um consôlo?!... Foi uma regadura im forte.
Os mês belos tomates, qu' inda tinha p' ali uns q'ontos, esses é que já nã s' apr'vêta nada a nã ser p' ôs animazes. E quem t'vesse inda umas uvinhas p'r panhar, tamém nã havera de ter f'cado munto contente. Mái lá 'tá im cima quem manda nisto tudo e temos que se conformar com as boas e com as ruins.
Más isto p' ô madronho e p' à zêtona até que vê méme a calhar. Com uma àgu-inha assim engràdecem num 'stante. E o alvoredo p'r 'í todo tamém agradêce.
Mái, voltando atrás, o qu' ê cá fazia tenção de l'es contar era o que se dé q'ondo derrubí a sobrêra e, despôs, a cortí em cepos e a arrachí.
Aquilo é um trabalho marafado, mái com um machado de lavrar madêra, um marrão e uma cunha, que m' emprestô ali o mê compad'e Antóino do Pomar, aquilo é um vê se t' avias. O homem já tem uma bela idade, mái semp'e fez questã d' apresentar boa farramenta.
Em novo, era serrador. Des qu' os melhores serrõs eram semp'e os dele. Aquilo serrava madêra p'r tod' ô lado, com o camarada dele, que nã dava agu-ento a tanto serviço. Até à Refóias ele, uma ocasião, vêo serrar uns p'nhêros dos mês avózes, qu' eles tinham míngua dumas tábuas p'a fazer p'a lá um sobrado...
Com os lavajos desses tróços até o mê pai fez p'a lá um pecilgo p'a pôr um bacorinho - contô-me ele uma vez, já há bem muntos anos - e des qu' aquilo durô um poder de tempo que levaram nã sê q'ontos envernos a criarem lá os bác'ros inq'onto nã matavam o sovão e desempecilhavam a pecilga maior.
Pôs que digam que nã digam qu' ê cá inda faço este trabalho à antiga, barimb'-me nisso. Ele ficam cá umas arrachas qu' a minha Maria até se consola a prantá-las no fogo.
Olhe, aquilo, despôs de se ter o tróço da sobrêra cortado im cepos, s' eles serem delgados, prega-se-l'e uma machadada ô mêo, ficam fêtos em dôs. Nã tem nada que saber e faz-se num nadinha.
S' eles serem mái grossos, aí, aponta-se-l'e uma cunha ali adonde a madêra pedir, tancha-se-l'e duas ó três marranadas, o cepo arracha. Se ser preciso, põe-se-l'e ôtra cunha no ôtro lado da arrachadura, afinca-se-l'e mái uma marranada ó duas e já 'tá. Em menes de nada, 'tá fêto em arrachas.
Tem-se é que ter munta conta qu', inda bem não, calha a saltar a cunha e nã vá ela ir d'rêto às canoiras duma pessoa... Ó nã se dê o caso, com-m' se dé com-migo dessa vez, do marrão saltar do cabo e passar im frente do nariz duma pessoa qu' até um homem fica im pele de galinha...
P'r falar im galinha, nessa vez, na últ'ma marranada que dí num cepo, salta-me um pedaço de corcha assim além p' ô lado e, ô méme, tempo uma coisa qualquer assim a arrabolar p'r cimba dumas folhas se sobrêra.
Olho bem: um pã-de-galinha. Pã-de-galinha é o que se chama aqui a um bicho-barril. Mái qual nã era o tamanho do animal... Aquilo era mái grósso qu' um dedo cá dos meus. Ponho-me a olhar bem p'ra ele, oiço:
- Atã, Refóias, o qu' é que 'tás p' aí a engrilar?
Era o amigo Adelino da Desmoitada, qu' é um gradessíss'm' ô gozão e, adonde parêce, 'tá semp'e a entrar com qualquer um.
- Nã me digas que perdeste p' aí alguma coisa no mê das folhas... Foi algum anel ó o relójo?...
Aquilo era já a mangar com-migo... Qu' ele bem sabe qu' ê cá nã uso anel e relójo só o levo q'ondo vô p'a longe do monte. E más tinha ele já visto o bicho-barril. Atã aquilo, com mintira e tudo, era quái da grossura duma cobra das grandes...

Bicho-barril assim, só inda tinha visto nas borras do madronho...
- Ó mariola, atã nã vez que 'tô a olhar p'a este bicho-barril que saltô aqui de drento da corcha deste cepo?!... Só inda tinha visto tal coisa foi nas borras do madronho. Tirando isso, só aqueles pequenalhos que se criam aí no esterco ó na terra bem estrumada.
- Tó, diebo!... E é bem grande... Olha, lev'-ô e põe-o a assar lá no brasedo qu' a tu Maria faz p'a cozer o jantar, qu' isso há-de-te dar uma função do melhor. Tens é qu' acompanhar com um belo copinho de vinho daquele qu' o tê compad'e jôquim do Barranco te deu, do do ano passado...
- Toma chó!... Se gostas, come tu, alma do diabo... A ti é que t' havera de fazer bom pr'vêto, que 'tás magro que nem um cão... Olha p' à g'rdurinha qu' ele tem, olha, nã vês?...
Enq'ont' isso, peguí no bicho e fiz amenção de l' o enfiar p'r a boca adrento. Ele, dá um salto p'a trás, munto lampêro, punhana!, desata a c'spir p' ô chão com o nonjo que l'e deu. Já nem s' aprochigava de mim...
- Chega isso p'a lá, badalo. Ele é teu, come-o tu...
Isto era tudo uma charola qu' ê cá trato bem qualquer b'chinho e coisa que nã gosto é de ver fazerem mal ôs animazes. De manêras que, puse-o ali im riba duma corchinha e desatar a arrachar mái uma lenhita.
Pôs nã l'es digo nada. Naquele madêro era cada marranada cada bicho-barril que caía no chão. Aquilo, num nadinha, juntí ali perto duma dúiza deles.
- Olha, já que nã os queres p'a assar, lév'-ôs p' às galinhas da tu Maria p'a ver s' elas enchem bem o papo e nã me vêm c'mer ali as minhas côves, que já 'tá ali tudo escalavardado...
- As galinhas da minha Maria?!... Atã elas 'tã semp'e presas, c'm' é qu' é isso... Tu é que nã l'e pões reméd'o p' às lesmas e p' ôs caracó's e eles comem-te aquilo tudo. Agora queres-te desculpar com as galinhas da minha Maria...
E lá se foi d'zendo umas chalaças, qu' a gente dá-se bem um com o ôtro e o tempo, assim, nã custa tanto a passar.

A cabo dum pôco, já tinha ajuntado perto duma dúiza deles...
Pôs olhem, arrenjí uma bela lenhita entes da chuva a molhar, passí um um belo pôco com o mê amigo Adelino e já tinha um corcho quái chêo de bicho-barris que nã sabia o que l'e fazer.
Até que peguí neles e fui infiá-los lá num tróço velho que p'a lá 'tava, e eles lá se foram descondendo entremêo da corcha e da madêra e p'a lá f'caram a engordar mái um coisinho.
Só nã sê no qu' é qu' aqueles raios vã dar daqui a uns tempos, qu' isso ê cá nunca vi. Será nalguma barb'leta, sará numa vaca-loira ó numa carôcha quasequer?... Nã sê nem conheço ninguém que me saiba d'zer.
Se algum de vomecêas saber, é um grande favor que me faz me d'zer em que bicho é qu' eles se vã fazer a seguir.
E passem tôd's munto bem e Dés l'e dê saúde.