06 janeiro 2007

Foi-se o ano velho, chigô o ano novo

Fogo de artifício Levaram a gente a ver os fôg's de Vila Nova, aquilo foi quái mêa hora de foguetes de lágr'mas...

- Ó c'pad' Jôquim, 'tá bem que seja c'm' vomecêa 'tá d'zendo, mái atã ê cá nã vejo bem as coisas dessa manêra, o qu' é que mecêa quer?...

- Ê tamém nã no quero contradiar, mái atã, s' ê cá gosto, vô-l'e d'zer que nã gosto?...

- 'Tá bem que nã diga, mái comprenda que mecêa gosta e ê cá, béque-me, nã gosto...

- Más devia de gostar. E, olhe, já qu' ele é isso, nã há nada c'm' à gente nã se falar mái do Natal e resolve-se assim a questã...

- Agora é que vomecêa acertô. E, más a más, qu' o Natal já se foi e já chigô o Ano Bom. Até os dias já sã um coisinho maiorinhos. Nã sê se repàirô, mái já àmentaram que dá p'ra ver.

- Ora repàirí... Ê quái que levo as tardes a olhar ô sol a se pôr. Nã s' alembra daquele ditado que "do vinte dôs ô Natal, vai um passo dum pardal e do Natal ô Ano Bom, vai um passo dum boi bom"?...

- Atã nã m' alembro!... Semp' ôvi d'zer tal coisa e olhe que 'tá munto bem caçado, qu' até bate certo e é verdade.

- Cá p'ra mim, esta coisa dos dias nã serem tôd's iguás, se nã fosse pecado - Dés me perdoe, qu' Ele fez ist' assim é que lá vi' qu' havera de fazer - nã l' acho lá grande idéa. E atão, mudarem a hora desta manêra, qu', a mêa tarde, anoitêce, nem se fala...

- Ó c'pad' Jôquim, nã se estique munto com a língua, olhe que pode ser castigado... Nã é qu' ê cá goste de tal coisa - que munto bem me calhava os dias serem semp'e c'm' no verão - mái um pessoa tem q' se conformar com o que l'e 'parêce. Iss' é uma coisa que nã se dá mudado... E o que nã tem reméd'o, arremediado 'tá...

Ist' era uma conversa qu' ê cá e o mê compad' Jôquim do Barranco se 'tava a ter no dia d' ano bom à tarde, assantados ali no mê pial, panhando uma luzerna de sol que passava p'r o mê da ramaja das sobrêras, inda mê ensarampantados p'r mode se ter perdido a noite da passaja d' ano.

E já agora que désna do ano passado qu' a gente nã se via e, cá, inda se usa a falar ôs amig's, 'tejam tôd's com Dés e sejam munto bem 'par'cidos. Só l'es tenho a pedir desculpa de 'tar este dias tôd's sem l'es dar uma vaiazinha, más, olhem, isto nem sempr' é c'm' um homem quer.

Logo, qu' o Natal é um tempo desconsolado cá p' ô Parente, despôs com este desalvôro de tanta famila e tanta festa e tanto bolo e mái a passaja do ano e mái nã sê quem... uma pessoa até fica mê àguádo e nã l'e d'scorre nada de jêto da cabeça méme que s' oponha a isso.

De manêras qu', o melhor é um homem desquecer-se da internet, dar um coisinho de descanso ô comp'tador e, em passando este alv'riamento todo, aí, logo se joga, ôtra vez, a escrev'nhar mái umas patochadas.

Fogo de artifício Nesta passaja d' ano há-dem-se ter quem-mado uns belos eros im fôg's....

E atã, vô-me falar da passaja do ano que do Natal já vomecêas viram qu' ê nã 'tô munto p' aí virado.

Se fosse nôtro tempo, f'cava-se tud' im casa, vá lá que se c'messe umas fatias ó umas f'lhózes e ô chigar da mê-nôte, já se 'tava, tôd's arregalados, a dromir na nossa caminha.

Até que pr' ali par'cesse uma joldra ó ôtra a cantarem as janêras e uma pessoa tinha que s' alevantar, acender uma alenterna e, calhando a nã se ter aprecatado a trazer uma chôricinha p' ô quarto da cama, inda tinha qu' ir ô varal b'scar uma p'a dar de 'smola ôs janêrêros.

Parêce ê qu' inda 'tô a ôvi-los... Mal chigavam, pregavam uns porradõs na porta p' à famila acordar e vá:

- Canta-se ó reza-se?...

Calhando a ser já às tantas e 'tar uma pessoa num sono dremente, qualquer um acordava enzamboado que, logo assim de chofre, nem tampôco sabia o qu' havera de responder. E eles vá de tancharem mái uns cacetadõs na porta:

- Ó famila, canta-se ó reza-se?...

- Cantem lá, home, mái nã batam com tanta força qu' inda me dã p' aí cabo da porta...

E aí rompia o fole - nas joldas qu' o traziam - e o apontador com o sê vozarrão:

- Esta noite é de janêras / é de grande morcimento / por ser a nôte primêra / em que Dés passô tromento...

Os da jolda respondiam e lá iam desbobinando os versos tôd's qu' eles l'e dava na cabeça. Q'ondo qu'riam arreceber a esmola, tamém tinham uns versos ô consoante, mái ó menes assim - qu' ele havia ôtras, 'tá claro:

- Inda l'e canto más uma / em lôvor de Santa T'reza / nã l'e canto mái nenhuma / sem ver a candêa acesa...

Ora, era aí q' um homem tinha que se jogar à garrafinha da madronhêra e dar uma rodada àquele crujedo todo, parte das vezes, já escarados que mal se sustinham d' em pé. E, nesse entrementes, pegava na chôricinha e infiava com ela p'a drento da saca das esmolas q' um trazia às costas - quái sempre, o que sabia cantar mái mal.

Lá agradeciam, os mái g'lôsos p' ali ensovacavam a ver se panhavam mái um calcesinho dela e iam bater a ôtra porta, despôs de cantarem mái umas duas ó três a agradecer:

- Quem tã boa esmola deu / dada p'r tã boa mão / Dés quêra que vá p' ô céu / ô colo de S. João...

Mái nã cudem, q'ondo ê cá era moç'-pequeno, aquil' era um correpio que, certos anos, já o sol 'tava a romper e inda eles andavam a bater às portas de cada um... Verdade se diga, ê cá tamém inda chiguí a ir e fazia o méme qu' os ôtros. Era a noite toda no pagode...

E, em vindo umas duas ó três à méma casa, já nã tinham preciso d' acordar a famila qu' eles já 'tavam era com uma espertina marafada que nã davam dromido nada de jêto tod' à nôte...

Fogo de artifício Mái bonito qu' estes fôg's, só ôvir cantar as janêras p'r uma joldra bem insaiada, c'm' se fazia nôt's tempos....

Mái, voltando à passaja deste ano, isto agora já nã há quem fique im casa... Vai tudo p' à ratôiça.

Uns p'a sitos adonde fazem méme passajas d' ano - mecêas sabem isso melhor qu' ê cá - ôtr's comem numa casa qualquer que faça decomeres e, lá p'r essas onze horas, onze e tal, vai tudo p' à rua, adonde haja uns fôg's e uns cantoríos - quái semp'e uns estapôres daqueles que fazem um barulho duma tal manêra com as sus gradessíss'mas aparelhajas qu' ê nã dô falado nada com o mê compad' Jôquim. É que se pode d'zer qu' a gente nã se dá ôvisto um ô ôtro...

Pôs, foi o que se dé, mês belos amigos. O Zé Manel carregô com a gente p'a Vila Nova - des que sabia dum sito adonde se c'mia mái ó menes e im conta - e lá se foi incher uma bazelgada do qu' eles p'a lá apresentaram.

'Tá bom de ver qu ' aquilo foi c'mer até mái não, que tanto pagava o que c'messe munto c'm' o que c'messe pôco, e, tã penas o v'nhito c'm'çô a chigar à cabeça, calem-se aí!, aquilo era um ôrío naquele restàrante qu' até metia medo...

A minha Maria fugi-me lá p' ô ôt' canto da mesa p' ô pé das amigas dela. D' ora im q'onto, lá alevantava a mão e fazia-me adés. Foi uma coisa bem pensada, sa senhora, qu' ê assim f'quí à rés do mê compad' Jôquim e d' ôtr's amigos que tamém foram com a gente.

O pior é qu' o Zé Manel - munto cão - f'cô na nossa frente e era só qualquer um se descudar a olhar p' ô v'zinho do lado, ele, munto desapercebido, inchia-l'e logo o copo de vinho quái a té estibornar.

Punhana!... Aquilo q'ondo chigô a altura d' a gente s' alevantar p'a s' ir imbora, havia menino qu' as nalgas l'e pesavam bem munto mái do que 'tava à contar. Ê cáalomêo quem foi, mái hôve um que só se dé posto d' em pé à fim de duns três fiaços...

É que, méme quái ô fim, o dono lá daquilo inda prantô uma garrafinha d' aguardente na mesa, p' a quem qu'sesse provar da dele. Ora quem é que nã gosta de provar a madronhêra dum amigo? Más a más, dada assim de tã boa mente... Qu' inda nã se tinha pagado a conta...

E olhe que nã era das mái ruins... 'Tava já um coisinho baptizada, mái aquilo há-de ter sido só uma pinguinha d' água p'a l'e baxar a força. Qu' ela, méme assim, calhando, inda tinha os sês dezanove degraus, p'a dezanove e mêo.

Fogo de artifício Eles tiçavam foguetes de lágr'mas e a gente, inq'onto s' olhava, bobia-se uns calcesinhos dela...

Mái nã cudem qu' ê cá e o mê compad' Jôquim se vinha desaprecatados... Qual o quem!... Entes de s' abalar de casa, combinô-se logo qual era o que trazia uma garrafinha dela, pequenalha que fosse, p' à gente molhar o bico q' ondo se t'vesse a boca seca. E, desta vez, calhô-l'e a ele.

De manêras qu' o homem, lá arrenjô uma garrafinha daquelas pequenalhas de plástico da água de Monchique - aquil' é coisa p'a levar uns três mêcôrtilhos, pert' ó certo - e inché-a bem, até ô gargalo, dum madronho qu' ele tem além num garrafanito de verga, d' há uns dôs anos, qu' aquilo é uma especialidade. Tapa os vinte e mêo, tenho a certeza. E g'stosa qu' ela é...

Ora, naquele mê tempo qu' a gente esperava a mêa-nôte p'a c'm'çarem os fôg's, bem se viu aquele gentío todo que lá 'tava - isto já na rua, à rés do rio - jogados a umas garrafas daquelas que têm uma bobida estrangêra que, ô abrir, dá um barrano, salta a rolha e derrama-se quái uma àmetade p' ô chão...

Mái a gente os dôs nã se 'tá ac'st'mados àquilo, qu' até pica na língua, faz espuma e, com l'cença da palavra, faz alembrar mái mijo de burro qu' ôtra coisa, atão jogamos-se à nossa garrafinha e vá c'pinho a mim c'pinho a ti. Qu' o frio tamém pertava um belo coisinho...

Naquilo, dá a mêa-nôte, desata tudo num lanedo, os foguetes de lágr'mas a alumiar o astro quái c'm' de dia, a famila toda, de copo na mão, a s' abraçar, olhem, um cagaçal qu' era uma bruteza...

Vai o mê c'pad' Jôquim, já entradote, chega ô pé da m'lher dele, a minha c'madre C'stóida:

- Atã, C'stóida, já dêxaste sair o ôtro? Agora vê lá se dêxas antrar...

- Parvo!... Já 'tás más é a passar da conta com o que bobeste... Nã vês qu' a famila inda ôve essas parvoêras e é uma vergonha?...

- ... o ano novo bem... Era o qu' ê cá 'tava a qu'rer d'zer, m'lher...

E a charola lá foi durando noite fora. Só os fôg's, nã l' olhí bem ô relójo, mái aquilo foi coisa p'a perto de mêa hora. E uns bras'lêros a cantar - qu' é coisa que nã se vê p'r 'í munto... - foi até às tantas. Qu' a gente inda se vêo imbora e eles p'ra lá f'caram a batucar...

Ô certo, ô certo, é que, q'ondo o Zé Manel foi pôr a gente im casa, já tinham batido as quat'o da manhã. A minha Maria e a C'mad' C'stóida, tôd' ô caminho dromiram qu' até roncavam.

Ê cá e o c'pad' Jôquim p' ali se vêo falocando um com o ôtro, p' ô Zé Manel nã se dêxar dromir tamém e nã prantar com a gente dalguma barrêra abaxo. Mái atão, ele ia no banco da frente, ê d'zia-l'e alhos, ele respondia-me b'galhos, ele prècurava-me nã sê o quem ê nã sabia o que l' havera de responder...

E o Zé Manel desmanchava-se a rir. Aquilo é qu' ele, d' ora im q'onto, dava umas carcachadas méme de gosto...

E, assim, se chigô a casa, tudo im bem, mái bem munto desmarridos... É qu' aquilo nã eram horas da gente se dêtar, eram era as horas qu' a gente usava a s' alevantar q'ondo se tinha qu' ir desfolhar milho ó acêfar trigo e acartá-lo p' à êra.

Ora dêtando-se uma pessoa àquelas horas, c'm' é que nã s' havera de 'tar os dôs dados, ali assantados no pial... O mê compadre até, béque-me, tinha cá umas ôlhêras que mal dava abrido os olhos...

Atã e vomecêas, que tal passaram do ôtro p'ra este? Falam pr' í qu' este 'tá-se a ajêtar p'a nã ser grande coisa, más ê cá nã gosto d' acarditar im tudo o que dizem e, atão, désna que tenha saúde e o d'nhêrinho nã me falte dum todo, já fico sast'fêto.

Olhem, tenham tudo o que vomecêas quêram de bom, que nã tenho precisão de 'tar a d'zer qu' é isto e más isto e más aquilo... E méme que quasequer coisa nã l'es calhe munto bem, nã s' apequentem com isso qu' a seguir ô má-tempo vem semp'e um dia soàlhêro.

E já agora, qu' inda nã seja este ano qu' a passarada apegue p' aí a plèmónica à gente, a ver s' eles inda vã a tempo de fazer p' aí umas bacinas a tempo de nã se panhar aquela gripe marafada.

E olhem que de paz e sossego nã sê o que l'es diga... Im mái novo, semp'e cudí qu' as guerras acabavam no séc'lo XX - ond' é qu' ele já lá vai... - a fome des'parcia, toda a famila ia aprender a ler e a escrever e até os padres haviam de c'meçar a casar.

Que tal acham a parvidade do animal?... Até o mê Jericó, méme sendo burro, via logo qu' isso nã ia ser assim. E, p'r o jêto, inda agora a pr'cissão vai no adro... qu' as coisas im lugar d' andarem p'ra diante, andam màs é p'a trás.

Mês belos amig's, Dés l'es dê um bom 2007 a tôd's...

Brinde a 2007

7 comentários:

  1. Ai Parente, vomecêa dá-me cabo do coração. Já não bastam as saudades permanentes que tenho dessas gentes, desse falar ... (e do presunto do Água da Sola, que béqueme já foi melhor)
    Todos os anos nas férias costumo ir fazer a minha sardinhadazinha em casa duns amigos no Zebro, na é que agora quase todos os dias me lembro do Zebro? Da próxima vou à Refóias, ai vou vou!
    Dés le di munta saúde e mái a su Maria e tenham um Bom Ano.

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  2. Brindo ao mesmo, que todos aqueles que visitam aqui o seu acolhedor espaço, onde deixam as suas mensagens de amor e saudade de Monchique, tenham um excelente ano!!

    Muito especialmente, a si e à sua querida Maria, espero que este ano vos proporcione tudo do melhor, e que continuem a partilhar connosco a riqueza dos lugares e das tradições dessa magnífica terra. Já têm um canto especial no meu coração ;)

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  3. Obrigada, amigo! Para ti e os teus também desejo um bom 2007 com muitas coisas boas para viver e contar. Um abraço

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  4. O parente vem para baixo assistir ao fogo. Eu um dia irei para a Fóia assistir aos fogos de passagem de ano.Se continuarem a ter dinheiro para isso. O que me parece improvavel.

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  5. Um BOM ANO também para si e para a sua Maria, e para todos os que por aqui passam!
    Já tinha saudades de "o ler"!
    Olhe, nós este ano ficámos mesmo por casa, porque a 'Zabelinha ainda é mt pequena para andar no laré! Mas fizemos cá a festa e também foi divertido! A princesinha passou a meia-noite a dormir!
    Este fim-de-semana estivemos aí à sua beira (como amantes dos rallys não podiamos faltar!)! Na 6ªfeira mal chegámos, ouvimos cantar os reis, quer no restaurante quer em casa (tantos grupos a cantar no Largo dos Chorões) e ontem, fomos espreitar alguns jipes a passar ali a seguir ao Alferce! Olhe, a 'Zabel foi experimentar o magnífico ar da serra, já que tivemos de andar um belo bocadinho a pé, e estrear-se nestas andanças do desporto automóvel! Estava um dia magnífico! fiquei muito orgulhosa das belas imagens da NOSSA serra que correm por este mundo fora!! Será que o compadre também foi pôr o olhinho ao Dakar??
    Beijinhos!!
    Carla e Isabel(a dormir ao colo da mãe)

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  6. olhe, amigo kuka, o parente não desceu para ver os fogos..., que ele "drome" bem perto donde os tiçaram.
    Ele anda a endrominá-los a todos, pois não narceu nem veve cá na serra de Monchique.

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  7. M't'ôbrigado a tôd's.
    Tareca, Ana Pinto, Ana Ramon, Kuka, vomecês sã do melhor que pode haver. Dés l'e pague.

    Com respêto à pessoa anónima, que, desafortunadamente, conheço muntíss'mo bem - os sês dados f'caram resistados no contador de v'sitas - aqui l'e dêxo uns versos do grande António Aleixo:

    P'rá mentira ser segura
    E atingir profundidade
    Tem que trazer à mistura
    qualquer coisa de verdade

    Mentes, mas nem faço caso
    Das piadas que me atiras
    porque no mundo há espaço
    P'ra biliões de mentiras

    Já esperava essa tolice
    Da tua "sabedoria"
    O que dirias se eu risse
    Dessa conversa vazia?...

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Obrigado por visitar e comentar "O Parente da Refóias"