A pé, nã é qualquer um que dá chigado a Santiago...
Já fez um ano, nã sê s' inda 'tão lembrados, fiz uma viaja com uns amigos e foi-se parar bem a Santiago de Compostela. E ê gostí daquilo ô bem fêto. Lá isso gostí.
E, nessa ocasião, vi lá chigar um casalinho, cada qual com o sê bordanito na mão, um chapelinho d' aba larga pindurado ô bescoço com um elástico e, ôs ombros, duas m'chilas qu' eram quái do tamanho deles.
Sube, despôs, qu' eles tinham andado a pé mái de cinquenta léguas, debaxo de bom e má tempo, com aquela trôxa toda às costas e a dromir sabe Dés adonde. Mái nunca mái me desqueceu da cara qu' eles fazeram tã penas entraram na Praça do Obradoiro e deram de frente com a Catedral de Santiago...
Atã e nã é qu' aquilo me f'cô cá a dar voltas ô miolo?... Más é que f'cô mémo... E, passados uns tempos, 'tava p' ali a minha Maria a despelar umas batatas p' ô jantar e ê cá a retraçar uma abób'ra p'a masturar com farelos e dar à Cochina, salto p'ra ela:
- Ó Maria, atão e s' a gente fosse uma vez a Santiago nas condiçõs daquele casalinho qu' a gente vi lá?...
- Qual casalinho? Que conversa é essa?!...
- Nã t' alembras q'ondo se 'tava lá im Santiago?...
- Ó homem de Dés, cala-te pr' aí com isso... Atã alguma vez ê cá dava andado assim uma lonjura dessas?!... Tomara ê cá dar ido p' aí à missa tôd's D'mingos...
Vi logo que dali nã levava nada. Mái nã me desem-maginí... Pus-me a matinar, a matinar e lembrí-me do mê compadre Jôquim do Barranco e mái uns q'ontos amigos bons, cudando qu' os desafiava e algum havera d' ir nisso.
Qual o quem?!... Munto inganado 'tava, mês belos amigos... Nem hôve um, tampôco p' à amostra, que me t'vesse fêto uma conversa bonita, p'r mái que nã fosse, d' ir pensar no caso. Todos d'zeram logo que nã, "nem pensar nisso!..."
De manêras que, ontordia, pus-me a olhar à folhinha a ver o qu' é qu' eles davam de tempo p'a este mês e nã é que aibro aquilo logo no dia de Santiago... Lá me vêo, ôtra vez, aquela enfluêinça, mái duma tal manêra que nã me dô livrado dela...
E agora, o qu' é qu' ê faço?... Olhem, inda nã sê bem, mái se nã me pôrem a vista im cima aí p'r umas duas semanas, coisa assim, é qu' abalí à pata p'r o Caminho Português de Santiago.
Chapéu, bordão e mochila já ê cá tenho, agora inda nã sê é adonde arrenjar uma viêra destas...
Qu' ê cá, atão, já tenho a trôxa toda im condiçõs. Um chapéu d' aba larga, uma m'chila e um bordanito qu' ê fiz duma vara de castanho, que dá semp'e jêto p'a uma pessoa s' enqu'librar.
Inda andí a matinar a ver se dava levado o mê Jericó com-migo - já que mái ninguém se resolvé a ir - qu' ele semp'e m' ajudava a carregar com a trugia às costas - méme velho, mê belo burrinho... - e a minha canita Brableta que dá uma bela companha, mái atão aquilo abala-se do Porto, c'm' é qu' ê os panho lá?...
Na carrêra, 'tá bem à vista que nã pode ser, e, no comboio, já mandí prècurar, des que tamém já nã fazem esse serviço p'a burros, só me dispensam b'lhete p'ra mim, e bem caro... E a canita tinha d' ir drento duma gaiola e 'tar bacinada e nã sê quem, nã sê quem...
Ora, já se vê que, a qu'rer abalar, tarê qu' ir sòzinho. Nã é lá grande idéa, mái atão...
Tamém, méme que vá, é d' adregue m' aguentar p'r aqueles caminhos, qu' ê cá, um destes dias, dí aqui um jêto a uma perna e, agora, ando p'r aqui com uma moínha num joelho que nã 'tô lá munto sast'fêto com isto.
A minha Maria já me dé aqui umas esfregas, uma preção de vezes, com uma pomada qu' ela comprô ali à dos chineses, coisa assim béque-me c'm' à banha da cobra qu' usava a par'cer na fêra de Monchique, mái munto mái fedorenta, e nã me servi de nada.
Ela bem que esfegrô e mái que esfregô, e, a seguir inrolô-me o joelho com um trapo qu' ela fez com uma perna dumas ciroilas velhas que p ' ali tinha, mái, é c'm' l'es digo, nã valé de nada!...
Agora o chêro... Esse sim. Impestô a casa duma tal manêra que nem as moscas cá dã antrado... E uma noite destas, tive qu' abalar da cama e ir dromir ali p'a debaxo da arramada. Semp'e o fador nã é tã ruim... Vá lá qu' ele é Verão e nã faz frio...
E agora 'tô num enrascanço que nã sê o que faça. S' abale, se nã abale. S' abalo, calhando, ô fim dum dia ó dôs, arrelo. Se nã abalo, fico sem saber se lá dava chigado ó não. E ê cá que nã gosto nada de vacas incoiradas... Olhem, s' ir, vô, se nã ir, nã vô. S' arrèlar, arrelo, se nã arrèlar, chego lá... E pronto.
É passem munto bem, qu' ê logo l'es conto c'm' é qu' a coisa se passô.
Quer-me cá parecer que a malvada moinha no joelho não vai ser impedimento... Sente-se bem a grande vontade que o compadre tem de pôr os pés ao caminho! A sua Maria está mesmo irredutível??... Espero que a consiga convencer e que seja uma jornada inesquecível!
ResponderEliminarMuitos beijinhos aos dois!
Só lhe posso desejar a melhor sorte do mundo, e que tudo corra como o meu amigo ambicionar. O joelho é que pode dar problemas, mas tudo se há-de resolver. Faça
ResponderEliminaruma boa viagem e traga notícias bonitas para nos poder deliciar.
Meu caro Parente
ResponderEliminarEspero que tenha um bom passeio e que essa coisa do joelho seja passageira. Posso dar-lhe uma mezinha. Em vez de por dessa pomada chinesa, ponha pomada de zinco espanhola, que é bem boa. Vai ver qua não é preciso andar com as ceroilas penduradas.
Agora como dizia um homem de fora, que trabalhou muitos anos na minha terra, uma vez que se viu perdido nas encruzilhadas da serra:
"Havia caminhos por todo o lado, até la deve estar o de Santiago."
A igreja de Santiago é bem bonita mas não tem "comparança" com uma que o meu amigo mostrou num dos seus posts la para trás, a de Toulões.
Um abraço e boas férias.
Fiquem-se com Dés, mês belos amigos!...
ResponderEliminarUltreia! Et sus eia!
Passei por aqui e lá dei de caras com essa azáfama de aprontar a trouxa para a viagem. Não tenho outro remédio senão ficar à espera do regresso, das histórias e das fotos :)))
ResponderEliminarQue sejam umas boas férias e as melhoras do joelho.
Um beijinho grande
Fico aguada nos olhos quando passo tempo sem vir aqui. E "ougada" agora por não arranjar assim uns quantos e ir por aí, um dia, dois, ou horas se me cansasse muito... Penso que esse caminho é poesia, é entrar dentro de nós, é intimidade com a serra e a terra. Não sou caminheira nem crente. Mas muito me comovem essas brandas por aí fora que dizem "caminho de Santiago"... Abraços cá de cima!
ResponderEliminarOlá!
ResponderEliminarNão me conheces, mas conheces a minha mãe e tia, que foram tuas companheiras de peregrinação até Santiago de Compostela.
A propósito, a minha mãe manda-te beijinhos e sim, já estivemos a deitar um olhinho às primeiras fotos que tu gentilmente cedeste e que me permitiram a mim matar saudades de muitas pessoas.
Se quiseres entrar em contacto com a minha mãe podes fazê-lo através do email: m.paula.brito@hotmail.com
Beijinhos e esperamos ansiosamente que edites o resto das etapas.