11 julho 2007

Calhando, vô-me Caminho de Santiago

Catedral de Santiago de Compostela
A pé, nã é qualquer um que dá chigado a Santiago...

Já fez um ano, nã sê s' inda 'tão lembrados, fiz uma viaja com uns amigos e foi-se parar bem a Santiago de Compostela. E ê gostí daquilo ô bem fêto. Lá isso gostí.

E, nessa ocasião, vi lá chigar um casalinho, cada qual com o sê bordanito na mão, um chapelinho d' aba larga pindurado ô bescoço com um elástico e, ôs ombros, duas m'chilas qu' eram quái do tamanho deles.

Sube, despôs, qu' eles tinham andado a pé mái de cinquenta léguas, debaxo de bom e má tempo, com aquela trôxa toda às costas e a dromir sabe Dés adonde. Mái nunca mái me desqueceu da cara qu' eles fazeram tã penas entraram na Praça do Obradoiro e deram de frente com a Catedral de Santiago...

Atã e nã é qu' aquilo me f'cô cá a dar voltas ô miolo?... Más é que f'cô mémo... E, passados uns tempos, 'tava p' ali a minha Maria a despelar umas batatas p' ô jantar e ê cá a retraçar uma abób'ra p'a masturar com farelos e dar à Cochina, salto p'ra ela:

- Ó Maria, atão e s' a gente fosse uma vez a Santiago nas condiçõs daquele casalinho qu' a gente vi lá?...

- Qual casalinho? Que conversa é essa?!...

- Nã t' alembras q'ondo se 'tava lá im Santiago?...

- Ó homem de Dés, cala-te pr' aí com isso... Atã alguma vez ê cá dava andado assim uma lonjura dessas?!... Tomara ê cá dar ido p' aí à missa tôd's D'mingos...

Vi logo que dali nã levava nada. Mái nã me desem-maginí... Pus-me a matinar, a matinar e lembrí-me do mê compadre Jôquim do Barranco e mái uns q'ontos amigos bons, cudando qu' os desafiava e algum havera d' ir nisso.

Qual o quem?!... Munto inganado 'tava, mês belos amigos... Nem hôve um, tampôco p' à amostra, que me t'vesse fêto uma conversa bonita, p'r mái que nã fosse, d' ir pensar no caso. Todos d'zeram logo que nã, "nem pensar nisso!..."

De manêras que, ontordia, pus-me a olhar à folhinha a ver o qu' é qu' eles davam de tempo p'a este mês e nã é que aibro aquilo logo no dia de Santiago... Lá me vêo, ôtra vez, aquela enfluêinça, mái duma tal manêra que nã me dô livrado dela...

E agora, o qu' é qu' ê faço?... Olhem, inda nã sê bem, mái se nã me pôrem a vista im cima aí p'r umas duas semanas, coisa assim, é qu' abalí à pata p'r o Caminho Português de Santiago.

Bordão de Peregrino de SantiagoEquipamento de Peregrino de Santiago
Chapéu, bordão e mochila já ê cá tenho, agora inda nã sê é adonde arrenjar uma viêra destas...

Qu' ê cá, atão, já tenho a trôxa toda im condiçõs. Um chapéu d' aba larga, uma m'chila e um bordanito qu' ê fiz duma vara de castanho, que dá semp'e jêto p'a uma pessoa s' enqu'librar.

Inda andí a matinar a ver se dava levado o mê Jericó com-migo - já que mái ninguém se resolvé a ir - qu' ele semp'e m' ajudava a carregar com a trugia às costas - méme velho, mê belo burrinho... - e a minha canita Brableta que dá uma bela companha, mái atão aquilo abala-se do Porto, c'm' é qu' ê os panho lá?...

Na carrêra, 'tá bem à vista que nã pode ser, e, no comboio, já mandí prècurar, des que tamém já nã fazem esse serviço p'a burros, só me dispensam b'lhete p'ra mim, e bem caro... E a canita tinha d' ir drento duma gaiola e 'tar bacinada e nã sê quem, nã sê quem...

Ora, já se vê que, a qu'rer abalar, tarê qu' ir sòzinho. Nã é lá grande idéa, mái atão...

Tamém, méme que vá, é d' adregue m' aguentar p'r aqueles caminhos, qu' ê cá, um destes dias, dí aqui um jêto a uma perna e, agora, ando p'r aqui com uma moínha num joelho que nã 'tô lá munto sast'fêto com isto.

A minha Maria já me dé aqui umas esfregas, uma preção de vezes, com uma pomada qu' ela comprô ali à dos chineses, coisa assim béque-me c'm' à banha da cobra qu' usava a par'cer na fêra de Monchique, mái munto mái fedorenta, e nã me servi de nada.

Ela bem que esfegrô e mái que esfregô, e, a seguir inrolô-me o joelho com um trapo qu' ela fez com uma perna dumas ciroilas velhas que p ' ali tinha, mái, é c'm' l'es digo, nã valé de nada!...

Agora o chêro... Esse sim. Impestô a casa duma tal manêra que nem as moscas cá dã antrado... E uma noite destas, tive qu' abalar da cama e ir dromir ali p'a debaxo da arramada. Semp'e o fador nã é tã ruim... Vá lá qu' ele é Verão e nã faz frio...

E agora 'tô num enrascanço que nã sê o que faça. S' abale, se nã abale. S' abalo, calhando, ô fim dum dia ó dôs, arrelo. Se nã abalo, fico sem saber se lá dava chigado ó não. E ê cá que nã gosto nada de vacas incoiradas... Olhem, s' ir, vô, se nã ir, nã vô. S' arrèlar, arrelo, se nã arrèlar, chego lá... E pronto.

É passem munto bem, qu' ê logo l'es conto c'm' é qu' a coisa se passô.

7 comentários:

  1. Quer-me cá parecer que a malvada moinha no joelho não vai ser impedimento... Sente-se bem a grande vontade que o compadre tem de pôr os pés ao caminho! A sua Maria está mesmo irredutível??... Espero que a consiga convencer e que seja uma jornada inesquecível!
    Muitos beijinhos aos dois!

    ResponderEliminar
  2. Só lhe posso desejar a melhor sorte do mundo, e que tudo corra como o meu amigo ambicionar. O joelho é que pode dar problemas, mas tudo se há-de resolver. Faça
    uma boa viagem e traga notícias bonitas para nos poder deliciar.

    ResponderEliminar
  3. Meu caro Parente

    Espero que tenha um bom passeio e que essa coisa do joelho seja passageira. Posso dar-lhe uma mezinha. Em vez de por dessa pomada chinesa, ponha pomada de zinco espanhola, que é bem boa. Vai ver qua não é preciso andar com as ceroilas penduradas.

    Agora como dizia um homem de fora, que trabalhou muitos anos na minha terra, uma vez que se viu perdido nas encruzilhadas da serra:
    "Havia caminhos por todo o lado, até la deve estar o de Santiago."

    A igreja de Santiago é bem bonita mas não tem "comparança" com uma que o meu amigo mostrou num dos seus posts la para trás, a de Toulões.

    Um abraço e boas férias.

    ResponderEliminar
  4. Fiquem-se com Dés, mês belos amigos!...
    Ultreia! Et sus eia!

    ResponderEliminar
  5. Passei por aqui e lá dei de caras com essa azáfama de aprontar a trouxa para a viagem. Não tenho outro remédio senão ficar à espera do regresso, das histórias e das fotos :)))
    Que sejam umas boas férias e as melhoras do joelho.
    Um beijinho grande

    ResponderEliminar
  6. Fico aguada nos olhos quando passo tempo sem vir aqui. E "ougada" agora por não arranjar assim uns quantos e ir por aí, um dia, dois, ou horas se me cansasse muito... Penso que esse caminho é poesia, é entrar dentro de nós, é intimidade com a serra e a terra. Não sou caminheira nem crente. Mas muito me comovem essas brandas por aí fora que dizem "caminho de Santiago"... Abraços cá de cima!

    ResponderEliminar
  7. Olá!
    Não me conheces, mas conheces a minha mãe e tia, que foram tuas companheiras de peregrinação até Santiago de Compostela.
    A propósito, a minha mãe manda-te beijinhos e sim, já estivemos a deitar um olhinho às primeiras fotos que tu gentilmente cedeste e que me permitiram a mim matar saudades de muitas pessoas.
    Se quiseres entrar em contacto com a minha mãe podes fazê-lo através do email: m.paula.brito@hotmail.com
    Beijinhos e esperamos ansiosamente que edites o resto das etapas.

    ResponderEliminar

Obrigado por visitar e comentar "O Parente da Refóias"