26 julho 2007

E sempre fui a Santiago...

Simbolos indicadores do Caminho de Santiago
Se nã fossem estes setas quem é que dava lá chigado, senhor?!... Ê cá nã dava, que nã sabia o caminho...

Andí, andí, semp'e me pus a caminho de Santiago. E já cá 'tô de volta. E, já agora, 'tejam com Dés, que falar ôs amigos tamém se usa...

Cudava ê cá qu' aquilo era c'm' ir daqui à Vila e voltar e nã tinha nada que se l'e d'ssesse. Pôs, mês belos amigos, mal sabia ê cá nos trabalhos que me 'tava a meter...

Côxo c'mo ia dum joelho, caminhos ruins assim c'm' quem vai à Fóia ó à Picota quái só p'r incurtadoiros, tôd's dias ter qu' andar uma lonjura daquelas - olhem que parte deles era mái qu' ir daqui a Vila Nova... sês, sete léguas, p'a nã d'zer oito - é dum homem se ver im traquetes, más ô bem fêto...

Tinha, atão, uma coisa boa - uma não, uma preçanada delas, mái esta é a pr'mêra... Era que s' andava grande parte do caminho p'r v'redas no mê do mato e do alvoredo, com uma fresquidão qu' era um consolo. Muntas das vezes, passava-se horas que nem tampôco se via estradas alcatroadas nem se panhava com o barulho dos carros.

P' à gente nã s' inganar, lá 'tava semp'e uma seta amarela im tôd's os cruzamentos, ó, atão, na parte de Espanha, uma viêra desenhada com as pontas voltadas p'a donde era o caminho certo. Nã tinha nada qu' inganar. Mái, só aqui pr' à gente, inda m' acabedô andar um belo pôco e, despôs, ter de voltar p'a trás...

Dec'merzinho nã faltava, qu' iam lá umas senhoras que sabiam-no fazer quái tã bem c'm' à minha Maria, p'a nã d'zer melhor, - qu' ela nã foi, mecêas sabem disso... - e à farta, que ninguém passava fome. Só quem fosse munto bicoso...

Em uma pessoa 'tando mái inrrascado com dores nalgum lado ó calhando a fazer mêa-dúiza de borrefas nos pés, vinham logo umas senhoras inf'rmêras - mái à chigada que no caminho - e tratavam daquilo munto melhor que s' uma pessoa fossse ali ô hospital, às urgências...

Olhem, ê cá nã me quero fazer nem mái nem menes qu' os ôtros, mái nã 'tarê atribuído se d'zer qu' elas nã tinham melhor freguês. Aquilo era tôd's dias à abalada e à chigada, lá 'tava de roda delas. E méme a mê do dia, lá p'r aqueles charazes, tamém se dé o caso de terem que me vir inrolar p' ali uns trapos no joelho...

Mái tamém l'es digo: pessoas boas c'm' àquelas, inda nunca vi... Eram do Corpo de Voluntáiros da Cruz de Malta. E 'tejam certos duma coisa, qu' ê cá disso tenho a firme certeza. Se chigado ô fim, foi premode elas. Dés l'e pague a todas.

A Compostela
Deram-me lá este diploma. É mái bonito qu' o qu' arrecebi na escola de S. Roque, q'ondo fiz a quarta classe. E em latim...

Em chigando a Santiago de Compostela, fui lá a um escritóiro - ch'mavam-l'e eles Oficina do Peregrino, mái nã vi lá farramenta nenhuma a nã ser canetas e folhas de papel... - que des que davam lá um diploma ôs que t'vessem chigado ô fim da viaja.

Más aquilo tinha-se qu' amostrar o b'lhete d' identidade e mái nã sê quem e ê cá quái que nã dava panhado nada do qu' o homem que lá 'tava p'r trás do balcão me d'zia. É qu' ele falava p'a lá uma espanholada qu' era uma coisa temente. E depressa...

Mái, verdade se diga, q'ondo o homem viu qu' ê cá 'tava ali espècado, calhando de boca aberta, a olhar p'ra ele sem intender coisíss'ma nenhuma, prècurô-me:

- Tu eres portugués?

- Sa senhora. Vinhe de Monchique e nã 'tô a intender nada do que mecêa 'tá p' aí a d'zer...

E o homenzinho - boa pessoa - lá desatô a falar um coisinho mái devagar.

- Credencial del peregrino e D.N.I.

Credencial inda vi o que era, agora D.N.I. munto sabia ê cá o qu' é qu' isso havera de ser... Mái, num derrepente, vê-me à idéa c'm' é que m' havera de desenrascar. Puxo da m'chila, aibro-l'e o fecho da alsebêra adonde tinha a papelada toda e dig'-l'e:

- Olha, tens aqui. Tira o que qu'reres. Désna que nã me leves a cartêra...

Más, nã cudem, ê vi logo qu' ele tinha cara de boa pessoa e nã m' ia fazer nenhuma parte manhosa. E assim foi. O homem tirô a Credencial de Peregrino e o b'lhete d' identidade, fez-me p' ali mái umas prècuras - queria saber o qu' é qu' ê cá fazia, o qu' é que nã fazia, q'ontos anos tinha, d' adonde é que era, im que dia tinha abalado de casa e tal, e tal...

Credencial do PeregrinoCredencial do Peregrino
P'r o caminho, tem-se qu' ir pedindo p'a pôrem carimbos neste papel. Ó, atão, chega-se lá e nã se panha a Compostela...

E p' ali desatô a escrever e a ler num livro. P'r o jêto, nã sabia lá munto bem c'm' havera de pôr o mê nome im latim e, ó m' ingano munto, ó ele andô lá à prècura disso.

Nesse mê tempo, pôs-se a falar com-migo - umas ê panhava, ôtras nã intendia nada... Mái lá me dexplicô que tinha qu' olhar bem ôs carimbos dos sitos adonde ê cá tinha passado a ver s' era verdade qu' ê tinha andado aquela lonjura toda a pé.

Ora, s' ê cá nã t'vesse ido a pé, tamém nã ia p' ali indròminá-lo... mái lá os chefes dele mandam assim, ele nã tem ôtro remédo. O homem, 'tá bom de ver, nã tem culpa nenhuma disso...

Agora, vejam lá bem s' ê calho a nã ligar àquilo e a nã pedir p'a me pôrem os carimbos naquelas vendas adonde a gente ia bober umas cervejalhas ó uns calcesinhos de vinho lá do deles - d'zer a verdade, é um coisinho p' ô fraco que nã tem mái duns sete ó oito degraus. Mái rafresca... Vá lá qu' ê via os ôtros e fazia c'mo eles, apresentava tamém a minha Credencial de Peregrino. Cudando qu' aquilo era p'r graça...

Atã, q'ondo lá irem, nã se descudem. Cada sito qu' apararem, peçam p'a pôr um carimbo na Credencial.

E, q'ondo dí por isso, já o homenzinho me 'tava a passar a Compostela p' às mãs.

Olhí bem p' ô papel e digo p'ra mim:

- Punhana!... Custô mái foi...

E fiquem sabendo que, nos pr'mêros dias, nunca pensí de dar lá chigado. Atã, andava com uma perna que nem na dobrava... Mái volto-me p' ô homem:

- M't' ôbrigado, m't' agradecido, Nosso Senhor é que l' há-de pagar... E, já agora, despense-me lá ali um canudo daqueles...

- Canudo?!..

- Sa senhora, aquilo ali p'a pôr o papel lá drento todo bem inroladinho...

- Ah, um tubo... Le custa un euro...

- 'Tá bem, mê belo amigo, aqui o tem... E tenha munta saúde.

E lá abalí, todo inchado, de canudo na mão, ramoendo cá p'ra mim qu' agora já ninguém me podia d'zer qu' ê nã tinha fêto umas cinquenta léguas a pé, perto ó certo, do Porto a Santiago de Compostela.

E p'r 'qui me fico. Calhando, em podendo, logo l'es conto mái umas passajas que se deram durante aquele caminho todo. O Caminho Português de Santiago. Hoje foi só p'a l'es d'zer que já chiguí e saber se vomecêas 'tã todos bons.

Se qu'rerem ver alguns retratos, acalquem aqui na Galeria de Santiago, qu' ê cá vô metendo neles à medida que tenha jêto.

E até um destes dias.

6 comentários:

  1. Que espectáculo, parente!! Muitos parabéns pela façanha, tem toda a razão em estar inchado pois uma viagem dessas não é para qualquer um! Fico feliz por saber que correu tudo bem! Agora é tempo de dar um descansozinho ao joelho para ficar pronto para outra!
    Cumprimentos meus e da 'Zabelinha

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  2. Parabéns Parente pela bonita façanha que conseguiu alcançar, até o joelho com problemas, não conseguiu impedir essa enorme força de vontade de conseguir os seus objectivos. Mais vale quem quer do que quem pode. É essa enorme força de vontade que nos faz ultrapassarmos as nossas próprias limitações e essa foi, mais uma tão galhardamente conquistada. Isso só vem demonstrar que sem sacrifício, nunca conseguimos nada na vida o que está bem patenteado nas fotos que nos quis presentear. Bem-haja por nos saber dar com o seu exemplo de humildade, uma bonita lição de perseverança e querer ultrapassar as dificuldades, o que mais uma vez é demonstrado que sem força de vontade nada se consegue na vida.

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  3. Acompanhei a tua viagem quase diariamente com o meu site meter, pelas visitas que fazias ao meu blog sabia por onde andavas, uma delas foi em Espanha (aliás com esta é que tive a certeza que realmente tinhas ido a Santiago).
    Fico feliz por tudo ter corrido da melhor forma, mesmo com um joelho marafado...

    abraço

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  4. Um grande abraço Peregrino desde Ponte de Lima.
    Bom Caminho para ti Companheiro de Peregrinação.

    Ovídio Vieira

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  5. Que valentia, parente! Nem o joelho o impediu de seguir em peregrina�o.
    Imagino que seja um percurso muito duro, e ainda bem que foi contactando com pessoas generosas, ao mesmo tempo que apreciava as belas paisagens e povoa�es por onde passou. Tem todos os motivos para ostentar orgulhosamente a sua Credencial de Peregrino :)

    A galeria das fotos est� lind�ssima.

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  6. Fiquei maravilhada! Contente se levar avante a ideia.
    O Parente é d'osso duro! Abraços

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Obrigado por visitar e comentar "O Parente da Refóias"