03 janeiro 2008

As Interpelações de Américo Telo

 'Interpelações, escritos do meu sentir', de Américo Telo
Isto é a capa, dum lado e dôtro, do livro das Interpelaçõs.

não tenho nome
não tenho idade
não tenho lei
da minha existência apenas sei
que ser feliz
basta somente

... ... ...

quero um lugar
onde possa nascer todos os dias
tal como se morre
em cada desencontro de nós

Estes versos 'tã na parte de trás do livro do senhor dôtor Américo Telo e, c'm' ê cá gostí deles, puse-os aqui - só uns q'ontos, que falta o resto... - p'ra mecêas fazerem assim uma idéa do qu' aquilo possa ser.

E nã vejo melhor manêra de começar este ano falando cá de Monchique que nã seja esta de l'es d'zer que já se tem cá mái um amigo a fazer versos. E c'm' sã eles... qu' até foram parar a um livro e tudo...

E no mê disto tudo, inda tive cá uma sorte que vomecêas nã calculam. No dia qu' o livro foi amostrado a quem lá quis ir à Comparativa - aquilo que, nôtres tempos, se l'e ch'mava o Grém'o - p'a se ver e p'a, quem qu'sesse, comprá-lo, tive p' aí um governo que nã me dí safado de manêra nenhuma e, atão, nã fui. Ora, f'quí a ver navios... Nem o vi, nem o comprí.

Mái, com tanta sorte a minha, nã tardô quái dias nenhuns, incontro-me com o senhor dôtor Telo aí num certo sito. Inda mal ê nã l'e tinha falado e pedido que nã f'casse sintido com-migo pre mode de nã ter lá par'cido na tal apresentação, já ele 'tava jogado a um livro a escrevinhar uma dedicatóira cá p' ô Parente. E assim mo pôs na mão...

Com uma coisa tã de rompante, até f'quí quái insampado com aquilo... É que nã é qualquer um que l'e dã assim uma importãinça destas... Logo, inda cudí qu' o homem nã tinha nada im vir já com uma bagadinha na asa, mái ele béque-me nã usa a bober... (Nã s' inzaine com-migo lá premode isso, senhor dôtor Telo, veja lá... Aquilo foi só uma coisa que me vêo à cabeça...).

E que bem que me calhô!... É que nã foi só ter apôpado uma manchinha d' eros, foi tamém que, logo nessa méma nôte, hôve quem me d'zesse qu' os que 'tavam à venda já tinham despar'cido tôd's. E era verdade, qu' isso até já saí no Jornal de Monchique e tudo.

Pôs, só l'e tenho munto a agradecer ô senhor dôtor Américo e dar-l'e tamém um gabanço ôs versos dele que sã uma especialidade...

E dig'-l'e más, nã nos li logo tôd's d' infiada, qu' o mê compadre Jôquim do Barranco, 'tava ê cá, uma tarde destas, munto bem afincado já na tercêra ó, vá lá, na quarta lauda, chega ô pé de mim e fez-me a parte.

- Haja saúde, compad'e Refóias... Atã que livro é esse que tem aí nas mãs? Nã me diga que desta vez comprô um almanaque im vez da folhinha e 'tá a ler as nedotas deles...

- Qual almanaque, qual o quem... Isto é um livro de versos, fêto inda há bem pôco tempo, cá p'r um homem aqui da nossa Terra... Veja lá s' o conhêce...

E amostrí-le o retrato que vem na capa de trás.

 Américo Telo, lendo um poema do seu livro 'Interpelações'
O senhor dôtor Américo Telo recitando os sês versos dele...

- Ora se conheço... Q'ondo ê tinha p'a lá três destõs a render na Caxa e ia alevantar o jurinho qu' eles davam de sês im sês meses, bem no via lá, quái sempre... E tamém des qu' é um dos que manda lá na Rádio Fóia...'Té tem um irmão que faz aqueles bonecos de barro, ali na Casa da Noguêra...

- É esse mémo. Pôs olhe, aqui no livro até 'tão dôs ó três retratos desses bonecos do irmão... E olhe que um a fazer bonecos de barro e ôtro a fazer versos, nã sê qual é o que tira a palhinha ô ôtro... Têm uma queda p' ô que fazem, que só visto...

- Atão, já qu' ele é isso, mecêa havera de m' imprestar aí o livrinho p'a ê cá ler, que já sabe qu' ê gosto munto duns versos bem fêtos. Trazia-l'o logo amanhã...

- Mái s' ê inda mal o comecí a ler...

- Logo lê o resto, mê belo amigo... Já sabe, ê cá pelo-me p'r ler versos...

Inda 'tive quái p'a l'e d'zer que, em ê o lendo todo, logo l'o imprestava, mái c'm' o homem gosta munto daquilo e ê, tamém, já me 'tava a correr água dos olhos de tanto ler...

- Olhe, leve-o lá... Mái, amanhã, quero-o aqui, nã se esqueça.

O homem assim se despediu e abalô que nem uma fita. E, d'zer a verdade, no dia a seguir, nã faltô. Trazi-ô até munto bem imbrulhadinho num pedaço de papel de jornal p'a nã se labuçar.

- É Compad'e Jôquim, nã me diga que já lé isso tudo, assim tã depressa?!... Ê tinha-l'e dito p' ô trazer hoje, mái tamém nã era assim uma sangria desatada...

- Eh'q, p'a ser franco, ler todo nã li...

- Ó home, atã, leve isso ôtra vez e lêa logo tudo... Tem algum jêto f'car, agora, assim com o serviço im mê fazer?!...

- Nã é isso compad'e Refóias... É qu' ê cá pus-me a ler, a ler, e 'tava a gostar mái ó menes, mái chiguí a um certo ponto nã intendia nada daquilo. Era umas palavras qu' ê inda nunca tinha visto...

- Tamém, com o tempo qu' a gente andô os dôs na escola paga, nã é preciso eles p' aí s' adiantarem munto na escrita p'a um homem nã intender nada daquilo...

- Inda tamém nã é bem isso... É qu' aquilo era umas palavras qu' ê nem tampôco as dava soletrado... Era inglês!... Foi o mê Zé Manel qu', à nôte q'ondo chigô, é que me disse...

- Essa é qu' ê cá nã sabia!... Atã tem versos im português e tamém im estrangêro?!...

- Tal e qual!...

- O homem tem que saber munto... S' ele, im português, já nã é qualquer um qu' os faz, q'onto mái im estrangêro...

- E hã-de 'tar lá das boas... Qu' o mê Zé Manel lé aquilo alto, ê cá f'quí na méma, nã percebi coisíssema nenhuma, más ele inché bem o papinho de rir... Nestas ocasiõs é qu' era um homem tamém saber falar inglês...

- Atã e a gente nã se l'e podia pedir p'ô sê Zé Manel passar aquilo p'a português de manêra qu' a gente intendesse?...

- Isso l'e pedi ê cá, logo ontem à nôte... más ele des qu' os versos, passando duma língua p'à ôtra, que nã têm graça ...

- Olha que essa!...

Américo Telo, poeta monchiqueiro
É qu' o homem, vê-se logo, tem méme estilo de quem faz versos. Vejam lá se nã tem...

- Mái nã s' apequente, que, despôs desses em inglês, inda 'tã ôtres ôtra vez im português. Agora tenha munto cudadinho, nã nos lêa de rijo im frente da c'mad' Maria, qu' ê cá, ontem, fiz isso ô pé da minha C'stóida e vi-me im traquetes...

- Atã que jêto? Faltô-l'e o fôl'go ó quem?...

- É qu' aquilo, d' ora im q'onto, mete lá umas bojardas qu' alto lá com elas... P'ra mim nã me faz d'frença qu' até gosto, agora a minha C'stóida...

- Eh'q, isso, as m'lheres fazem-se munto finas, mái, parte das vezes, tamém gostam é da brincadêra...

- Más olhe que, desta vez, vi-me inrascado... Ia a ler aquilo tudo de carrêrinha, q'ondo dô p'r mim, 'tava quái a d'zer um nome fêo... só tive tempo de fazer que m' ingasguí e vá de tossir méme sem vontade n'nhuma...

- Ai o qu' ê cá nã dava p'a ter visto uma parte dessas... O mê compad'e jôquim todo ingasgado... Munto m' havera de rir... Atã e despôs, c'm' é descalçô essa bota? A C'madre C'stóida nã quis ôvir o resto que faltava?

- Ora nã quis... Assim que viu qu' ê cá me 'tava a furtar de ler o resto, pertô logo com-migo...

- Atã, nã se safô de semp'e ter de l'e ler o tal nome...

- Ai nã, que nã me safí... Arrenjí logo ôtro p'a pôr lá im lugar daquele...

- E casava lá bem?

- Ora casava... Nem ela dé p'r nada... Era, mái ó menes, assim:

Que se charingue!
os versos a seguir seja cão se nã nos rasgar
vô-me quem-má-los
p'a nunca mái narcerem:

Pôsseras!, - (aqui era o tal nome qu' ê nã li à minha C'stóida...)
agora é que f'quí a saber
que nunca mái dô escrevido
coisíssema nenhuma de versos!

- Punhana!..., que mecêa até meté isso tudo na cabeça!...

- Isto é uma coisa assim, mái ó menes, p'r alto... Se mecêa querer saber bem c'm' é qu' os versos são ô certo, vá aí ô fim do livro qu' eles lá 'tão. E, dig'-l'e já, cá p'ra mim, nã é p'r nada, mái foi os qu' ê mái gostí.

- É logo os pr'mêros qu' ê cá vô-me ler, tã penas tenha jêto...

E vô-me f'car p'r 'qui, que fartos de tanta conversa já mecêas 'tão.

Senhor dôtor Telo, nã l'e parêça mal das minhas parvoêras e só l'e digo que gostí munto dos sês versos. Mecêa havia era de mandar fazer mái uma manchinha de livros p'a vender àqueles que nã panharam nenhum. Nã achava bem?

E vomecêas, mês belos amigos, tenham um ano de 2008 do melhor que possa ser e haver e fiquem-se com Dés até a gente se ver.

2 comentários:

  1. De toda a publicidade feita ao artista, a que ficou mesmo na retina é a publicidade feita ao tabaco, quando todos sabemos que com a nova lei é proibido fumar em locais públicos. A foto foi tirada antes ou depois de 2008?

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  2. belo amigo anónimo

    C’mo uso a gastar o mê pôco tempo vago n’otras coisas, nã tenho tido munto c’stume de responder a comentáiros. E dar troco a quem nã tem a foiteza de d'zer o nome, atão, inda menes, méme que tenha vagar.

    Mái c’m’ vomecêa me prècura q’ondo é qu’ o retrato foi tirado, semp’e l’e digo que foi entes dessa tal lê ter saído.

    E, já agora, que desatí a escrever, nã cude que sô tã parvo assim, que nã calcule quem vomecêa é. P’r o jêto de escrever e p'r os dados que f’caram aqui num contador de v’sitas qu’ ê cá tenho e mecêa nã dá visto, nã tenho precisão de ser munto descreto p’a ver adonde ‘tô.

    E, inda l’e digo más ôtra. Nã pense im se esconder p’r trás de nã d’zer o sê nome q’ondo quer impertenecer os ôtros, c’m’ já fez mái uma vez ó ôtra, qu’ ê nã vô nisso e corto-l’e a vaza.

    Se gosta munto de fazer comentáiros anónimos, há p’r ‘í ôtr’s sitos adonde ir qu' até l' agradêcem – faça, p’r exempes, nos sês blogs e diga o que munto bem intender a respêto de si mémo, fazendo de conta qu' é ôtra pessoa, qu’ é p’ ôs ôtres cudarem qu’ é verdade…

    E nã cude que cá o Parente faz c’m’ alguns que só dêxam os comentáiros que gostam e apagam os que nã gostam… Aqui, qualquer um pode d’zer o que munto bem l’e dar nas ganas, désna que diga quem é – e nã é usar nome falso… – e nã seja malcriado nem falte ô respêto a ninguém.

    Passe munto bem e nã se desqueça qu’ o pica-pica, sardanica e mal d’ enveja fazem mal a munta famila

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