'Tá uma récita de carnaval im Vila Nova, punhana!, qu' é duma pessoa se desmanchar a rir...
Este ano, inda mal nã se passô o Dia de Festa e o Ano Bom, já o intrudo aí 'tá tamém. Isto p'a nã falar nas mortepórques que se fazeram nos entervás. Más um nada e pegava tudo umas coisas nas ôtras d' infiada qu' uma pessoa nem tampôco tinha tempo p'a desmoer as f'lhózes e os piques de fresneco...
E nã bastando já isso, uma amiga e conhecida da minha Maria e da minha c'madre C'stóida - a 'Zabel V'tóira - que mora lá p' ô Vale das Hortas ó ali perto, más é cá destas bandas, desafiô-as p'a s' ir ver uma récita qu' eles fazem lá im Vila Nova tôd's anos.
P'r o jêto, q'ondo elas as três eram novas, usavam a ir fazer o V'rão todas juntas lá p' ô Algarve, numa côrela muntíss'mo de grande que des que tinha tantos figos e farrôbas ó tã pôcos que nem uma dúiza de m'lheres as davam panhado a tempo e horas, trabalhando de sol a sol. E foi daí qu' elas f'caram amigas e adonde a 'Zabel arrenjô casamento e f'cô p'r lá. Mái já inviuvô, pobrezinha...
De manêras que, em elas tendo falado tal coisa, quem é qu' as dava sustido sem irem lá... Foi-se e foi-se mémo!... E vomecêas, se t'verem ocasião, tamém nã percam de ver uma coisa tã ingraçada. Aquilo é uma récita de carnaval que 'tá p'a lá num sito ch'mado "Boa Esperança" - méme logo ô pé da Ingreja Matriz. Más é dum homem se desmanchar a rir, nã cudem!...
Ist' é a Claque dos Marafados qu' andam sempre atrás do Portimonense...
E nã é qu' a coisa calhô logo a gente ir no dia qu' eles se estreavam e nem se pagô b'lhete nem coisa nenhuma?!... Nã sê c'm' é qu' ela, a 'Zabel V'tóira, s' arrenjô, levava p'ra lá uns papeles que l'e tinham dado nã sê adonde - calhando, na Junta ó na Cambra ó coisa assim... - o que vi foi ela apresentar aquilo lá a uma meçalha que 'tava logo à antrada e ela mandar a gente passar...
Más ele hôve uma coisa que me fez espéce... Já lá se tinha ido, ôtro ano, ver aquilo e béque-me só lá incontrí foi famila assim c'm' ê cá e a minha Maria e nada de dôtores ó fosse lá o que fosse. Desta vez, fado dum ladrão!, aquilo era só Pres'dentes... E tudo munto ingravatado...
Ele era o Pres'dente da Cambra dum lado, o Pres'dente da Cambra dôtro, - o de cá de Monchique tamém lá 'tava, sa senhora... - os Pres'dentes desta e daquela Junta, Dôtores Advogados, Dôtores Juízes, ê sê cá!... Atã, até o Pres'dente da Rádio Fóia tamém lá o incontrí... vejam lá bem s' aquilo nã tem que se l'e diga...
'Tá bom de ver qu' esses pagaram bilhete e há-de ter sido bem caro... À uma, que têm posses, qu' ê sê que tem, e à ôtra que, cada vez qu' algum antrava, vinha logo uma impregada, toda munto bem vestida e com os bêços qu' até luziam d' incarnados, e levav' ôs, quái de braço dado, até ô lugar deles.
O pior é qu' ê cá, olhando bem p'r àquilo, f'quí assim um coisinho p' ô imbatucado. Levava o mê chapelinho do d'mingo, tirí-o logo da cabeça e p' ali o descondi no colo da minha Maria. O mê compad'e jôquim, esse, nem abria pio. Tive que l'e dar uma catovelada, bem dada, nas costelas p'a ele tirar o dele e intregá-lo à c'madre C'stóida.
Agora as m'lheres... 'tá bem dêxa... p'a elas é c'm' se nã fosse nada. 'Tarem ali ó 'tarem im casa pelando um cesto de batatas p' ô nosso jantar e p'a dar ôs animazes, era a méma coisa... Nã se calaram nem um 'stante!...
Quem m' havera de d'zer qu' o Antóino Calváiro 'tava lá im pessoa...
Mái dêxamos lá isso.
Lá q'ondo eles munto bem intenderam - e olhe que foi logo à hora... - apagaram as luzes e vá de começarem com as partes im cimba do palco. Ê cá ria p'a um lado que nem m' aguentava, o mê compad'e Jôquim do Barranco ria p'ra ôtro. As m'lheres, atão, descancaravam-se... Aquilo riam às carcachadas, batiam palmas... era um banzé que nã l'es dô incarecido!...
Nisto, desata a música a tocar, oiço um a cantar, digo p' ô mê compadre:
- Mái atão, béque-me conheço esta cara...
- O quem?... - O homem já nã ôve munto bem, e com aquele barulho, atão...
- Aquilo nã é o Antóino...
- É o Antóino Calváiro, sa senhora!... - Diz logo a minha Maria que tem a mania de nã me dêxar falar nada até ô fim.
- Ai, se faz tant' ô tempo qu' ê cá nã no ôvia cantar!... E, más e más, assim im pessoa... Que coisa tã bonita!...
- Mê belo Calvarinho! Era o qu' ê cá mái gostava d' ôvir naquela tel'fonia Pilips - uma ainda a pilhas - qu' o mê Jôquim comprô, uma vez, lá à do parente Vintura, qu' aquilo durô quái uma vida!...
- Nã s'alembram daquela vez qu' ele ganhô o festival da Erovisão?... A moda era tã bonita e, vejam lá, até se ch'mava "Oração". Mái que bem qu' ele inda canta!...
- Ó 'Zabelinha, cudo qu' ele nã ganhô essa coisa da Erovisão... Ele ganhô foi cá im Portugal e, despôs, foi, atão, à Erovisão.
- Se nã ganhô, bem qu' o mor'cia... Qu' a mái bonita era a dele!... As ôtras era tudo im estrangêro e ê nã intendia nada daquilo... E uma qu' ele tem, agora, qu' é a "Mocidade"?!... Ai que coisa mái bem caçada!... O estilo é bonito. Atã e a letra?!... É do melhor que possa ser e haver!...
E desata quái a cantar:
Nã vêem qu' até a Rádio Fóia lá 'tava a intrevistar um...
Mocidade, mocidade
Porque fugiste de mim?
Hoje vivo de sôidade
É triste perdermos a mocidade
E sentirmos qu' é o prencípo do fim
- Ó m'lher cale-se pr' aí!... Atã nã vê qu' o homem 'tá a cantar ôtra?!...
- Mái ê cá gosto tanto desta...
E p' ali s' ac'm'dô um pôcachinho. Mái, tant' ela c'm' às ôtras, 'tavam tã variadas da cabeça a olhar p' ô homem que, tanto se faz ê cá c'm' o mê compad'e Jôquim, já nã se 'tava más era a gostar munto das figuras qu' elas faziam...
Aquilo nã foi coisa que tardasse tempo quái nenhum, parêce uma no palco, com os cabelos munto amarelos, com aquela coisa qu' eles falam nas mãs e vá de falar p' ali no jogo da bola. Salta logo o mê compadre:
- Olhe lá, olhe lá, compad'e Refóias... Nã vê, nã vê?!... Veja lá s' isto nã é uma coisa emportante qu' até a Rádio Fóia 'tá ali...
- Rádio Fóia?!... Que jêto?!...
- Sa senhora!... Lêa lá além o que diz naquilo qu' aquela tem nas mãs... Rá-di-o Fó-i-a... Nã sê é s' aquilo é a senhora Fátima Peres ó a senhora Idalete Marques... Nã nas conheço de cara, só das ôvir na tel'fonia...
- No microfone?... D'zer Rádio Fóia, diz, mái nã vê qu' aquilo é de faz-de-conta?!... É eles a brincarem com Rádio Fóia, compadre!...
- Ai, home, quái que me dava ares a ser uma coisa de verdade... Mái, calhando, mecêa é capaz de 'tar com a r'zão. Agora que 'tá munto bem fêto, nã me diga que nã 'tá...
E a coisa lá foi andando.
Ô fim, até o Presidente da Cambra foi ch'mado ô palco...
Ô certo, ô certo é que, q'onto mái coisas eles apresentavam im riba do palco, mái a gente se fartava de rir. Se quer que l'e diga, chigô ali a uma certa altura qu' ê cá até já me doía a barriga. Se nã calha a terem fêto um entervalo, nã sê munto bem c'm' à coisa saria...
Mái c'mo hôve esse entervalo, ê cá e o mê compadre semp'e se fomos aliviar e já se aguantamos até ô fim sem problema. As m'lheres é que nã sê c'm' é qu' elas fazeram aquilo que levaram toda a nôte com o - com l'cença da palavra - trazêro na cadêra, sem s' alevantarem, e, p'r o jêto, nã l'e fez falta.
D'zer a verdade, eles tinham aquilo tudo tã bem estudado e d'ziam umas chalaças tã ingraçadas que mecêas nã calculam... Atã e as puas qu' eles infiavam p'ra este e pr' àquele?!... Quem nã queria se ver na pele dos Pres'dentes e dessa famila emportante sê ê munto bem quem era...
Ôviram muntas e das boas... Aquelas orelhas deles haveram de 'tar mái incarnadas qu' um p'mento quem-moso... Qu' os homens, tamém, já 'tão tã fêtos a ôvir tanta coisa que pôca d'f'rença ó nenhuma l' há-de fazer... Inda eles se riem... méme sem ter vontade...
Pôs atão, se querem um conselho, vã p'r mim qu' ê nã nos incaminho mal. Tirem um dia p'a paróida, comprem um b'lh'tinho lá no "Boa Esperança" e vã ver a revista "Bicha a dar com um pau" que nã vã dar o tempo p'r mal impregue e panham uma barrigada de rir até mái não.
Passem munto bem e advirtam-se à farta com a revista e com o intrudo. Ê cá e a minha Maria vamos más é dar uma volta a pé além p' àquelas bandas d' Odecêxe.
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