09 fevereiro 2008

O mê intrudo foi na Costa d' Al'zur...

Passeio da Almargem na Costa Vicentina – 02 a 04-02-2008
A água 'tava mái fria qu' ôtra coisa, mái p'a rafrescar os pés...

Ontordia, logo bem de manhão, 'tava ali panhando uma erva-de-febra p' ôs coelhos, dí com-migo a pensar o qu' é qu' havera de fazer este intrudo. E pus-me a falar d' alto, méme sòzinho, qu' isto, nesta idade, um homem, em se descudando, faz cada figura...

- Mái atão, o qu' é qu' uma pessoa vai fazer agora nestes dias d' intrudo?... Nôtres temp's, inda se punha p' aí uns trapos na cara e ia-se fazer umas partes uns ôs ôtres, agora, já nã há quem se meta nisso...

E desatí a fazer uma amenção - só cá p'ra mim, 'tá bom de ver - do qu' isto era no mê tempo e o qu' é agora. Mái, parí logo com isso que me dé cá uma pàxão tã grande ó tã pequena que mecêas nã em-maginam...

Vô-me p'a casa, nã tratí logo dos coelhos qu' a erva 'tava um coisinho molhada e tive qu' a dêxar a inxugar um belo pôco, nã fossem eles impanzinar p' ali e morrerem-me tôd's, c'm' se dé no enverno passado. De manêras que, fui mái foi ô mata-bicho qu' inda 'tava im jum.

É qu' ê cá, logo q'ondo m' alevanto, nã me dá jêto comer coisíssema nenhuma e, quái sempre, só venho ô quebra-jum já despôs de fazer qualquer serviço e me passar o fastio da manhã, e, méme assim, inda uso a l'e bober um calcesinho dela - dos piquenalhos... - que des qu' é do melhor que há p'a quem seja fastiento e quêra abrir o apetite.

Foi assim, já a tarrincar p' ali uma côida de pão com uma rodela de chôriça, qu' ê cá me volto p' à minha Maria e l'e falo no caso:

Passeio da Almargem na Costa Vicentina – 02 a 04-02-2008
As más das vezes, tinha que s' ir tôd's d' infiada qu' a v'reda era bem pertada...

- Nã ôves, Maria, mái atão a gente vai-se f'car aqui atafulhados im casa, fêtos parvos, qu' isto nem parêce intrudo nem parêce nada?...

Foi o qu' ela quis ôvir, mês amigos... Assim saltô logo com as réplas dela qu' ê cá, de mimento, f'qu'i que nem sube c'm' me defender:

- Olha, calha bem vires com essa conversa, qu 'inda ontesdontem, a Bètinha me falô nisso e des que, nos dias tôd's do intrudo, aquela famila lá da Almargem andam a ver se dã fêto um passêo àlém p' à costa d' Al'jur, p'r a aqueles cerros tôd's à rés do mar, désna d' Odecêxe até Vila do Bispo...

- Eh lá!... E nã achas qu' isso é um puxo grande demás p' às nossas posses?!...

- Nã me digas que nã temos mêa-dúiza d' eros p'a pagar o qu' eles levam da gente dar o nome...

- Nã é isso qu' ê digo, m'lher... Ê 'tô falando é d' a gente s' aguentar a andar essa lonjura toda... Atã, andas-te semp'e a quêxar dos calos... e das dores nas cruzes e sê cá más o quem, e inda t' astreves a uma coisa dessas?...

- Más é qu' aquilo é im quatro dias, nã é tudo d' infiada... Ó cudavas o quem?...

- Mái méme assim... Sê cá s' uma pessoa, na nossa idade, inda dá àgu-ento a andar tanto?...

- Tu tens é medo d' arrèlar...

- Olá!... Nâ faltava mái nada... Vê lá se és tu que te vás abaxo...

E, q'ondo mal sube, já ela me tinha inrolado e, méme que nã qu'sesse ir, já nã tinha cara de voltar a trás. De modes que, lá tive que d'zer que sim p'a ela tel'fonar à Bètinha p'a dar os nomes da gente junto ô dela. E, Sáb'do Gordo, lá se pusemos a mexer, caminho d' Al'zur.

Passeio da Almargem na Costa Vicentina – 02 a 04-02-2008
Andava-se, andava-se e só se via era cerros e mar à nossa frente. Mái uma coisa bonita...

Mái, nã l'es digo nada, mês belos amigos!... Aquilo, logo no pr'mêro dia, foi chover até mái não!... Inda a famila se 'tava a ajuntar toda lá na Praia do Odecêxe, já ele pingava. E vento nã se fala... E, no segundo, tamém, nã cudem...

'Tá bem qu' a famila ia toda já a contar com o má tempo, mái nunca ninguém cudô qu' aquilo se sarrasse d' água logo a mê da manhã e só descampasse, de vez, no dia a seguir, já bem lá p' ô lado da nôte... E foi isso que se deu. Olhem que, tanto no pr'mêro c'm' no segundo dia, ninguém se gabô de chigar ô fim sem panhar uma molha, mái daquelas que nem um fio inxuto uma pessoa tinha...

A minha Maria, que nã l'e pode cair uma pinga de chuva na cabeça - nã l'e vá dar cabo da permanente... - fica logo toda alvoraçada, bem que levô uma coisa de plástico p'a se tapar, com capuz e tudo, e mái uma sombrinha e mái nã sê o quem... E de munto l'e serviu... Ora, ali méme à rèzinha do mar e com a ventania que fazia...

E, despôs, nã era só isso. É que, d'ora im q'onto, panhava-se assim um barranco p'a atravessar. Aquilo já nã bastava se vir tôd's molhados p'r cima e méme da centura p'ra baxo premode o caminho 'tar pôco pisado e as estevas e mongariças roçarem nas nossas pernas, inda se tinha que pular dum lado p' ô ôtro im sitos que nã davam condiçõs...

Ora, é certo e sabido qu' aquilo dava sempre má resultado... Quem nã descorregasse dum lado e batesse com as nalgas no chão, nã se livrava de, uma vez ó ôtra, dar um salto, ele sair-l'e curto, e aterrar com os sapatos inda drento d' água.

P'a incurtar de razõs, qu' ê cá desse p'r isso, tanto num dia c'm' nôtro, rôpa e calçado chigô tudo a escorrer água ô fim da viaja...

Passeio da Almargem na Costa Vicentina – 02 a 04-02-2008
Des que naquele penedro àlém drento d' água já hôve um linho d' áiga...

Com a minha Maria 'té que se dé uma parte que foi do mái ingraçado qu' ê já vi. Olhem que me fartí de rir com aquilo. Sem ela ver... que s' ela visse, 'tava a coisa torta cá p' ô mê lado...

Foi ali já p' ô fim da tarde, se nã 'tô im erro, lá ô pé daquela rocha adonde um casal d' áigas pesquêras t'veram linho até há uns dôs ó três anos - a Pedra da Agulha, na Arrifana. E olhem que foram as últ'mas que par'ceram cá im Portugal. Morreram as duas, coitadinhas, acabô-se-l'e o inço. Agora quem quêra ver bichos desses só s' ir ô estrangêro...

Más a gente assantô-se os dôs ali im cimba duma pedra daquelas de talisca, lisinha, e vá de comer uma bucha que trazemos de casa, qu' a fome já pertava e a fraqueza 'tava a qu'rer t'mar conta duma pessoa. A minha Maria, p'a nã s' inganar, descalça os pés, d'zia ela qu' era p'a arejar... Ê cá f'quí assim um coisinho imbatucado, dig'-l'e:

- Ó Maria, vê lá o qu' é que 'tás a fazer... Volta lá isso ali mái p' ô lado, nã vá chêrar p' aí mal dos tês pés à famila...

- Qual chêrar mal, qual quem... 'Tã aqui mái lavadinhos que lavadinhos!... Atã tenho vindo com os sapatos chêos d' água désna desta manhã... O dia entêro de molho nã tará avondo p'a f'carem limpinhos?...

- Ó m'lher, mái atão que parvidade é essa?...

- Parvidade?!... Olha lá bem pr' aqui... Nã vês?... 'Té os calos despar'ceram... Este, atão, qu' ê tinha aqui na sola do pé, levô sumiço que nã no sinto já pelo menos. E este aqui no dedo miminho, só já se vê o sito adonde ele 'tava...

- Lá cudas que m' indròminas assim sem mái nem menes. Atã, nunca dás conta deles, andas semp'e a d'zer que vás à calista, que vás à calista - mái nunca vás - e, agora, só d' andares um pôcachinho a pé passava-te os calos sem más esta nem más aquela... Vai inganifar ôtro...

- Cachamorra!... Atã 'tô-te a falar verdade e tu nã queres crer no qu' ê te digo?!... Olha lá bem pr' aqui!...

Passeio da Almargem na Costa Vicentina – 02 a 04-02-2008
Andar descalço im cimba deste cascalho?!... É más é melhor molhar o calçado...

E prantô-me com o pé méme à rés do nariz p'a ê cá ver bem. Q'ondo me vejo naquele empeço, inda me sustive um belo coisinho sem tomar ar com medo de nã me vir p' ali alguma baforada de má-chêro, mái, d'zer a verdade, o pé dela até que nã 'tava nada sujo, nã senhora...

E os calos... era tal e qual c'm' à m'lher 'tava a d'zer. Já vomecêas viram?!... Aquilo, com o andar e os pés semp'e molhados, foram roçando no sapato, foram roçando... desparceram. Agora o resto da pele, nã quêram saber c'm' é qu' ela 'tava... Tudo inrrugado, tudo marafado... Nã l'e doía, já era bom.

Más olhem, aquilo, ô tercêro dia, dêxô de chover, foi um consolo. Qu' ele, a Costa Vicentina é semp'e uma coisa do mái bonito que pode ser e haver, agora, fazendo um sòlinho c'm' fez, uma pessoa sinte-se um coisinho mái sast'fêto.

E inda l'es digo. Abalô-se uns trinta - p'ra más que p'ra menes - do Odecêxe, e, ô Castelejo, só se chigô pôco mái de mêa-dúiza... Uns que f'caram sem fio inxuto e nã tinham rôpa p'a mudar, ôtres que tinham de trabalhar na Sigunda-Fêra Gorda, ôtres que nã s' aguentaram nas canoiras...

Mái corré tudo do melhor. Aquela famila da Almargem nã é só serem boas pessoas - que são - é que fazem tudo tã bem fêto que ninguém tem nada que l'es d'zer... Melhor nã há.

E fic'-me p'r 'qui, senã levava a contar as passajas todas do passêo e nã saía daqui senã lá pr' amanhã...

Em tendem ocasião, vã até àquelas bandas que mái bonito nã incontram im lado nenhum. E, já agora, vejam uns q'ontos retratos qu' ê cá tirí p'r lá - só uma pagela pequena - aqui na Galeria da Costa Vicentina.

Fiquem-se com Dés e nã abusem munto na carne qu' a q'ôresma já antrô. Nôtres tempos, inda havia as bulas, agora já nã há nada disso...

Até qu' a gente se veja.

3 comentários:

  1. E não há duvida...Estes passeios fazem bem ao corpo e à alma.

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  2. Boa noite parente,
    Não há dúvida que o seu foi um belo entrudo. É um gosto acompanhar, aqui sentadinha, as suas longas caminhadas e sempre com belas fotografias.
    Um abraço
    Dinha

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  3. É parente!! Prantê o nome da terrinha da minh'avó que é lá pós lados da serra de monchique, lá pa Foz do Carvalhoso, e tal nã foi admiração que nestas modernices se encontra estas côsas. Ê que sô dos lados d'al'zur, indo à serra levo as batatas pa velhota e saio de lá com um pique de choriça e um copázio d'aguardente no bucho. Quai qu'oiço lá a avó : ai venham p'ra menza que tá comida" e vai assar choriça, e vai cortar pão... ai as bajinhas, timatis, pupinos, selada, alfaiça, lá dô pé da ribeira, naqueles pegos qu'uma pessoa quai s'afoga e dá uns cuidados na velhota. Ist tudo emquando vou-me lá, qu'aqui pós lados do al'zur nã falta é lida. E havendo fome,vem logo a minha mãe: vai rilar no cu dum ome!

    Gostei muito deste blog, parabéns pelo trabalho

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