11 janeiro 2008

Im Monchique, inda se canta os Rês...

Jolda cantando os Reis
Em
chigando a casa de qualquer um, a jolda pede l'cença p'a cantar.

Inda agora aqui ch'guí
Já l'es vô a prècurar
'Tã bonzinhos de saúde,
Dã l'cença d' ê cantar?

É mái ó menes desta manêra qu' as joldas de Rês e de Janêras usam a cantar, em chigando à porta de qualquer um, qu' é p'ra ver s' a famila l'es dêxa fazer o resto da cantoria.

Nôtres tempos, tamém usavam a bater à porta e d'zer assim:

- É famila!... Canta-se ó reza-se?...

E esperavam um pôcachinho a ver se, de lá de drento, l' acudiam e l'e davam orde p'a desatarem a cantar o resto dos versos, qu' eles gôrdavam dum ano pr' ô ôtro e os que, muntas vezes, faziam d' aprepósito p'a certas casas.

Que, lá de q'ondo im vez, tamém se dava o caso da famila da casa nã l'e dar ancas... Uns que tinham alguém doente, ôtres que l'e tinha morrido alguma pessoa de famila... E ôtres que d'ziam que l' aborrecia de serem acordados. Mái, quái sempre, esses já 'tavam munto vistos e tôd's se sabia munto bem qu' o qu' eles l' aborrecia era a dar a esmola...

Pôs, mês belos amigos, na nôte de Rês deste ano, 'tava-se a gente, ê cá mái-la minha Maria e uns q'ontos amigos - dos bons!... -, num certo sito, a retraçar uns pedaços de pórco e c'mer neles - já ele era bem de nôte - desata-se a ôvir cantar os versos, qu' ê cá pus ali ô prencip'o, do lado de fora da porta.

Pusemos-se tôd's à escuta, era uma jolda de cantadores de Rês.

Jolda cantando os Reis
Calhando a 'tar a chover ó que faça munto frio, há quem os mande entrar...

Tã penas eles acabaram de pedir l'cença, o dono da casa, p'a nã s' inganar, dé logo ordem que podiam cantar à vontade. E, c'm' ô tempo 'tava assim p' ô fresco e, inda p'r cima, nuvrinhava um coisinho - era uma penujazalha que nem se dava p'r ela, mái, ô fim dum certo tempo, já se sabe que semp'e molha... - mandô-os antrar p'ra casa. Ora, aquilo foi o bom e o bonito...

E, más a más, qu' eles eram tôd's mecinhos nôvos, qu' é um caso p' à gente inda levar maior repáiro, qu' é p'ra ver s' eles se vã semp'e alembrando destes c'stumes antigos e nã dêxam des'pâr'cer estas coisas que se faziam munto e agora já se fazem pôco ó nada.

Mái olhem qu' aquilo até que foi uma coisa méme bem caçada... Era uns mecinhos e umas mecinhas inda nôvos - à vista da gente, qu' era quái tudo velho c'm' ê cá, 'tá bom de ver... -, mái cantavam do melhor.

Quás sã os três cavalêros
Que fazem sombra no mar
Sã os três do oriente
Qu' a Jesus vã v'sitar

E, ô méme tempo, tocavam... Olhem qu' eles traziam um fole, uma guitarra e uns ferrinhos... Aquilo pôco f'cava atrás da banda que vem tocar cá a Monchique, q'ondo calha. E 'tava tudo tã bem afinadinho qu' até dava gosto...

Só l'es sê d'zer qu' a famila qu' ali 'tava pôs-se tudo imbasbacado com os olhos cravados na jolda que nem s' ovia mái coisíss'ma nenhuma. As m'lheres que 'tavam a picar carne, com mintira e tudo, até dêxaram cair as facas p'a drento do alguidar... E foi melhor assim ó, atão, inda s' hab'litavam a cortar p'a lá a ponta d' algum dedo...

'Té uns que 'tavam a jogar ôs três-setes ali na ponta duma mesa - calem-se aí!... - apararam o jogo a mêo, puseram p' ali as cartas de qualquer manêra e tamém nã viam mái nada qu' os janêrêros... Ê nã havera de d'zer isto, mái ele hôve um, mái sabido, - qu' ê cá nã digo quem foi - que fez a parte ôs ôtres.

Jolda de Cantadores de Reis recebendo a 'esmola'
Im certos sitos, afituram-se a arreceber umas boas esmolas...

Inq'onto eles 'tavam tôdes emprensados a ôvir o cantorío, assim c'm' quem nã quer a coisa, foi-se chigando, munto devagarinho, p' ô lado do parcêro contráiro e vá d' ingrilar p' às cartas qu' ele tinha na mão, todas destapadas. Vi-l' o jogo todo...

Ora, q'ondo voltaram ô jogo, fez-l'e uma espera, papô-l'e os dôs ases qu' ele tinha. Inda os 'tô a ver... Um era a espadilha e o ôtro era o bastos. Só ali foram logo dôs milhos... E, p'r o jêto dele, nã sê munto bem se tamém nã l'es fez a parte ôs bagos de milho qu' eles tinham a marcar os pontos im cimba da menza...

Olhe qu' eles béque-me já iam nos vinte sete ó vinte e oito e, despôs, só já se viram com vinte três... Dôs bagos da banda de cá da faquinha e três da banda de lá. Nã posso afiançar, mái ó ê cá m' ingano munto ó, atão, hôve ali coisa...

Mái, nesse mê tempo, já a jolda tinha cantado tudo e 'tava a arreceber a esmola. E olhe que, naquela casa, nã f'caram nada mal... Vejam aí no retrato e logo sabem. Até uma garrafinha de madronho l'es calhô... Mái mor'ceram, lá isso, mor'ceram.

E puseram-se a agradecer...

Quem tã boa esmola deu
Dés l'e pague, obrigadinho
Dés quêra que vá p' ô céu
Ô colo de Dés Menino

E nã se f'caram p'r 'qui, que, logo a seguir, era a despedida. F'cava mal eles abalarem, assim sem mái nem menes, e nã cantarem mái um verso ó dôs. E, atão, foi assim:

Fiquem-se com Dés, senhores
Qu' ê com Dés me vô tamém
Dés l'e dê munta saúde
Até pr' ô ano que vem

E assim abalaram p'r aquelas sobrêras adiante, no mê do escuro, qu' im menes de nada despar'ceram. Nem a luz do focse qu' um levavam pindurado na presilha das calças a gente dava lombrigado. Só o que s' ôvia era as vozes deles charolando uns com os ôtres.

E ê cá tamém vô-me andando a ver s', esta tarde, inda panho p' ali umas três ó quatro cagumelas p' à minha Maria fazer com uns piquinhos de pórco p' à cêa. Ele já nã deve haver grande coisa, más ê sê dum certo sito ali ô pé dumas acáiças... até pode ser que 'teja p'a lá alguma.

E, dando-se o caso de quererem ver mái alguns retratos da jolda, acalquem aqui na Galeria dos Reis.

Atã que Dés l'es dê tamém munta saúde.

1 comentário:

  1. Por aqui se pode ver que existem jovens em Monchique interessados na sua identidade, que procuram manter e prolongar as tradições da sua terra.
    Para que tal aconteça, é fundamental que os mais anciãos tentem incutir nos descendentes a paixão e o interesse pelas suas heranças culturais. Só pela dedicação e convívio entre as gerações este valioso legado poderá subsistir.

    Parabéns a estes jovens, pelo empenho, e pelo magnífico farnel que recolheram!


    Cumprimentos ao Parente e à sua Maria.

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