Em chigando a casa de qualquer um, a jolda pede l'cença p'a cantar.
Inda agora aqui ch'guí
Já l'es vô a prècurar
'Tã bonzinhos de saúde,
Dã l'cença d' ê cantar?
É mái ó menes desta manêra qu' as joldas de Rês e de Janêras usam a cantar, em chigando à porta de qualquer um, qu' é p'ra ver s' a famila l'es dêxa fazer o resto da cantoria.
Nôtres tempos, tamém usavam a bater à porta e d'zer assim:
- É famila!... Canta-se ó reza-se?...
E esperavam um pôcachinho a ver se, de lá de drento, l' acudiam e l'e davam orde p'a desatarem a cantar o resto dos versos, qu' eles gôrdavam dum ano pr' ô ôtro e os que, muntas vezes, faziam d' aprepósito p'a certas casas.
Que, lá de q'ondo im vez, tamém se dava o caso da famila da casa nã l'e dar ancas... Uns que tinham alguém doente, ôtres que l'e tinha morrido alguma pessoa de famila... E ôtres que d'ziam que l' aborrecia de serem acordados. Mái, quái sempre, esses já 'tavam munto vistos e tôd's se sabia munto bem qu' o qu' eles l' aborrecia era a dar a esmola...
Pôs, mês belos amigos, na nôte de Rês deste ano, 'tava-se a gente, ê cá mái-la minha Maria e uns q'ontos amigos - dos bons!... -, num certo sito, a retraçar uns pedaços de pórco e c'mer neles - já ele era bem de nôte - desata-se a ôvir cantar os versos, qu' ê cá pus ali ô prencip'o, do lado de fora da porta.
Pusemos-se tôd's à escuta, era uma jolda de cantadores de Rês.
Calhando a 'tar a chover ó que faça munto frio, há quem os mande entrar...
Tã penas eles acabaram de pedir l'cença, o dono da casa, p'a nã s' inganar, dé logo ordem que podiam cantar à vontade. E, c'm' ô tempo 'tava assim p' ô fresco e, inda p'r cima, nuvrinhava um coisinho - era uma penujazalha que nem se dava p'r ela, mái, ô fim dum certo tempo, já se sabe que semp'e molha... - mandô-os antrar p'ra casa. Ora, aquilo foi o bom e o bonito...
E, más a más, qu' eles eram tôd's mecinhos nôvos, qu' é um caso p' à gente inda levar maior repáiro, qu' é p'ra ver s' eles se vã semp'e alembrando destes c'stumes antigos e nã dêxam des'pâr'cer estas coisas que se faziam munto e agora já se fazem pôco ó nada.
Mái olhem qu' aquilo até que foi uma coisa méme bem caçada... Era uns mecinhos e umas mecinhas inda nôvos - à vista da gente, qu' era quái tudo velho c'm' ê cá, 'tá bom de ver... -, mái cantavam do melhor.
Quás sã os três cavalêros
Que fazem sombra no mar
Sã os três do oriente
Qu' a Jesus vã v'sitar
E, ô méme tempo, tocavam... Olhem qu' eles traziam um fole, uma guitarra e uns ferrinhos... Aquilo pôco f'cava atrás da banda que vem tocar cá a Monchique, q'ondo calha. E 'tava tudo tã bem afinadinho qu' até dava gosto...
Só l'es sê d'zer qu' a famila qu' ali 'tava pôs-se tudo imbasbacado com os olhos cravados na jolda que nem s' ovia mái coisíss'ma nenhuma. As m'lheres que 'tavam a picar carne, com mintira e tudo, até dêxaram cair as facas p'a drento do alguidar... E foi melhor assim ó, atão, inda s' hab'litavam a cortar p'a lá a ponta d' algum dedo...
'Té uns que 'tavam a jogar ôs três-setes ali na ponta duma mesa - calem-se aí!... - apararam o jogo a mêo, puseram p' ali as cartas de qualquer manêra e tamém nã viam mái nada qu' os janêrêros... Ê nã havera de d'zer isto, mái ele hôve um, mái sabido, - qu' ê cá nã digo quem foi - que fez a parte ôs ôtres.
Im certos sitos, afituram-se a arreceber umas boas esmolas...
Inq'onto eles 'tavam tôdes emprensados a ôvir o cantorío, assim c'm' quem nã quer a coisa, foi-se chigando, munto devagarinho, p' ô lado do parcêro contráiro e vá d' ingrilar p' às cartas qu' ele tinha na mão, todas destapadas. Vi-l' o jogo todo...
Ora, q'ondo voltaram ô jogo, fez-l'e uma espera, papô-l'e os dôs ases qu' ele tinha. Inda os 'tô a ver... Um era a espadilha e o ôtro era o bastos. Só ali foram logo dôs milhos... E, p'r o jêto dele, nã sê munto bem se tamém nã l'es fez a parte ôs bagos de milho qu' eles tinham a marcar os pontos im cimba da menza...
Olhe qu' eles béque-me já iam nos vinte sete ó vinte e oito e, despôs, só já se viram com vinte três... Dôs bagos da banda de cá da faquinha e três da banda de lá. Nã posso afiançar, mái ó ê cá m' ingano munto ó, atão, hôve ali coisa...
Mái, nesse mê tempo, já a jolda tinha cantado tudo e 'tava a arreceber a esmola. E olhe que, naquela casa, nã f'caram nada mal... Vejam aí no retrato e logo sabem. Até uma garrafinha de madronho l'es calhô... Mái mor'ceram, lá isso, mor'ceram.
E puseram-se a agradecer...
Quem tã boa esmola deu
Dés l'e pague, obrigadinho
Dés quêra que vá p' ô céu
Ô colo de Dés Menino
E nã se f'caram p'r 'qui, que, logo a seguir, era a despedida. F'cava mal eles abalarem, assim sem mái nem menes, e nã cantarem mái um verso ó dôs. E, atão, foi assim:
Fiquem-se com Dés, senhores
Qu' ê com Dés me vô tamém
Dés l'e dê munta saúde
Até pr' ô ano que vem
E assim abalaram p'r aquelas sobrêras adiante, no mê do escuro, qu' im menes de nada despar'ceram. Nem a luz do focse qu' um levavam pindurado na presilha das calças a gente dava lombrigado. Só o que s' ôvia era as vozes deles charolando uns com os ôtres.
E ê cá tamém vô-me andando a ver s', esta tarde, inda panho p' ali umas três ó quatro cagumelas p' à minha Maria fazer com uns piquinhos de pórco p' à cêa. Ele já nã deve haver grande coisa, más ê sê dum certo sito ali ô pé dumas acáiças... até pode ser que 'teja p'a lá alguma.
E, dando-se o caso de quererem ver mái alguns retratos da jolda, acalquem aqui na Galeria dos Reis.
Atã que Dés l'es dê tamém munta saúde.
Por aqui se pode ver que existem jovens em Monchique interessados na sua identidade, que procuram manter e prolongar as tradições da sua terra.
ResponderEliminarPara que tal aconteça, é fundamental que os mais anciãos tentem incutir nos descendentes a paixão e o interesse pelas suas heranças culturais. Só pela dedicação e convívio entre as gerações este valioso legado poderá subsistir.
Parabéns a estes jovens, pelo empenho, e pelo magnífico farnel que recolheram!
Cumprimentos ao Parente e à sua Maria.