Igreja de Nossa Senhora da Encarnação de Marmelete.
Ontordia, fui ô interro dum amigo, im companha do mê compadre Jôquim do Barranco, e, aquilo, nã sê premode quem, inrolô ali um coisinho e teve-se que 'tar à espera um belo pôco.
De manêras que, c'mo assunto p' à conversa era pôco, - já se 'tinha falado tudo a respêto do pobrezinho qu' ia ser interrado - pus-me a olhar bem p' à Igreja de Marmelete qu' é um sito adonde tenho ido toda a vida désna que narci, mái uma pessoa nem semp'e toma sintido nas coisas.
Logo do lado de fora, olhí e mái qu' olhí... O mê compad'e Jôquim estranhando de me ver assim a olhar tanto, meté-se, logo, com-migo:
- Mái o qu' é que mecêa 'tá p' aí a olhar dessa manêra?... Quem veja isso e nã saiba até cuda que vomecêa inda nunca aqui tinha 'tado...
- 'Tô a olhar ali p'a uma coisa que mecêa, calhando, inda nunca repàirô...
- Olá!... Désna de sempre qu' aqui venho, lá cuda que me passa alguma coisa qu' ê nã tenha já visto...
- Atã diga-me lá o jêto daquela parede ali, até à torre, vir numa prumada e, despôs, da torre p'ra cá, incolhe coisa dum metro ó más, até à porta?...
- Ah, isso nã sê... Semp'e vi aquilo assim, mái lá o jêto disso nã l'e sê d'zer. Vá prècurar a quem na fez...
- Pôs é aí que 'tá o caso... É que, calhando, esta parte d' àlém da torre até aqui à porta nã foi fêta na méma altura da ôtra.
Digam o que d'zerem, o artista que fez isto inda trabalhô munto bem...
- Que jêto não?... Lá 'tá vomecêa semp'e com as sus tiradas... Aquilo, p'ra mim, ó foi o pedrêro que nã tem nada im l'e ter faltado a cal e a arêa ó ôtra coisa quasequer...
- Ah, sã as minhas tiradas... Vomecêa - sem ofensa!... - é que nã sabe o que 'tá a d'zer...
- Sabe mecêa...
- Atã veja s' arrenja manêra de ler o livro "Subsídios para a Monografia de Monchique" qu' um homem cá de Monchique ch'mado Gascon escreveu inda entes d' a gente os dôs nascer, que logo vê.
- A minha reforma nã me dá p'a nada, q'onto mái p'a comprar livros...
- Nã tem precisão do comprar. Vá ali à Biblioteca e peça um imprestado, c'm' ê cá fiz... Ó quem sabe lá se na Junta ó na Câm'bra tamém nã têm algum que mecêa possa ver...
- Nã precisa. Já que vomecêa pedi um imprestado à Biblioteca, conte lá o qu' é que diz lá...
- Atã, o que diz. O que diz é que, calhando, aquela parte ali da torre p'ra cá foi fêta já uns belos anos despôs do resto da igreja 'tar acabado e im uso.
- Isso há-de ter sido a famila aqui de Marmelete que foi àmentando e já nã cabiam tôdes lá drento...
Estes ladrilhos com as Tábuas da Lê sã d' agora. Mái tamém sã bonitos...
- É mái que certo... Nã vê que, nôtres tempes, vinha tudo à missa. Agora é que nem das três partes, uma, pôem cá os pés... Vá lá nestas ocasiõs de funarás e coisas assim, mài, à missa, à missa, só já os velhos assim c'm' à gente e as nossas m'lheres...
- Atã e o qu' é qu' esse tal Gascão diz lá más, no livro dele?
- Nã é Gascão, compadre jôquim, é Gascon. José António Guerreiro Gascon. Nã sê s' a famila dele era estrangêra s' o qu' é que era, más o nome era assim. E, coitado, já morreu vai p'a sessenta anos. Foi im 1950.
- E diz lá mái alguma coisa de jêto ó não?...
- Atã nã diz?!... Fala lá de tudo a respêto aqui do nosso concelho. Coisas d' antigamente, 't'a bom de ver...
'Tava-se munto bem intretidos nesta conversa, desatô tudo a antrar p' à igreja, t'vemos que se calar e ir atrás dos ôtres. E, aí, até repàirí qu' o mê compadre já nã foi p' ô mémo sito adonde ele usava a f'car sempre, logo ali p' trás da porta. Andô mái um coisinho e assantô-se uns quatro ó cinco bancos más à frente.
Ê cá estranhí, mái p'a nã me fazer rogado, vô-me atrás dele e assanto-me no mémo banco - qu' ele, p'a me dar lugar, até teve que se chigar mái p' ô mêo e inda quái qu' impurrô umas m'lherzinhas que já ali 'tavam assantadas na banda de lá.
O senhor Prior lá se pôs a d'zer a missa, a fazer aquelas cerimóinas todas p'a inc'mendar o pobrezinho do defunto e isso tudo, e o mê compadre mái que olhava p'a tôd' ô lado. P' ôs altares tôdes, p' às paredes, p' ô telhado, p' aqui, pr' ali...
Chigaram a haver quatro capelas destas. Duas de cada lado.
Logo, nã intendí o qu' é qu' ele 'tava a fazer. Só dali a um belo pôco é que alcançí qu' o homem, com a conversa que se tinha tido lá na rua, f'co todo crusidoso e, atão, vá de bispar a igreja toda duma ponta à ôtra, lá p' drento.
Aquilo passô-se.
Tã penas o interro acabô, abalamos os dôs e foi-se andando ali prêacima. Qu' o interro já foi p' ô cemitério novo, uma coisa munto moderna e munto jêtosa qu' a Junta fez lá, logo prebaxinho do ôtro.
Vinha-se a chigar ô adro, o mê compadre dá-l'e um derrepente, olha p' à porta da igreja e salta com-migo:
- Ó compad'e Refóias, vomecêa já vi bem c'm' à ingreja 'tá d'f'rente lá p' drento? E f'cô bonita, home... Com aqueles ladrilhos tôdes tã bem pintadinhos nas paredes...
- Pôs...
- ...'té pintaram lá as Tábuas la Lê e tudo, com os Dez Mandamentos...
- Tem r'zão. Aquilo, agora, 'tá tudo qu' até dá gosto. 'Tá bem qu' aquilo, anos atrás, tinha cinco altares e, agora, só tem três, mái, calhando, a coisa teve que ser assim... Pro jêto, com os sismos e ôtras coisas más, ela já foi arrenjada munta vez e, p' à sigurar d' em pé, foi sendo mudada à medida do que foi preciso...
- Agora m' alembro... Inda ele nã há muntos anos, tamém tinha um púlpito. Aquilo é que era umas prègaçõs qu' alguns padres lá faziam... Só se via era as m'lherzinhas a alimparem a água dos olhos com o lencinho...
- Atã e nã 'tá alembrado do côro?
Désna d' há tantos anos, q'ontos é que nã tariam sido baptizados aqui?...
- Ora se 'tô... Eram im madêra, logo ali p'r cimba da porta dos homens. Sim, qu' a das m'lheres era a que vinha lá do lado da sacr'stia.
- Pôs era... E tamém tinha dôs confessionáiros, más ó menes a mêo, um de cada lado, mái c'mo eram de madêra, tamém se foram...
- Vá lá que a Pia Baptismal é de pedra e nã se gasta...
- E bonita qu' ela é...
- Inda m' alembra de ser lá baptizado, veja lá...
- C'm' é que s' alembra duma coisa dessas?... Ê cá nã m' alembro do mê bàtizo.
- Atã nã vê qu' ê fui criado à manadia, a minha mãe nunca ligô a isso, só me baptizí já era crecido... Olhe, foi q'ondo a gente andô os dôs na escola-paga e na catequese...
- Ai, é verdade... Agora m' alembra... Inda mecêa falô em ê cá ser o sê padrinho, mái o padre nã dêxô.
- Pôs foi. C'm' ê cá sô um coisinho mái velho, ele des que, despôs, o afilhado nã tinha respêto p'r o padrinho...
- E lá nisso teve r'zão. Que vomecêa nunca se dá p'r aquilo qu' ê cá l'e digo. Olha que belo afilhado qu' ê arrenjava... Mái, nã cude, q'ondo mecêa se portasse mal, logo via c'm' é qu' elas l' ardiam... Õvi-as, e das boas!...
- Já mecêa 'tá no gozo... Cale-se p' aí, que tomara mecêa dar conta de si... q'onto más dos ôtres... Tem munto que falar...
E mudô de conversa, p' à igreja, ôtra vez.
- Olhe lá, compad'e Refóias, ele inda me f'cô aqui uma coisa qu' ê cá nã intendí munto bem. Olhí lá p' ô altar-mor, lá im cimba, e 'tava lá uns numbres, béque-me uns uns e uns setes e um cinco... Nã f'quí a saber bem que data era aquela...
Ele há quem diga qu' o que 'tá ali é "1751". Sará?...
- D'zer a verdade, ê cá tamém nã 'tô munto certo naquilo. Mái o tal Gascon que escrevé o livro, que pro jêto era um homem munto sabido nestas coisas e, tamém, des que munto amigo de tudo cá do nosso concelho, pôs lá qu' aquilo era "1751", um coisinho entes de vir o tal sismo qu' arrasô com Portugal quái todo.
- S' ele diz, é que lá sabe... Mái, cá p'ra mim, o último númere dá-me mái jêto a ser um sete do qu' um um. Veja bem qu' ele é tal e qual o sigundo.
- Calhando, foi coisa d' algum que pintô aquilo alguma vez e s' atribuíu...
- Nã teve nada im ser, sa senhora.
E p'r 'quí me fico.
Querendem ver mái um retrato ó dôs da Igreja de Marmelete, acalquem aqui na Galeria da Igreja de Marmelete, fazendem favor. E, já agora, vejam tamém o qu' o tal senhor José António Guerreiro Gascon diz de Marmelete, no sê livro "Subsídios para a Monografia de Monchique", que toda a famila de cá de Monchique havera de ler. E os de fora, tamém.
Até um destes dias.
Fiquem-se com Dés.
Mais uma igreja tristemente vandalizada pela ignorância. Aí como aqui pelo Oeste Selvagem...
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