16 janeiro 2007

Im Al'zur inda se gràdêa a terra

Gradeando a terra Com Al'zur já à vista, dí com este amigo bom a gradear um pedaço de terra p'a samear favas.

Ontordia, fui ali p' àquelas bandas d' Al'zur, qu' é uns sitos qu' ê cá gosto ô bem fêto. Nã vêem, a famila de lá é quái c'm' à gente aqui, qu' aquilo, a bem d'zer, é méme ô fim da decida da serra, passando ali ô Marmelete, p'a poente, e eles lidam na terra tal e qual c'm' à gente usa aqui.

E olhem qu' inda têm p'r 'lém umas varjas que pr'duzem que, p'ro jêto, paga bem a jorna. Com respêto atão a batatinha-doce, nã há melhor qu' àquilo... E, falando de blancias e alcagóitas, s' a gente prècurar désna de lá até ô Odecêxe, atravessando ali prê adiante p'r o R'gil e Mari' Vinagre, têm semp' coisa de pr'mêra...

Mái c'm' ê cá ia d'zendo, fui p' ali p' àquelas bandas e dí com uma coisa que já nã via há um belo tempo. Andava um amigo de lá a gradear um pedaço de terra qu' ele já tinha lavrado, p'a tapar umas favas, qu' a estas horas, calhando, já têm flor. E tudo à moda antiga.

Lá tinha o sê carrinho-de-besta dele, a mula e a grade de madêra. A charrua é que havera de 'tar gôrdada im casa qu' o homem já tinha lavrado a terra tempos antes. Já se vê que nã dí passado sim meter conversa com ele. Más a más qu' o homem via-se logo que nã s' emportava com isso, que tinha cara de boa pessoa.

E méme a besta, uma mula bem apresentada, um coisinho mái p' ô magro que p' ô gordo, - o dono, tamém, nã l'e podia dar as favas todas de r'ção que tinha qu' as samear... - nã l'e par'cé nada mal um coisinho de palêo do dono qu' assim semp' descansô um belo pôco. Más a más que l' andavam p' ali umas moscas cavalares a picar p'r tudo q'onto era sito e, assim, semp'e l'e jogô um fiaço com os dentes...

Gradeando a terra A pobrezinha da mula nã emportô nada qu' a gente f'casse um coisinho no palêo...

Ê bem l'es gostava de d'zer a conversa toda qu' ê cá tive com aquele amigo, mái c'm' já se passaram uns belos dias, qu' é c'm' quem diz uns dôs meses ó três, e nã t'mí nenhum apontamento, que papel e láp's, naquela altura, vist-los, já nã m' alembra bem de tudo.

Atão, o mái que posso fazer é l'es contar as que m' alembro e engeròcar p' aqui ôtras tantas, qu' isto tamém nã há-de fugir munto ô que se passô e o homem nã é pessoa p'a l'e par'cer mal p'r tã pôco:

- 'Teja com Dés, amigo!...

O homem dá logo vaia à mula:

- Aí, ó!... Quetinha, aí!...

Põe as duas arreatas da mula na mã esquerda, sigura na pala do boné com dôs dedos da ôtra, e, com os ôtr's três, põe-se a acossar na cabeça, um coisinho p'r cimba da orelha. Franze a testa e os olhos, inq'onto me fita um belo coisinho, c'm' quem diz:

- Quem sará este, que nã no conheço de lado nenhum, mam?...

E lá se resolvé a me falar:

- Venha com Dés, amigo... Mái atã, 'tô p' aqui a dar voltas ô miolo e nã m'a lembra s' o conheço ó não...

- É mái certo nã me conhecer que me conhecer, qu' ê cá pôc' p' aqui venho, a nã ser assim uma ocasião de festa ó coisa assim... E, béque-me, tamém nã tenho idéa de já o ter visto. Só se p'r aí nalguma fêra daqui d' Al'zur ó ali de Marmelete ó da Monchique, que se tenha calhado a ir os dôs...

- Eh'q, ê tamém pôco vô-me aí p'a essas bandas, qu' isto, agora, as fêras já nã têm jêto nenhum. Désna que se dêxô de poder comprar e vender gado, atão... 'tá tudo morto...

Aí, a conversa desandô p' ô lado dos g'vernos e dos partidos e dessas p'requêras todas, mái isso é coisa que nã ent'ressa agora aqui e passa-se adiente:

- Atã, inda vai gradeando a terrinha méme dessa manêra?... Já quái tôd's têm p'r 'í nem que seja um trectorzalho daqueles pequenos, uns qu' um homem l'e vai sigurando que nem no guiador duma b'cicleta a podal...

- Olhe, p'a l'e d'zer a verdade, já pensí tamém im comprar uma coisa dessas, mái, aqui há temp's, fui à do mê compad' Zé Junquêro e ele tem lá um. Tanto brigô com-migo, tanto brigô, qu' ê fui exp'r'mentá-lo. Mái, achí-l'e pôco jêto...

- Nã me diga que nã s' intendé com ele...

- Ôtra coisa é qu' ê nã l'e posso d'zer... Cale, se aí, home. Aquilo, logo, pôco mái faz que esg'ravatar no chão, volta a terra de cima e, lá no fundo, nã l'e toca. Despôs, tem que s' andar l'gêro atrás dele e p' ô aparar carregar p' ali nuns botõs e numas coisas qu' aquilo tem ali que parêcem travõs de b'cicleta...

- Ah, sim?...

- Sa senhora. Más um nada, inda ia prantando com ele dum cantêro pr' ô ôtro, veja mecêa bem... Aquilo, uma roda pasô p'r cimba dum talicão que p' ali 'tava, dé um gangueão, volta-se p' ô ôtro lado sem más esta nem más aquela, se nã é o mê compadre l'e jogar as unhas, ia ô combro abaxo. Ora ia...

- Mái atã, aquilo nã é quái o mémo qu' ir agarrado aí às arreatas da su mula e...

- Que jêto?!... A minha mula é só l'e dar vaia, ela obedêce logo. Dig'-l'e "aí, mula!", ela apara. "Anda, mula!", lá vai ela. "Toma, chó! Vai ô rego, Ramelosa!...", e ela end'rêta logo o passo. Olhe lá p'ra estes regos qu' aqui 'tão... Já vi' coisa mái bem fêta?... E com o trector nã é nada disso...

Gradeando a terra O homem desatô, ôtra vez, a gradear e, d'zer a verdade, a velhaca da mula Ramelosa 'tava bem insinada...

Ê cá olhí p' àqueles reguinhos tã bem fêtos mái pensí qu' o homem que saria um coisinho - com l'cença da palavra - caganêroso a fazer a lavoira com a charrua. E, atão, dig'-lhe:

- 'Tá um trabalho bem fêto, sa senhora. Atã, e despôs, o qu' é que vai samear aí?... - Cudando qu' ele havera de 'tar a arrenjar a terra p'a umas batatas de retorno, coisa assim.

- O qu' é que vô-me samear?!... Atã nã vê que já 'tão aqui favas e 'tô a tapá-las com a grade...

E volta-se p' à mula e dá-l'e ordem de marcha:

- Anda, Ramelosa!... Qu' é do rego, mula!... Toca a andar qu' inda se tem munto que fazer hoje...

Aí, dêxô-me desarmado... Béque-me, até, assim um coisinho embatucado, qu' ê cá, com aquele palêo todo, inda nã tinha dado p'r o qu' o homem andava a fazer. Eh'q, ê tamém tinha-me era posto a olhar mái p' à mula que p' ô chão. Qu' o bicho lá bem arreado 'tava...

Tinha ali os preparos tôd's qu' era preciso p'a fazer o trabalho. Mái inda o qu' ê gostí más foi três coisas: a grade, - uma coisa im condiçõs - o cabresto - com uns entrólhos ô consoante - e o molim - quái novo e com umas cores méme d' encher o olho. Aquilo, q'ondo o homem l'e põe o carro-de-besta im cima, há-de fazer um figurão...

mulaCarro de besta A mula 'tava bem arreada e o carro-de-besta im munto bom estado...

Qu' o carro-de-besta vê-se qu' anda ô serviço, mái tamém 'tá im munto bom estado e pintadinho c'm' deve de ser. E bem ac'm'dado, bem d'rêtinho no sê descanso, estribo voltado p'ra cá e travõs a fundo p'a nã abalar dali. Só nã l'e vi foi o taipal de trás, a ver se l'e tinham posto as letras do nome do dono, c'm' no do ti Armindo de Boavista.

De manêras que, lá foram eles, homem e besta, gradeando até à ponta e, em chigando, ôtra vez, ô pé de mim, nã tive ôtro reméd'o senã d'zer-l'e adés. Eles qu'riam o serviço fêto e ê cá tinha qu' abalar qu' os dias sã pequenos e o tempo nã chega p'ra nada...

- Atã, até um dia destes e passe munto bem p'r cá...

- Vá com Dés, amigo, e parêça p'r 'qui lá p' às bandas da Páscoa qu' ê dô-l'e umas favinhas p'a mecêa c'mer...

- Dés l'e pague. Calhando a vir, logo o précuro...

- Nã tem precisão disso. Venha aqui e, se nã me ver, panhe à su vontade e leve.

- Olhe, s' ê nã vir cá nessa altura, venho, despôs, à fêra da batata-doce e logo se come ali uns percebes os dôs...

- E nã vem nas duas vezes p'r mode quem?... Olhe qu' a fêra inda 'tá munto desviada.

- Logo se vê, logo se vê...

Nã se pode d'zer que nã tenha havido boa vontade de parte a parte, lá isso não...

E lá f'cô ele a gradear, semp'e a dar vaia à Ramelosa e ela a fazer o qu' o dono mandava, béque-me, até com um coisinho de presunção. Nã sê é s' era p'r mode o molim que levava no pescoço ó se p'a amostrar que nã era burra e aprendia o qu' ele l' insinava...

Gradeando a terraGradeando a terra Com l'gêreza do animal e as vozes do dono qual era o trector que fazia o serviço mái depressa e tã bem fêtinho?...

E p'r 'qui me fico qu' o tempo nã dá p'ra más.

Haja saúde e até qu' a gente se veja.

8 comentários:

  1. Ai Parente ... que coisas tã boas dão essas terras d'Alzur! Bons tempos passei aí quando era moça pequena e em Odecêxe tamém. Ainda hoje gosto de ir por aí quando vou pra Lagos e comprar essas coisinhas maravilhosas, que quase na encontro. Além da bela morcelita de farinha no talho da Bia, em Odecêxe. E, já agora, s'o Parente saber onde vendem as alcagoitas, email-me faxavor, que na tenho encontrado. Mtóbrigada.
    Fique com Dés Parente e mái a su Maria.

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  2. Este blog fez-me lembrar o meu querido avô, que Deus tem, que também gradeava a terra com a sua "Redonda" (uma mula marafada,teimosa que só ela!)... Hoje em dia, o meu pai já usa um tractor como o que refere, com guiador, quando quer semear qualquer coisita!
    Saudinha, compadre!

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  3. O carro de bestas lembrou-me justamente, o do ti'Armindo da Boavista, pelo colorido.
    Ainda bem que ainda há quem recuse as modernices, e nos dê o prazer de poder contemplar as belas formas tradicionais de cultivar a terra.
    Falando em terra e em Aljezur, fiquei cá com um desejo duma bela batatinha-doce desses benditos campos, bem roxa e sabendo a mel, assadinha em forno de lenha!

    Um beijo para si e para a sua querida Maria.

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  4. Recomendaram-me o "sítio" e agora quero comunicar que vou, imediatamente, coloca-lo na nossa lista de favoritos. Estamos no começo mas também somos serrenhos... Sabe bem ler cada palavra. parabéns.

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  5. Julguei que tinha chegado a Marte e éramos todos diferentes dos da Terra, da CEE ou lá o que é. Que maravilha o orgulho de fazer isto! Um abraço, Parente.

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  6. Há uns anos tive pena de uma burra que estava para venda, só com pele e osso, suja de estrume e com aquele olhar doce que só os burros sabem ter. O comerciante montou-a, chegou-lhe o arado e mostrou-me como ela era obediente e sabia fazer de tudo um pouco. Comprei-a por dó e não por necessidade. Dei-lhe banho, sequei-a com secador de cabelo :)) e ficou solta nos pastos a comer tipo self-service. Adora-me e eu a ela. Há dias tinha cá uns pequenitos e pensei em fazer pequenos passeios com os cachopos montados nela. Bem, se vissem...aquilo era só coices para todo o lado. Como a dizer: Mas que é isto? Outra vez escravidão? Não!!
    :)))))))))))

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  7. Rec'mendaçõs p'a tôd's, mês belos amigos.
    E, olhem, a burra qu' a Ana Ramon tem narcé burra, mái parva nã é... Com o bom trato tornô-se ruaz. E fez ela senã bem...

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  8. Olá sou do Brasil, parabéns pelas belas fotos e a todos pelos comentários. Abraços.

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