04 abril 2007

A Pr'cissão dos Ramos

Procissão dos Ramos - Monchique
Já a frente da pr'cissão vinha aqui à Praça, inda os últ'mos 'tavam a abalar do Senhor dos Passos...

Pôs foi tal e qual c'm' ê l'es tava a d'zer... Se nã alargo o passo ali ô primo Zé Mira prêacima - Dés o tenha com Ele - qu' a minha Maria até f'cô p'a trás quái arrèlada, nã chigava ô Senhor dos Passos a temp's de ver a pr'cissão abalar. É qu' a Cruz já 'tava na rua, c'm' viram no retrato do ôtro dia.

Q'ondo dô de frente com aquilo, logo, com o alv'riamento de vir atrasado, inda pensí:

- Já perdeste de vestir uma opa, que nem p' à ingreja dás passado...

Mái, despôs, olhando bem, é que repàirí qu' os homens, ô fim de contas, nenhum vinha com opa. Só os irmãs da M'sericórdia, que vinham um coisinho lá mái p'a trás, im roda do Senhor Prior, é que traziam o b'landrau. E tôd's munto bem apresentados com ramos de palmêra más altos do que eles. Mal se via os olhos d' uns tantos...

Passado um belo pôco, a pr'cissão lá arrompeu e, inda assim, p' àquilo qu' ê cá cudava, ajuntô-se bem munta famila... É qu', aí uma hora entes, nem tanto, o astro tinha-se toldado qu' era um d'sparate e inda caíram umas três ó quatro pingas de chuva, dumas nuves que parceram ali do lado do poente.

Ora se se dá o caso d' ele nã descampar, nem pr'cissão havia, q'onto más a famila ir lá p' às bandas do Senhor dos Passos... Ia era logo tudo, d' infiada, p' à Matriz e, pronto, lá se perdia uma pr'cissanita tã bonita. A minha Maria, ô sintir o tal aguacêr'salho, inda pôs o avental p'r cimba da cabeça e dé, béque-me, assim um "ai, que lá se fica sem p'recissão...".

Foi aí qu' ê cá m' alembrí de fazer o tal contrato. E nã foi lá grande idéa me vir tal coisa à cabeça... É qu' ela ganha-me tôd's dias!... Vá lá, qu' inda ela nã l'e ter dado p' à orde ser "enjoelha-te!" já foi uma grande coisa... Um ano foi assim, acabedô-me ter de m' enjoêlhar umas dezoito vezes. Pôs, foi méme dezoito, que bem m' alembra que foi a conta do sapo, sa senhora.

A menina Ana Pinto contô aquela parte da tia dela, que Dés a tenha, se ter fêto de pobrezinha, com um xale e um cajadinho e tudo, ali na' Escadinhas do Relójo, p'a ganhar um contrato. Pôs a minha Maria tamém já me fez uma par'cida com essa, aqui há uns dôs anos.

Procissão dos Ramos - Monchique
Tanto faz a Irmandade c'm' ôs Escutas, vinha tudo c'm' devia de ser...

C'm' na Sexta-Fêra Santa nã é dia de se fazer nada, qu' é um dia tã santo, tã santo, que nem tampôco as m'lheres podem trocer a rôpa, ela tinha fêto a cama de lavado na béspra, mái nã lavô os lençós qu' era um grande pecado.

Mái, méme nã tendo lavado a rôpa, estendeu esses ditos lençós munto bem estendidos, c'm' se 't'vessem a inxugar, im cimba dumas pernadas d' ol'vêra que 'tavam ali ô canto da rua.

Ê cá alevantí-me bem de manhãzinha cedo, a ver se nã perdia o contrato, isto no Sáb'do d' Aleluia, e jã nã na vi im lado nenhum. Pensí logo qu' a coisa nã me 'tava munto boa cá p' ô mê lado, mái cudí qu' ela 'taria descondida n' alguma sobrêra ó coisa assim, ali p'a trás de casa. Ora, fui com munto jêtinho p' a m' assomar p'a lá.

A marafada tinha-se alapado debaxo dos lençós - quem m' havera de d'zer... - dêxô-me passar p' ô lado de lá, tã penas me panhô de costas, salta num cagaçal "enjoelha-te! enjoelha-te!" e lá tive que l'e pagar as amêndoas... E inda o que mái me custô nã foi ela me ter ganhado o contrato, foi foi ela vir assim p' trás, à falsa fé, qu' ê cá até dí um salto com a cagúifa que panhí...

Mái, voltando à pr'cissão, qu' é uma coisa qu' ê gosto semp'e munto de ver, aquilo 'tava tudo bem terminado e, que fossem nôv's que fossem velh's, via-se qu' iam lá tôd's com munta crença e respêto. Isto aqui im Monchique, a famila inda veve à manêra de c'm' há bem munt's anos, nã é c'm' nalguns sitos que sã quái tudo já uns herejes...

O que me dá mái pàxão, nesta pr'cissão, é qu' inda bem nã c'meçô já 'tá de resto e andores nã leva. Só o Estandarte da Irmandade. Más olhem que bonito é ele ô bem fêto e há-de ser uma coisa de munto valor... Quem saber melhor do qu' ê cá, que nã sê nada, faça favor de m' insinar.

Procissão dos Ramos - MonchiqueProcissão dos Ramos - Monchique
Este Estandarte da Irmandade é bonito até mái não. E, em valor, nã sê o quem tem...

Em a pr'cissão 'tando drento da Matriz, o Senhor Prior desata logo a d'zer a missa, mái há quem tenha o c'stume de f'car ali no adro de palêo. Isto na classe dos homens, já se sabe, qu' as m'lheres, essas, antram todas e vã, logo, lá bem p' à frente. Só já nã usam a pôr o véu, qu' isso foi, béque-me, uma coisa qu' a famila se foi desquecendo e já passô de moda faz munto tempo.

Nã sê que jêto uns q'ontos usarem a fazer isto. Já nos funarales é a méma coisa... Tarã medo qu' o telhado l'e caia im cimba?!... Uma vez, ôvi o Senhor Prior fazer esta prècura, mái nenhum l'e dé reposta.

Pôs, D'mingo de Ramos dé-se o méme caso e ê cá tamém inda f'quí ali um belo pôco, que fui panhado p'r uns amig's e nã me furtado, assim sem mái nem quem. E já agora, semp'e l'es conto c'm' é qu' a coisa se passô.

Ê vinha assim com umas folhinhas de palma benta numa mão, que nã dava trazido um ramo entêro, e máquina de retratos nôtra. Até quem me dé essas folhinhas foi o mê compad'e Jôquim do Barranco, que tamém pertence lá Irmandade e vinha com o sê b'landrau e um ramo de palmêra daqueles inda mê p'r abrir com as folhas assim mái p' ô lado do branco que p' ô verde.

O homem faz presunção de s' apresentar sempre que melhor nã haja: um b'landrau in condiçõs e um ramo de palmêra dos mái vistôsos.

E atão, logo ali, à chigada ô adro, vejo dôs, de costas, numa grande conversada. Olhí melhor, pensí cá p'ra mim:

- Ó passo desapercebido ó, se me lombrigam, já nã me visto livre deles... Aquilo sã o Tóino Roça e o parente Abíl'o Pastana...

E eram. Inda briguí p'a ver se me dava metido assim ali p' ô mê da pr'cissão, mái aquilo, a famila, vinha já tudo pertado p'a antrar na igreja, nã me dí arrumado de manêras qu' eles nã repàirassem im mim.

Procissão dos Ramos - MonchiqueProcissão dos Ramos - Monchique
Cá im tôd' ô Algarve, é d' adregue haver uma terra qu' a famila seja tã amiga de par'cer semp'e nestas coisas.

- Ó parente! Parente!...

Inda fiz que nã tinha ôvisto, de cara bem voltada p' à frente e quái sem pastanejar. Más o parente Abíl'o nã me largô da mão inq'onto nã me fez olhar p'ra ele:

- Parente Refóias! Venha cá!... Ande cá aqui ô pé da gente, nã fuja. Atã que figura é essa?...

Lá tive qu' ir, pôs atão...

- Nã me diga que 'tá zangado aqui com o mê compad' Abíl'o, que já nã digo com-migo?!... Béque-me nã qu'ria vir...

. Qual o quem, nã vê qu' ê ia ali t'mando sentido à pr'cissão, nã l'ví repáiro de vocêas...

- Ai homem marafado!... Pensa que m' ingana?!...

C'm' à coisa nã me 'tava a calhar, p' a l'e trocar as voltas, d'sfarçí a conversa e mudí d' assunto:

- Mái désna de q'ondo é que vomecêas os dôs sã compadres?... Atã o Abíl'o nunca casô e vomecêa, parente, inda nunca teve filhos... E, agora, calhando, tamém já nã pensa nisso...

Salta logo o Abíl'o Pastana:

- Atã nã somos compadres de palmas?!... Olha, e faz hoje anos... É D'mingo de Ramos que se faz aquilo dos compad'es de palmas com as palmas bentas.

- Hoje em dia, já ninguém usa a fazer isso, mái nôtr's temp's, era munto de c'stume fazer essa sortes.

- Pôs ê cá tamém já fiz isso, aqui com o tê parente Tóino, há coisa aí bem duns trinta anos...

- P'ra más do que p'ra menes, compadre... Tinha-se vindo da tropa fazia pôco tempo. Ele há más é perto duns q'ôrenta...

- Bom, mês amig's, tenham pacência mái, agora, vô-me andando, qu' ê tenho qu' ir à missa. E s' a minha Maria nã vê lá, inda me dá alguma desanda...

Era ê cá a ver se me livrava deles...

- 'Pera aí... Que pressa é essa?... Dêxa-te 'tar aqui mái um coisinho com a gente. Ó tens qu' ir comprar a bula, nã se vã elas acabar...

- Nã se brinca com coisas dessas, Abíl'o... Olha que fazes pecado...

Procissão dos Ramos - Monchique
A pr'cissão antrava na porta da Matriz e ê nã dava tirado as vistas deste pórtico, bonito até mái não, l'e chamam eles, os que sabem, "pórtico manuelino"...

Inda ê cá era moç'-pequeno, é qu' havia as bulas. Agora?!... Isso já acabô há munto tempo. Nã sê s' inda s' alembram, em quarta-fêra de cinzas ó um d'mingo entes, ia-se à sac'stia e comprava-se-as, qu' era p'a se poder c'mer uma carninha durante a q'ôresma. Isso, n' alguns dias, qu' às sextas-fêras, nem com bula nem sem bula...

P' à casa cá do Parente, qu' era pobrezinha, comprava-se uma de quatro destõs, agora p' à casa daquela famila de mái posses tinha de ser das de cinco e até de dez. Mái, ô menes, f'cava-se d'spensados de abst'nêinça aqueles dias tôd's... Tirando as sextas-fêras e sáb'd' Aleluia, 'tá bom de ver.

E agora, vêm aí as endoenças. Vamos lá a ver o qu' é qu' o tempo pr' 'í faz, qu' isto, c'm' ele tem andado, nã se dá governado vida fora de casa e, em havendo pr'cissõs, 'tá o caso mal parado.

Atã, boas endoenças p'a tôd's e uma Páscoa chêazinha de folares com muntos ovos e, já agora, tamém umas Sitedoinhas p'a endoçar a boca dos g'lôses. P'r menes, p' à minha Maria aquilo é uma g'lusêra que nã dô conta dela. Se nã l'as escondo, come-as todas d' enfiada... Inda me panha p' aí os diabêtes...

Entes d' acabar o post dum todo, só mái uma coisa que já m' ia desquencendo. Dés l'e pague àquela amiga anónima que fez um c'mentáiro no post entes deste e dêxô aquela lengalenga dos contratos.

Se nã l'e par'cesse mal, ê cá punha aquilo aqui no glossáiro e fazia menção à su famila, s' acuaso qu'sesse e me d'zesse quem são. Faça-me lá esse jêto, minha bela amiga... Nunca s' arrependa de fazer bem.

Atã, fiquem-se com Dés.

3 comentários:

  1. Não se esqueça de guardar o raminho atrás da porta da entrada para dar sorte.

    A palavra "endoenças" também se utiliza na zona de Idanha-a-Nova, mais ou menos com o mesmo significado.

    Abraço e boa Páscoa

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  2. Tenham um tempo BOM e de PAZ, meus amigos "serrenhos". Abraço a Norte!

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  3. Que grande carreiro de gente que vai na procissão! Por que motivo só os homens trazem os ramos de palma?

    É uma alegria ver os estandartes e saber que a população ainda se mobiliza em torna deste tipo de eventos. é igualmente um prazer poder apreciar o magnífico portal da Igreja Matriz, que é uma das mais belas referências da arte manuelina de Norte a Sul do país!

    Uma Santa Páscoa a todos os que passam por aqui, e em especial ao Parente e à sua Maria.

    P.S.: Afinal quem ganhou os contratos, vocemecê ou a sua Maria? Cá em casa, a minha mãe repetiu a vitória :)

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