- Ó Maria, esta q'ôresma inda nã fazemos nenhum contrato. Entes de s' abalar p' à Pr'cissão dos Ramos, nã se faz um?...
- Olha que bela alembrança que tu t'veste... É qu' ê cá tenho preciso de quem me compre umas amendoinhas p' à Páscoa...
- 'Tá bem que tu, gavina c'mo és, gánhas-me quái sempre, mái vam's a ver s' este ano ê te faço a parte...
- Atã e o qu' é que se paga? Aquele que perder, 'tá bom de ver...
- Olha, se fosse nôtr's temp's, podia ser uma amendoinha de cinco destõs, mái c'm' é agora, escolhe tu.
- Ah, ê cá quero um ovo da Páscoa, daqueles de escolate, munto bem imbrulhadinhos naquelas pratas tôdas incarnadinhas e amar'linhas, que vendem ali naquele supermercado novo, o Sol e Serra e um pacotinho de amêndoas daquelas de p'nhão...
- 'Tá combinado!... Mái vê lá nã tenhas de ser tu, este ano, a alancar com isso... Se ser ê cá a pagar, ficas já sabendo qu' ê compro é à do João Padêro, qu' é mê amigo, e ê nã m' intendo lá munto bem com estas coisas m'dernas destes supermercados d' agora.
- Logo se vê... Mái nã faço essas contas de ser ê cá a ter de puxar da nota... E nã vale im casa. Só na rua é que se pode mandar olhar p' ô céu.
P'a se fazer um contrato engancha-se os dedos desta manêra.
- Atã, ingancha aqui o dedo miminho no meu. Vá...
Contrato contrato, Contrato fazemos, Sáb'd' Aleluia Desmancharemos.
- Olha p' ô céu!!!...
Diz logo o raça da m'lher, munto limpêra, inda mal nã tinha acabado a lenga-lenga, que nã me dé tempo a coisíss'ma nenhuma. E, munto descontravondade, lá tive qu' olhar p' ô céu, pôs atão...
Mái pensí: "dêxa 'tar, qu' amanhã ê logo te dô o arroz..." E vá de dar voltas ô miolo a ver c'm' é que l' havera de fazer a parte, no dia a seguir - que foi esta manhã - e ser ê cá a l'e ganhar.
De manêras que, andí tôd' ô D'mingo de Ramos a ramoer naquilo a ver se lombrigava uma manêra d', esta manhã, l'e mandar olhar p' ô céu pr'mêro que ela. E o qu' é que m' havera de dar na cabeça? Desconder-me no alpendre, p'r trás dum emparo qu' ê fiz ali com uns paus e umas jastras.
Ora, esta manhã, alevantí-me, já nã na vi na cama. Fui munto d'sfarçado, c'm' quem nã quer a coisa, munto devagarinho p'la casa de fora, escutí, oiço um remôrzinho na cozinha. Pensí, logo:
- É ela que 'tá a fazer o café...
Aibro a porta da rua com munto jêtinho, vô-me todo incostado à parede, ô passar p'r a j'nela da cozinha, agacho-me e fui ingat'nhando até passar p' ô lado de lá, p'r a ela nã me ver, e chêgu' ô alpendre, munto l'gêro, fazendo conta que, q'ondo ela saísse à rua, cudando qu' ê inda 'tava dêtado, era méme à medida...
Pôs, a medida foi que, q'ond' ê me vô amalhòfar lá p'r trás do tapigo, já a marafada lá 'tava... Ora, um homem, assim de chofre, fica insampado nem sabe o qu' há-de fazer... E ela, que já 'tava à coca, salta logo, ôtra vez:
- Olha p' ô céu!!!...
Ah, fado dum ladrão!... Lá f'quí todo imbatucado e tive qu' olhar mái uma vez p' ô astro. Tamém fíze-o assim quái d'sfarçadamente e apr'vêtí a ver s' ele choverá pr' aí ó não, qu' ê despus p' ali umas t'matêras e nã me calhava nada que l'e chovesse im cimba. E ele nã 'tá lá munto certo, nã senhora...
- Mái atão tu nã 'tavas a fazer o café?!... Béque-me t' ôvi lá a dar r'môr na cozinha...
- Isso foi ê cá que dêxí a escolatêra ô fogo com a tampa mê alevantada p'a nã escorrer p'r cima. E a água já há-de 'tar a f'rver...
- Ah, m'lher marafada... Mái atã ê nã te ganharê uma vez?!...
E nã l'es digo nada. Isto 'tá ruim, qu' a marafada da minha Maria é mái fina qu' o azête... Tenho que m' aprecatar munto bem senã ela ganha-me más é o contrato no Sáb'd' Aleluia...
Ê cá, despôs, logo l'es conto. Se m' alembrar...
Com a ãinsa de fazer o contrato, q'ondo chigamos à igreja do Senhor dos Passos, já a pr'cissão 'tava quái a sair...
Ô certo, ô certo é que, no D'mingo de Ramos, com aquela ãinsa toda de fazer o contrato, q'ondo chigamos à igreja do Senhor dos Passos, já a pr'cissão 'tava na rua, quái a sair p' à igreja Matriz.
Essa parte logo l'es conto amanhã ó despôs.
E se fazeram algum contrato, tenham munta conta p'a ganhá-lo e c'mer umas amendoinhas de graça no Sáb'do d' Aleluia...
Passem tôd's munto bem.
Mais marafada que a sua Maria, só a minha mãe, que logo à meia-noite do sábado de Aleluia do ano passado, apareceu de rompante na sala para me apanhar de surpresa ao dizer "olhe para o chão, menina!". Lá tive de oferecer-lhe um pacote de amêndoas de sobremesa. Mas este ano estarei prevenida!
ResponderEliminarA minha tia Maria contava-nos sempre a história de quando era moça, se ter disfarçado com um xaile e uma bengala às Escadinhas do Relógio para ganhar os contratos que fez com um seu pretendente... Ao menos ficam-nos estas histórias.
Fico desejosa de ver mais fotos da procissão de Ramos.
Querido amigo que não percebi nada desse contrato. Diz-se a lenga-lenga e depois? Por quantos dias? Quem ganha e porquê?
ResponderEliminarÉ o que se perde por não serem divulgados os nossos usos e costumes. Em contrapartida importamos os usos de outros países. Fico à espera da explicação. Um beijinho :))
O compadre
ResponderEliminarTem uma memória dum “elefante”, como é que o compadre consegue retratar essas histórias que os mais modernos só vagamente ouviram contar. E alguns nem sequer sonham que existe. É bom saber como a vida era no passado e também no presente, que ainda decorre em Monchique, principalmente para os que estão ausentes de Monchique. Num Monchique rural com as sus gentes, as suas tradições, a sua fé, e acima de tudo, toda a alma dum povo que teima em não deixar desaparecer, as suas tradições. Bem-haja por nos reavivar a memória, por nos dar a conhecer um Monchique profundo onde existe o seu melhor. Sim este, é que é um verdadeiro serviço público, prestado à comunidade, com amor e total desinteresse, a bem da divulgação da nossa terra e da nossa cultura.
Ficarei como sempre à espera de novas notícias com novos desenvolvimentos.
Um abraço, até sempre
Minha bela amiga Ana Ramon
ResponderEliminarAcalque na palavra contrato lá no post que vai parar à dexplicação.
Tenha uma bela semana santa.
Parente,
ResponderEliminarÉ a primeira vez que lhe escrevo, apesar de visitar o seu blog pelo menos uma vez por semana.
Aproveito para o felicitar por este trabalho, que de certeza lhe dá muito trabalho mas também muito gozo. Não calcula o que eu (e todos aqueles a quem tenho recomendado este blog) nos divertimos - você dá o mote e nós vamo-nos lembramos das coisas que nós próprios vivemos.
Já agora aproveito para contar o contrato (a lengalenga)que se faz na m/ familia:
(dito em conjunto) Contratos contratos / contratos faremos / quando nós nos veremos "ajoelharemos" ou não ajoelharemos? -
(Um deles responde) - "Ajoelharemos".
(dito em conjunto) - Sábado Aleluia os nossos contratos desmancharemos e Domingo de Páscoa os nossos folares repartiremos.
(o mais rápido diz) - Ajoelha-te
Obrigada pelo seu blog
Parente: tenho andado um pouco ausente pois vão-se multiplicando os afazeres com o regresso à actividade profissional...
ResponderEliminarAproveito para desejar uma Excelente Páscoa, a si e à sua Maria e, já agora, boa sorte aos dois para o culminar do contrato amanhã de manhã! Estou curiosa para saber quem vai levar a melhor! E por falar em Zé PAdeiro tenho de ver se encomendo de lá um folarinho que cá por cima não têm o mesmo sabor:(
Beijinhos meus e da Zabelinha (que está uma delícia!!)
Viva,
ResponderEliminarO seu blogue é o máximo, amigo, imagino a trabalheira que tem para escrever o seu monchiquense. Já tentei várias vezes e nã é nada fássl! Soube há dias do seu blogue por um amigo e aqui venho dar um contributo tardio sobre os contratos. Na nossa família (somos de Marmelete) os contratos não se podem ganhar debaixo de telha, isto é, só se manda o outro ajoelhar ao ar livre e sem qualquer telhado por cima da cabeça. As versões modernas já incluem outros pagamentos: uma ida ao cinema, um jantar fora, ou o que a imaginação e a bolsa permitirem. Modernices, acompanhadas das respectivas amêndoas, claro! Continue, vou espreitando sempre que puder. Um abraço.