Na ressilvêra, q'ondo ê cá era moç'-pequeno, usava a par'cer uma zôrra lôca a berrar...
Uma ocasião, vinha ê cá, à pata, mái o mê compad'e Jôquim do Barranco, ladêra f'rmosa prêarriba, a se chigar méme à curva da Ressilvêra, aquilo era já quái ô lusco-fusco, mái o astro 'tava carregado e, atão, quái que nã se via nada.
Tinha-se ido ô alagar dos Casás - no tempo qu' ele inda foncionava - premode umas zêtonas que se levô p'a lá, a ver q'onto é que tinham rendido im azête. E foi coisa pôca, qu' aquilo, já nesse tempo, eles pagavam mal. Mái, d'zer a verdade, inda era um lugar adonde faziam azêtinho do bom. Qu' o de Marmelete, da famila Furtado, tamém nã l'e f'cava atrás...
Nisto, oiço o piar dum mocho - "uuuuh!... uuuuh!..." - vem-me logo à idéa um conto de q'ondo ê era môç'-pequeno. Olhí p' ô mê compad'e Jôquim, achí-o assim béque-me quái p' ô descòrado, dig'-l'e:
- Compad' Jôquim, com essa cor, já vem dado de tanto assubir...
- Nã senhora. Isto vai bom...
- Nã me diga que l'e vê à cabeça o méme qu' a mim?... A zôrra-lôca... É qu' o pio do saganheta do mocho quái que se parêce com o berrar da velhaca...
- Olhe, só aqui p' à gente que nã há quem nos oiça, aquilo béque-me até me dé um fernicoque aqui na espinha que f'quí im pele-de-galinha. E os cabelos, méme debaxo do chapéu, 'té quái que se m' alevantaram.
- Ai, sim?...
- Nã é qu' ê cá seja medroso, mái tenho assim um belo respêto p'r estas coisas. E môch's e c'rujas, atão, é coisa que nã gosto p' ô mê lado. Inda me dô mái com cobras que méme com bichos destes, nã cude. E com respêto, assim, a medos, olhe, 'té me benzo logo...
- Pôs, ê bem vi mecêa levar os dedos à cara e fazer, assim, béque-me uma cruz...
Na curva da Ressilvêra, é a partilha das freguesias. Entes da estrada ser fêta, usavam a par'cer p'r 'lí medos.
- É qu' ê cá nunca a ôvi berrar, lá isso nã ôvi, a nã ser uma vez, mái ele hôve munto quem a t'vesse ôvisto nessas nôtes d' enverno a clamar 'í p'r essas portelas...
- Mái atã e que jêto uma coisa dessas?...
- Atã nã sabe?!... Ó homem, aquilo, p'r muntos anos, foi uma coisa temente. Agora é qu' ela, calhando, já penô o que tinha a penar e nã parêce tanto...
- Conte-me lá isso bem, qu' ê cá sê do conto, mái nunca m' alomearam o santo...
- A que anda aí penando tamém ê cá nã sê quem era, qu' ela morré faz muntos anos, mái a coisa dé-se deste jêto. P'r o que contaram...
- Atã isso nã foi uma velhaca que se portô um coisinho mal, inq'onto vida, e morré sem se confessar?...
- Ai um coisinho mal... Nã hôve coisa ruim qu' ela nã fazesse, mê belo amigo... Désna d' enfêtar o pobrezinho do homem dela, até rôbar e nã pagar o que l' imprestaram, fez partes ruins a tôd's q'ontos pôde... É que tinh' ôs petafes tôd's... Des qu' até uma promessa que fez ô S. Luís p' ô pórco nã l'e morrer, ela nã pagô, veja lá...
- E nunca teve concerto?...
- Qual o quem?!... Morré nessa desgraça... E premode isso, inda nã tinha passado um mês d' interrada, já ela andava aí a penar. Berrava qu' até zunia aí p'r essas portelas... É o que dizem... qu' ê cá só tenho lembrança d' a ter ôvisto uma vez e nã tenho a firme certeza s' era ela ó não.
- Ah, inda a ôviu...
- Sa senhora, home... Mái ê cá já ia chigando àlém à P'rtela do Vale e ela soava aqui p'ra baxo, além da bandinha de lá daqueles calitros, nã dí visto bem s' era ela ó s' era um zorro qualquer a ch'mar p'r alguma cadela ressaída qu' a famila aqui do Carvalho t'vessem p' ali.
- Quem sabe lá s' isso nã saria algum mocho, c'm' este qu' a gente 'tá a ôvir agora...
- Só-se!... Aquilo era uma nôte tã d'f'rente desta... O astro 'tava todo estrelado, coisa aí da mêa-nôte, méme ô queres p' ôs medos andarem p'r 'í...
- Ê cá nã sê munto bem s' acradite nessas coisas ó não...
- Ai nã acradita?... Atã havera de ver o que se dé com duas meçalhas, irmãs, ô passarem aqui, uma ocasião, já bem de nôte, na volta de Vila Nova... Foram lá comprar uns sapatos p'a irem a um casamento e descudaram-se com as horas, qu' isto inda sã umas cinco léguas bem medidas p'a cada lado.
Em passandem à Ressilvêra, arrecebam estas rec'mendaçõs de Marmelete. Ê cá, q'ondo calha, até aparo.
- Quem eram elas?...
- Nã l'e sê dexplicar, mái béque-me eram ali dos lados do Forno Velho ó R' Nova ó p' aí perto.
- Atã e, p'r o jêto, viram-se aqui em traquetes...
- Oh, pobrezinhas... Vinham a cavalo num burro, ora uma ora ôtra, qu' o bicho tamém já 'tava cansado de tanto andar désna de manhã, desatam a ôvi-la berrar ali no mê daqueles cantêros...
- Atã, uma ia a cavalo e a ôtra levava o burro d' arreata, calhando...
- Tal e qual. Más, olhe, a que sigurava na arreata baté-as que nem uma seta... Nã demorô um foguete a chigar além ô canto de cimba da ladêra.
- Atã e a ôtra?
- A ôtra, é que foi pior... O burro, já velho e escalfado c'm' vinha, assim que senti a arreata frôxa, aparô. 'Té l'e calhô bem, que vinha pertado, e fez uma bonicada.... Ela, pobrezinha, bem l' arrulhava "Arre burro! Anda burro! Toma chó!... Sssch!...", mái de munto l'e servia...
- 'Tá bom de ver qu' o bicho nã acraditava im medos... Qu' a zôrra berrasse que nã berrasse, p'a ele, era o méme que nada...
- Pôs... Mái a meçalha é que já chorava qu' as lágr'mas l'e corriam e nã havia quem que l' acudisse...
- E o burro parado?...
- Teve que se desamontar, pegar na arreata e levá-lo quái d' àrrôjo até lá im cima... Inda, hoje im dia, que já é uma m'lher com uma bela idade, des qu' ela, em o sol se pondo, nem que vá arrodear ô fim do mundo, aqui é que nã passa...
- Ai o marafado do burro, o que nã havera de fazer à pobrezinha p'a ela f'car assim. G'ande rabana qu' há-de ter panhado... E a zôrra-lôca inda par'cerá p' aí d' ora inq'onto?...
Volta-se, logo, ele, que nem uma fita, p'ra mim:
- Olhe lá, vamos más é um coisinho mái l'gêros, compad'e Refóias, qu' ê cá 'tô com pressa, qu' inda tenho um servicinho p'a fazer além no monte...
Ê sê munto bem qual era a pressa do mê compd'e Jôquim. É que, de falar no caso, ele já 'tava más era cá com uma cúifa... que 'tava de'jando de ver a Ressilvêra bem lá p'a trás...
Passem tôd's munto bem e nã liguem a medos, qu' isso era nôt's tempos... Agora, já nã há....
Até ôtro dia.
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