09 junho 2007

A Igreja de Nossa Senhora do Pé da Cruz

Mercearia
Pôcos conhêcem esta imaja da Nossa Senhora do Pé da Cruz, qu' a Igreja 'tá quái semp'e fechada...

Désna do dia de Vera Cruz qu' ê cá tinha isto p'a l'es mostrar, mái fui-me pondo a pôco e passô-se este tempo todo que nem um foguete e só agora é qu' arrenjí algum vagar p'a falar no caso.

Pôs, c'm' vomecêas sabem tôd's melhor do qu' ê cá, no 3 de Maio é o dia da festa da Igreja da Nossa Senhora do Pé da Cruz, premode ser o dia de Vera Cruz. E, atão, usava-se a fazer uma festa, méme que piquenalha, p' à famila ir lá à missa e rezar lá à vontade.

De manêras que, na béspra, falí com a minha c'mad'e Daniela p'a l'e prècurar c'm' é as coisas iam ser. Sim, qu' aquilo era dia de trabalho e tinha-se qu' orientar bem o serviço p' à coisa bater certa.

- Ó c'madre, atã amanhão semp'e fazem alguma festinha lá no Pé da Cruz?...

- Olhe, compadre, este ano, o senhor Prior des que nã faz nada. Tirando a missa da parte da tarde, 'tá bom de ver, aí p'r essas quatr' horas, qu' isto é dia de semana e a famila 'tá no trabalho...

- Pôs atão, ele é que sabe, mái dá-me desgosto de nã se fazer mái quasequer coisinha...

- A minha Carmelita, qu' é ela que tem a chave, e mái umas q'ontas m'lheres, na manhã, vã lá dar uma barr'dela à igreja, pôr umas florinhas e afêçoar aquilo tudo munto bem afêçoadinho...

- Veja lá, se terem preciso d' alguma coisa, no qu' ê cá possa ajudar...

- Dés l'e pague, mái, aquilo, elas já têm tudo combinado e, c'm' é coisa pôca, amanham-se bem sòzinhas.

- Atã e, despôs d' almoço, vã abrir a igreja a que horas?

Mercearia
A Igreja da Nossa Senhora do Pé da Cruz, méme no sito adonde 'tá, passa quái desapercebida...

- Olhe, 'tã pensando aí das três im diante já ter aquilo aberto. Mái o compadre, qu'rendo panhar lugar sentado, nã há nada c'm' ir um coisinho mái cedo, qu' a igreja é pequenina, c'm' vomecêa sabe, e, aquilo, im menes de nada, 'tã os bancos tôd's chêos de famila.

- Ê cá munto cedo nã dô ido, qu' ê tenho um servicinho a fazer ali p' às bandas dos Casás e, atão, tamém 'tô às tenças de c'm' as coisas me correrem. A minha Maria é que nã gosta lá munto de 'tar d' em pé. Ela que vá mái cedo, s' ê nã 'tar despachado...

- Pôs atão...

- Más ê cá tamém nã tenho míngua de tirar o lugar a quem tem mái precisão dele... Qu' ele há-de par'cer lá munta famila com mái idade, que nã podem 'tar d' em pé.

E assim foi.

Mái teve graça qu' ê, no dia da festa, até que me despachí l'gêro, dé-me bem tempo p'a ir a casa jogar uma chapada d' água p'r à cara, vestir p' ali uns trapos menes labuçados e abalar com a minha Maria - qu' ela nã perde coisas dessas - caminho do Pé da Cruz.

Inda ele nã tinham batido as três da tarde já a gente lá 'tava a chigar à porta da igreja. A minha Maria dé logo com a c'madre Daniela, a filha - a Carmelita, qu' é nossa af'lhada - e o resto da famila toda, pronto, já nã na vi más.

'Tá bem qu' ê cá, tamém, inda 'tava ali à porta ramoendo s' havera d' antrar ó não, e, nesse entrementes do antro nã antro, parêce-me ver o Chico Arvela debaxo da tilêra que 'tá logo ali im frente, panhando sombra, qu' o sol 'tava quente c'm' um raça.

Copos de aferir
Lá drento tem este lindo altar. E pôco más...

Ora, nã foi tarde nem foi cedo... Assim qu' ele me vê tamém, brada logo p'r mim:

- Ó ti Refóias, ande cá aqui!...

- O qu' é que tu queres, Chico?... Nã vês que tenho qu' antrar p' à missa?!...

Isto era ê cá a fazer-me de novas, que mái sabia ê qu' aquilo era caso p' à gente se ir molhar as goélas e palear um pôcachinho inq'onto nã se fazia a hora da missa. E inda faltava uma hora bem medida...

- Venha cá qu' inda falta munto p' à missa ... Nã tenha medo...

Lá atravessí a rua p' à banda de lá e vá uma tanganhada.

- Olhe lá, isto aqui 'tá-se do melhor, à fresquinha, qu' a tilêra dá uma sombra qu' é um incanto, mái e s' a gente fosse até ali à venda um pôcachinho?...

- Qual?

- A da ti Glóira... Quer d'zer, a qu' era dela, qu' ela, pobrezinha, já lá 'tá e que Dés a tenha im bom lugar.

- É verdade... Pobrezinha. E tã boa pessoa qu' ela era... Respêtadora e trabalhadêra. Atã, toca a andar. Más olha qu' ê nã quero faltar à missa...

- Tamém ê nã, ti Refóias. 'Tô aqui p'ra isso. Mái, c'm' nã sabia bem a que horas era, vinhe um coisinho mái cedo...

O que se foi fazer lá p'a drento já vomecêas tôd's sabem, nã vale a pena 'tar a contar, qu' aquilo, naqueles lugares, é semp'e a méma coisa, mái até que calhô bem que dé p'a se descansar um pôcachinho e bober umas coisinhas p'a ajudar à digestã.

Copos de aferir
Era caso p'a l'e darem uma caiadelazinha, que semp'e f'cava com ôtra cara...

Dé-se o caso qu', inda mal a gente nã tinha antrado, parêce logo o parente Cosme da Quinta. O homem, c'm' vai quái tôd's dias lá p' ô Algarve fazer a praça a Vila Nova e ôt's sitos, tem a mania que nã há nada qu' ele nã saiba e, tã penas l'e b'bemos um porrete cada um, desata a falar da igreja do Pé da Cruz:

- Mái atão, nã era caso p'a já terem caiado aquelas paredes, que 'tã num estado daqueles qu' até dá dó...

- D'zer a verdade, aquilo 'tá um coisinho p' ô desmazelado... - disse ê cá.

- E vomecêa vai à missa e põe lá alguma coisa de jêto no peditóiro qu' eles fazem?... - diz o Chico Arvela, que faz semp'e até presunção de pôr uma bela maquia na bolsinha do peditóiro, todas vezes que vai à missa.

- Ê tenho pôco vagar p'a essas coisas. Nã vê qu' o mê governo tem que se l'e diga?... O tempo nã me chega p'ra nada... E ali no Senhor do Pé da Cruz, atão, inda nunca antrí...

- No Senhor do Pé da Cruz?!... Tal é essa, han... Com qu' então, no Senhor do Pé da Cruz...

- Sa senhora, nunca antrí ali... Na calhô...

- 'Tá a ver, parente Refóias, nã vã lá e despôs, dizem estas patochadas... Nã é o Senhor do Pé da Cruz, é a Nossa Senhora do Pé da Cruz!...

- Pôs, é p' aí uma coisa dessas...

- Nã vê qu' isto representa a grande pàxão qu' a Nossa Senhora teve q'ondo tiraram o filho dela todo insanguentado da cruz - e já morto, pobrezinho - e ela l'e pegô?!... Vá lá drento e veja a imaja...

- 'Tá bem, ê logo lá vô um destes dias... Mái tamém l'e digo uma coisa, que mecêa nã sabe...

- Pode ser que sim...

- Aquela igreja já é munto antiga, mái eles, aí há uns anos, qu' o mê pai bem me contava, mudaram aquilo tudo qu' ela nem parêce a méma. E se nã acradita, vá lá ô site da Junta de Freguesia qu' eles prantaram um retrato d' há muntos anos, lá na Fototeca deles, e vê-se logo qu' ela 'tá d'f'rente.

Copo de aferir
Esta laja 'tá colada na parede da frente, pôsta p'r o que mandô fazer a Igreja.

- Aí, dô-l'e toda a r'zão, que lá disso nã conheço...

- E há p'r 'í um blog que tamém já pôs esse mémo dito retrato. É o Monscicus.

- E o qu' é qu' ela tem agora que nã t'vesse nesse tempo?

- Aquilo, a porta , as janelas e méme o telhado... a coisa nã bate munto certo...

E dig'-l' ê cá munto limpêro, cudando que fazia uma grande figura:

- Mái a laja na parede da frente, essa nã nega... Foi fêta im 1680 e o homem ch'mava-se Afonso Anes...

Qu' ê tinha olhado p'ra lá, q'ondo chiguí, e f'cô-me aquilo na cabeça...

- Olhe, méme essa ê já hôve quem me d'zesse que sabe-se lá...

- Punhana!... que vocêa 'tá semp'e a desconversar... Olhe, ê cá, acradito naquilo e pronto...

- Faça c'm' qu'rer, más olhe qu', isto, hoje im dia, já nã se pode crer nem no qu' os nossos olhos vêem... Nã vê o mintiredo que vai aí tôd's dias na tel'visão e nisso tudo...

- Olhe lá, vamos lá mudar de conversa... Nã tem aí uma faquinha que m' impreste, p' a ê cá desbrugar um pero qu' ê tenho aqui na alsebêra? É que desqueci-me da minha im casa, ô mudar de calças.

- Tenho, sa senhora. Aqui 'tá ela... e, cudado, qu' ela corta que nem uma lanceta... Nã vê, pega aqui na unha qu' até dá gosto...

E lá se pôs a passar com o gume da faca p'r a unha do dedo grande p' à gente ver qu' ela pegava bem. E pegava, home...

De manêras que, lá esbruguí o pero p'a se tapar mái uma rodadinha qu' o mê amigo Chico já tinha mandado vir e, com aquilo tudo, eram horas da missa.

Copos de aferir
No dia de Vera Cruz, o altar é aconchigado e põem-l'e umas florinhas...

E p'r qui me fico, que fartos já vomecêas 'tão de tanto palêo.

Calhando a qu'rerem ver mái um retrato ó dôs da Igreja da Nossa Senhora do Pé da Cruz, já sabem, é só acalcar aqui na galeria dela.

E tenham p'r 'í munta saúde.

7 comentários:

  1. Este seu post foi a resposta às minhas preces manifestadas no blog MonsCicus!
    Finalmente pude ver o interior e o recheio da ermida da Sra. do Pé da Cruz.

    Pelo que li, a imagem da Pietà encontra-se em estado razoável, epesar de ter sido alvo de "restauro inadequado", e data de cerca de 1680 (a mesma que consta na lápide da facahada).
    Só é pena terem de lá desterrado as imagens de S. José e de S. João Evangelista, que lhe pertenciam originalmente, e que sempre preenchiam um pouco mais o vazio decorativo que hoje se encontra.

    Este blog continua enriquecedor ;)

    Bibliografia:
    -Gascon, José A. Guerreiro Subsídios..., p.241;
    -Lameira, Francisco, Inventário Artístico do Algarve- A Talha e a Imaginária. XIV- Concelho de Monchique, minsitério da Cultura, Faro, 1997, p.150

    ResponderEliminar
  2. Minha bela amiga Ana Pinto

    Dés l'e pague p'r os gabanços que 'tá semp'e a dar ô blog do Parente. Nã é qu' ele os morêça, más é vomecêa que tem essa crença cá p'r a nossa serra e, atão, acha tudo c'm' se fosse do melhor.

    Más ê cá 'tô-l'e a escrever era p'a ver se mecêa me sabia d'zer adonde é que posso ver esse livro do Francisco Lameira.
    Somos amigos désna de moços-pequenos, mái nã no vejo faz munto tempo e o homem sabe mái de históira d' arte cá do Algarve do qu' ê nunca hê-de saber de samear batatas...
    Já tem vindo cá a Monchique falar dessas coisas, mái tem-se dado semp'e o caso d' ê nã 'tar p'r cá nessas ocasiõs.

    Olhe, menina Ana, nem p'r nada que tenho dado fêto comentáiros no sê blog dos retratos... D'zia-me semp'e qu' ê cá 'tava banido e nã me dêxava antrar p'ra membro, más hoje, nã sê perquem, lá me dêxô.

    Atã, até qu' a gente se veja e munta sorte e saúde p'ra si e p' à su famila toda.

    ResponderEliminar
  3. Meu caríssimo amigo:
    Eu é que lhe agradeço o magnífico trabalho que tem feito desde que se iniciou por estas andanças, divulgando o que Monchique tem de melhor e mais puro.

    Em relação ao livro, sei que há um exemplar na Junta de Freguesia de Monchique, e eu própria possuo outro. Terei todo o gosto de o colocar à sua disposição quando aí for passar uns dias no Verão!
    Francisco Lameira é, sem dúvida, um historiador da arte incontornável no estudo do património algarvio, um dos grandes trunfos que vocês têm aí em baixo.


    Felicidades para si e para a sua senhora.

    ResponderEliminar
  4. Penso que a estupidez de confundir linguajem oral de gente tosca, com linguajem escrita está a a maçar.
    Descubriu a polvóra ou pensa o qué?

    ResponderEliminar
  5. Ai v'zinho permita-me que responda a este anónimo que é mais parvo qu'eu sei lá.

    @anónimo quer um conselho? CALE-SE que ninguém lhe perguntou nada, ou está a fazer-lhe cócegas na barriga? Ou tem algum problema de identidade?

    V'zinho peço desculpa mas eu tinha isto aqui atravessado nas goelas.

    Passe bem e bom fim de semana

    (Papoila)

    ResponderEliminar
  6. Já agora deixe-me dar-lhe uma lição de português.

    Sr Anónimo, será que quis dizer "linguagem" em vez de "linguajem"? As duas formas existem mas não é bem a mesma coisa, quer ver:
    Linguajem (é a 3ª pessoa do verbo linguajar:dar à língua, falar, tomar a forma de língua.
    Linguagem: expressão do pensamento por meio da palavra, qualquer meio de exprimir o que se sente ou pensa,conjunto de sinais, visuais ou fonéticos, através dos quais se estabelece a comunicação;

    Será que quis dizer "descobriu" em vez de "descubriu"?

    Erros destes não se podem deixar passar.
    Então afinal?????

    ResponderEliminar
  7. Esqueci-me de assinar o comentário anterior...mas fui eu...a Papoila

    ResponderEliminar

Obrigado por visitar e comentar "O Parente da Refóias"