Tã penas lombriguí este estandarte, vi logo qu' a Pr'cissão Real 'tava a sair...
- Vá lá qu' ele, este ano, andô a meter medo à famila, mái, ô fim de contas, com respêto a chuva, nã fez a parte à gente...
- Já chigô, o ano passado, que nã dêxô a Pr'cissão Real sair. Méme à hora da missa, caí' cá uma ripada d' água que foi uma brut'lidade...
Isto era a conversa da minha prima Mari' Olinda p' ô homem dela, o parente Tóino Choça, os dôs quái incostados à ombrêra da porta da ingreja, despôs da missa acabada, à espera qu' a pr'cissão saísse.
O parente Tóino, já béque-me assim um coisinho infèzado com tanto incontrão qu' os que 'tavam a sair l'e davam, inda fez um jêto de quem se queria ir imbora dali, más ela jogô-l'e, logo, a mão à manga da blusa e nem p'r nada o dêxô abalar.
- Nã te vás imbora, Antóino... Nã vês qu', e despôs, é d' adregue se dar panhado um lugarinho bom, logo ali ô pé do andor?...
- Qual andor, qual o quem!... Atã já te desqueceste qu' a Pr'cissão Real nã leva andores?... Vai é o senhor Prior com o Santíss'mo debaxo do pálio...
- Ai, é verdade!... Nã faças caso... 'Tava atribuída com a pr'cissão de Sant' Antóino lá im Marmelete qu' a gente, inda o ano passado, se foi logo ali ô pé do andor do santinho... Até ê cá l' aprometi uma promessa s' ele arrenjasse p' aí um mecinho jêtoso p' à nossa Zabelinha...
- Lá 'tás tu semp'e com essas coisas... Dêxa a moça qu' ela, se t'ver de casar, logo se casa... É preciso 'tares-te semp'e metendo?...
Ê cá 'tava logo ali ô pé, ôvindo a conversa toda e, c'mo eles nã davam p'r mim, ch'mí:
Na Pr'cissão Real nã há andores. Vai é o Santíssimo debaxo do pálio...
- Eh, parente Tóino. Parente Tóino!...
Ele nã ôviu.
- Prima Olinda... Oh prima Olinda!...
E nada...
'Tavam tã emprensados na conversa qu' uma pessoa falar p'ra eles ó conversar com a parede era tal e qual a méma coisa.
De manêras que, lá m' aprocheguí mái um coisinho e pus-me mémo na frente do parente Tóino, quái entremê dos dôs. Aí, o homem esbugalhô os olhos d'rêto a mim e ia-me já dar um impurrão dali p'a fora, mái foi à medida de me conhecer.
- Eh, parente Refóias... Quái que nã no conhecia, até f'quí assim mê coiso... Atã que tal vai isso?
- Nã l'e parêça mal, parente... Já l'es tinha dado vaia umas duas ó três vezes e mecêas nã ôviam...
- Pôs... 'Tava-se aqui a falar nas nossas coisas... Ê cá a d'zer ô mê Antóino qu' o vivêro das batatas-doces, este ano, 'tá um coisinho atrasado... calhando, inda ele há-de ter más é que comprar uma manchinha de podas p' aí no mercado...
Cudando ela qu' ê cá nã tinha ôvisto a conversa de qu'rerem casar a moça...
- Eh'q... Mái isso, tamém, inda nã é tarde, prima... E o tempo vai frio que nem um cadelo, o qu' é que l' adianta ir despôr podas de batata-doce já?!... Ê, às vezes, só as desponho lá p'a S. João... Aquilo é uma sementêra que gosta é de tempo quente...
- Isso, lá p' ô mê sito, é munto tarde... E nã se esqueça qu' ele é d' adregue nã vir chuva logo a seguir ô vinte nove e elas, em alagando, ficam àguadas que nã prestam p'ra nada...
- Dá-se-as ô pórco... Olhe qu' um porquinho ingordado a milho e batata-doce dá uma carne do melhor!...
Nisto, a Pr'cissão Real a sair...
Até vêo a banda de Vila Nova e tudo...
- Olha, Mari' Olinda, vai tu aí na pr'cissão qu' ê cá vô-me aqui com o parente Refóias qu' ê já vi qu' ele tem aqui a mánica p'a tirar retratos e ê gosto de ver isto.
- Que bem que me calha... Olhe, parenta, ajunte-se àlém com a minha Maria - nã na vê àlém daquele lado? - e metam-se as duas aí na ala da pr'cissão qu' a gente, ô fim, logo se há-de incontrar ôtra vez, aí im qualquer banda.
- Vocês hã-de arrenjar sempre manêra de se furtarem a ir aqui ô pé da gente... Agora vejam lá é s' isso é conversa p'a se meterem aí nalguma venda e dêxarem a pr'cissão da mão...
- Qual o quem!... Lá premode isso, pode ir descansada, prima...
E abalô d'rêto à minha Maria, que já 'tava a fazer um lugarinho p'a ela antrar ali p' ô pé dela.
O mesmo fez a gente, mái p' ô ôtro lado, d' adonde vinha a banda de Vila Nova tocando uma moda do mái bonita que podia ser.
- Nã vê, parente, que bela banda que lá os de Vila Nova têm? Apresentam-se aí tã bem infarpelados que parêcem uma orquesta qu' eles amostraram na minha tel'visão, no Dia d' Ano Bom...
- Atã nã é uma pàxão a gente aqui im Monchique já nã se ter uma banda nem nada?...
- Ora se é!...
Mal me descuidí, já fui panhar a pr'cissão quái ô canto de cima do Porto Fundo...
- Olhe qu' ele chigaram a haver uma aqui, ôtra im Marmelete e ôtra no Alferce... E, agora, nada...
- Se nã 'tô atribuido, o mê pai - que Dés o tenha - uma vez, contô-me que só aqui na Vila chigaram a haver foi duas...
- Isso nã sê. Mái, inda nã há muntos anos, uma, p'r menes, havia. Olhe, o mest'e Vintura, ali das tel'fonias, tocava nela. Ele há-de saber bem disso.
- Dêxe 'tar que, em 'tando com ele, vô-l'e falar no caso...
- Dêxe lá o homem sossegado qu' isto é só uma conversa aqui p' à gente... Agora se quer fazer alguma coisa, posso-l'e dar uma idéa...
- S' ela ser boa...
- Olhe, pr' ô ano vai-se ôtra vez votar p' à Câmbra, nã se vai?
- Calhando... Nã sê bem, más eles já nã há-dem demorar munto a virem p' aí fazer barulho ôtra vez...
- Pôs atão, tôdes os que par'cerem ô pé da gente a pedir votos, a gente diz que vota neles s' eles serem homens p'a fazerem ôtra banda cá im Monchique. O qu' é que l'e parêce?...
- Ora o qu' é que me parêce?... Ê cá, influído c'm' sô p'r coisas dessas, sendo preciso, até dava uma ajuda, méme pequena, veja lá... Más há aí uma coisa que me descorré agora...
- O qu' é que sará...
- É qu' esses aí dos partidos, s' a gente l'e pedir isso, aprometem logo que sim...
- Atão... É o qu' a gente quer...
- Mái, despôs, quem é que l'e diz qu' eles fazem?... Nã sabe o qu' é qu' a casa gasta?...
- Lá isso... Mintirôsos c'm' alguns são...
- Alguns?!... Ai alguns...
- Eh'q, ele semp'e há-de haver p'r 'í um ó ôtro que nã seja munto... Mái nã l'e parêce qu' era uma coisa boa ter-se aqui uma banda? É que nã era só por a ter, era p' à malta nova - e quem diz nova diz velha... - ir aprender música e tocar...
Im menes dum farol, deram a volta à Vila e já vinham a chigar ô Alto da Praça...
- Pôs era... Olhe, até a minha Zabelinha ê punha lá. Nã m' emportava de pagar fosse o que fosse p'a aprender a tocar fole...
- Fole?!... Na banda nã tocam fole, parente... Mái podia aprender ôtra coisa qualquer. Calhando, além aquela coisa preta que parêce um pífaro, nã vê?
Diz logo um f'lano, todo munto empinocado, com voz d' alvorêro, que 'tava ali p' trás da gente e, p'r o jêto à escuta da nossa conversa:
- Um clarinete. Aquil' é um clarinete, mam...
Logo, pusemos-se assim a olhar de esguelha p' ô homem. Más ele nã s' emportô e desatô a falar inda má's:
- Aquilo é um clarinete e sabem que jêto ê saber isso? É que tenho uma prima que tem um filha que toca aqui nesta banda, mái hoje nã 'tá cá, e é clarinete qu' ela toca. E tamém há lá mái umas mecinhas, filhas de gente daqui, que tocam esse instrumento. Nã se maráfem d' ê me meter na conversa, monch'quêros dum raio... Olhem qu' o mê avó tamém era daqui, mái vendé tudo o que tinha ali p' ôs lados da Fóia e comprô um pedacinho de terra lá no Vale das Hortas...
Bom, o homem, s' ê nã no atalho, inda agora lá 'tava a falar. Aquilo par'cia uma grafenola com o disco riscado...
- Ó mê belo amigo, e o qu' é qu' a gente tem a ver com isso?... Inda se mecêa pagasse uma coisinha qualquer p' à gente bober ali no Café de Cima...
- Oh dieb's, venham já daí... Eles nã terão lá vinho do Cramujêra, qu' a gente bebe-l'e um copo daqueles grandes cada um?...
- Isso, aqui, já nã se usa a bober vinho assim... S' o mê belo amigo tem vontade de pagar e quer exp'rimentar o qu' é bom, bebe-se más é um porrete de madronho cada um. O vinho é p'a se bober com o decomerzinho...
- Atã, vá. Vocêas é que sabem. Aqui na Serra mandam os parentes...
E lá se foi os três. Más o qu' ê l'es sê d'zer é que, p'a ir tirar mái uns retratos à pr'cissão, tive qu' os dêxar lá no café a palear sòzinhos os dôs. E só já a fui panhar quái ô canto de cima do Porto Fundo.
E, dôtra vez que calhe, logo l'es conto c'm' àquilo foi o resto da tarde com o alvorêro a beber copos e, cada vez, a d'zer mái patacoadas.
Passem tôdes munto bem.
Descobri o teu BLOG aquando da "Procissão Real que não houve".
ResponderEliminarEsta procissão há 40 anos atrás era a mais bonita de todas e a que mais gente juntava incluindo alguns cromos que já desapareceram,no entanto tenho a sensação de que na essência continua tudo na mesma. Esta a mesma sensação que tenho quando vou a Monchique. Parou no tempo com os seus habitantes.
senhor anonimo deixe parar no tempo que nao faz mal .as pessoas sentem-se bem asim.
ResponderEliminarFique vómecêa sabende que o que tá assigurande o estandarte vermelhe na fóte é avô dum da gente!!!
ResponderEliminarE enquante que a procissão andava nas ruas, andava a gente a morfar um geláde no café do Estrela!!
Lógue na primêra fóte, desqueceu-se-me de mencionar!! É o sô Zé Ináice, ou vô Zé, pós netes dele (que afinal sõn dois pacanherres, né só um!).
ResponderEliminarAh e na 4ª foto quande a missa ia já na rua de porto fundo, nós (os dois pacanherros monchequêres, netos do vô Zé) tamos do lado direito, por cima duma sinhôra de blusa cor de rosa. Afinal tivemos a metros e se calhar ninguém se conheceu. Fica para a próxima.
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