24 setembro 2006

Na madêra podrida parêce cada bicho-barril...

Rachando lenha

Com um machado de lavrar madêra inda s' arracha munta lenha...

'Tejam com Dés, mês belos amigos.

Já há bem munto tempo que nã parêço p'r 'quí, mái, isto, dé-se uma preçanada de casos p'a me estrovarem a vida e ê cá nã tenho dado àvonde p'a resolver tanto empeço.

De manêras que, isto é c'm' ô ôtro que diz:

- Quem toca muntos burros, algum l' há-de f'car p'a trás.

E, atão nã dí escrevido nada.

Nã é qu', inda bem não, nã m' alembrasse de contar uma parte ó ôtra, mái atão e tempo, viste-lo... Nem esta coisa do comp'tador ê tive ocasião de ligar, as más das vezes.

Bem que l'es podia contar o que se passô, mái béque-me dá-me mái jêto l'e falar de coisas más ent'ressantes.

Olhe, um destes dias, nas béspras de chover, pensí:

- 'Tá-me a doer aqui estes ossos do cachaço, é d' adregue nã vir p' aí alguma gôta d' água... Ele 'tá sol, mái em ê sentindo este sinal, quái semp'e, bate certo. Dêxa-me más é pôr ali uma lenhita im casa, entes qu' ela se molhe toda.

E peguí em mim, fui-me a uma sobrêra seca que tinha ali preciminho de casa, das qu' arderam q'ondo hôve aquele grandessíss'm' ô fogo, fez agora três anos, dêtí-a abaxo e fize-a im arrachas.

Atã e nã querem lá ver que, no dia a seguir, chové uma barrigada d' água que foi um consôlo?!... Foi uma regadura im forte.

Os mês belos tomates, qu' inda tinha p' ali uns q'ontos, esses é que já nã s' apr'vêta nada a nã ser p' ôs animazes. E quem t'vesse inda umas uvinhas p'r panhar, tamém nã havera de ter f'cado munto contente. Mái lá 'tá im cima quem manda nisto tudo e temos que se conformar com as boas e com as ruins.

Más isto p' ô madronho e p' à zêtona até que vê méme a calhar. Com uma àgu-inha assim engràdecem num 'stante. E o alvoredo p'r 'í todo tamém agradêce.

Mái, voltando atrás, o qu' ê cá fazia tenção de l'es contar era o que se q'ondo derrubí a sobrêra e, despôs, a cortí em cepos e a arrachí.

Aquilo é um trabalho marafado, mái com um machado de lavrar madêra, um marrão e uma cunha, que m' emprestô ali o mê compad'e Antóino do Pomar, aquilo é um vê se t' avias. O homem já tem uma bela idade, mái semp'e fez questã d' apresentar boa farramenta.

Em novo, era serrador. Des qu' os melhores serrõs eram semp'e os dele. Aquilo serrava madêra p'r tod' ô lado, com o camarada dele, que nã dava agu-ento a tanto serviço. Até à Refóias ele, uma ocasião, vêo serrar uns p'nhêros dos mês avózes, qu' eles tinham míngua dumas tábuas p'a fazer p'a lá um sobrado...

Com os lavajos desses tróços até o mê pai fez p'a lá um pecilgo p'a pôr um bacorinho - contô-me ele uma vez, já há bem muntos anos - e des qu' aquilo durô um poder de tempo que levaram nã sê q'ontos envernos a criarem lá os bác'ros inq'onto nã matavam o sovão e desempecilhavam a pecilga maior.

Rachando lenha Rachando lenha

Com estas três farramentas - dá trabalho, lá isso dá - mái fica um serviço bem fêto...

Pôs que digam que nã digam qu' ê cá inda faço este trabalho à antiga, barimb'-me nisso. Ele ficam cá umas arrachas qu' a minha Maria até se consola a prantá-las no fogo.

Olhe, aquilo, despôs de se ter o tróço da sobrêra cortado im cepos, s' eles serem delgados, prega-se-l'e uma machadada ô mêo, ficam fêtos em dôs. Nã tem nada que saber e faz-se num nadinha.

S' eles serem mái grossos, aí, aponta-se-l'e uma cunha ali adonde a madêra pedir, tancha-se-l'e duas ó três marranadas, o cepo arracha. Se ser preciso, põe-se-l'e ôtra cunha no ôtro lado da arrachadura, afinca-se-l'e mái uma marranada ó duas e já 'tá. Em menes de nada, 'tá fêto em arrachas.

Tem-se é que ter munta conta qu', inda bem não, calha a saltar a cunha e nã vá ela ir d'rêto às canoiras duma pessoa... Ó nã se dê o caso, com-m' se dé com-migo dessa vez, do marrão saltar do cabo e passar im frente do nariz duma pessoa qu' até um homem fica im pele de galinha...

P'r falar im galinha, nessa vez, na últ'ma marranada que dí num cepo, salta-me um pedaço de corcha assim além p' ô lado e, ô méme, tempo uma coisa qualquer assim a arrabolar p'r cimba dumas folhas se sobrêra.

Olho bem: um pã-de-galinha. Pã-de-galinha é o que se chama aqui a um bicho-barril. Mái qual nã era o tamanho do animal... Aquilo era mái grósso qu' um dedo cá dos meus. Ponho-me a olhar bem p'ra ele, oiço:

- Atã, Refóias, o qu' é que 'tás p' aí a engrilar?

Era o amigo Adelino da Desmoitada, qu' é um gradessíss'm' ô gozão e, adonde parêce, 'tá semp'e a entrar com qualquer um.

- Nã me digas que perdeste p' aí alguma coisa no mê das folhas... Foi algum anel ó o relójo?...

Aquilo era já a mangar com-migo... Qu' ele bem sabe qu' ê cá nã uso anel e relójo só o levo q'ondo vô p'a longe do monte. E más tinha ele já visto o bicho-barril. Atã aquilo, com mintira e tudo, era quái da grossura duma cobra das grandes...

Bicho-Barril

Bicho-barril assim, só inda tinha visto nas borras do madronho...

- Ó mariola, atã nã vez que 'tô a olhar p'a este bicho-barril que saltô aqui de drento da corcha deste cepo?!... Só inda tinha visto tal coisa foi nas borras do madronho. Tirando isso, só aqueles pequenalhos que se criam aí no esterco ó na terra bem estrumada.

- Tó, diebo!... E é bem grande... Olha, lev'-ô e põe-o a assar lá no brasedo qu' a tu Maria faz p'a cozer o jantar, qu' isso há-de-te dar uma função do melhor. Tens é qu' acompanhar com um belo copinho de vinho daquele qu' o tê compad'e jôquim do Barranco te deu, do do ano passado...

- Toma chó!... Se gostas, come tu, alma do diabo... A ti é que t' havera de fazer bom pr'vêto, que 'tás magro que nem um cão... Olha p' à g'rdurinha qu' ele tem, olha, nã vês?...

Enq'ont' isso, peguí no bicho e fiz amenção de l' o enfiar p'r a boca adrento. Ele, dá um salto p'a trás, munto lampêro, punhana!, desata a c'spir p' ô chão com o nonjo que l'e deu. Já nem s' aprochigava de mim...

- Chega isso p'a lá, badalo. Ele é teu, come-o tu...

Isto era tudo uma charola qu' ê cá trato bem qualquer b'chinho e coisa que nã gosto é de ver fazerem mal ôs animazes. De manêras que, puse-o ali im riba duma corchinha e desatar a arrachar mái uma lenhita.

Pôs nã l'es digo nada. Naquele madêro era cada marranada cada bicho-barril que caía no chão. Aquilo, num nadinha, juntí ali perto duma dúiza deles.

- Olha, já que nã os queres p'a assar, lév'-ôs p' às galinhas da tu Maria p'a ver s' elas enchem bem o papo e nã me vêm c'mer ali as minhas côves, que já 'tá ali tudo escalavardado...

- As galinhas da minha Maria?!... Atã elas 'tã semp'e presas, c'm' é qu' é isso... Tu é que nã l'e pões reméd'o p' às lesmas e p' ôs caracó's e eles comem-te aquilo tudo. Agora queres-te desculpar com as galinhas da minha Maria...

E lá se foi d'zendo umas chalaças, qu' a gente dá-se bem um com o ôtro e o tempo, assim, nã custa tanto a passar.

Bicho-barril

A cabo dum pôco, já tinha ajuntado perto duma dúiza deles...

Pôs olhem, arrenjí uma bela lenhita entes da chuva a molhar, passí um um belo pôco com o mê amigo Adelino e já tinha um corcho quái chêo de bicho-barris que nã sabia o que l'e fazer.

Até que peguí neles e fui infiá-los lá num tróço velho que p'a lá 'tava, e eles lá se foram descondendo entremêo da corcha e da madêra e p'a lá f'caram a engordar mái um coisinho.

Só nã sê no qu' é qu' aqueles raios vã dar daqui a uns tempos, qu' isso ê cá nunca vi. Será nalguma barb'leta, sará numa vaca-loira ó numa carôcha quasequer?... Nã sê nem conheço ninguém que me saiba d'zer.

Se algum de vomecêas saber, é um grande favor que me faz me d'zer em que bicho é qu' eles se vã fazer a seguir.

E passem tôd's munto bem e Dés l'e dê saúde.

8 comentários:

  1. Parente
    Pra dezer a verdade já tava com soidades de ler q'alquer coiseca escrevida por si, má por casa dum caso q'õve no outre fim de somana tamém nã tenhe tide nadica de desposicão.
    Vê-se que mecêa entende d'arrachar lenha e deve de ficar prái com sepes e bornecos do má porrêro qui há pó fogue no Enverne, má isse dá uma perçanada de trabalho e calhande o parente já nã tem muntas posses pra isse.É cá aconselhava-o a comprar um motoserra, méme pequeneque, que sempre dá uma grand'ajuda.Fáz é uma grand'urrada ó pé dos nosses ôvidos, más é rápedo.É cá já nã tenhe força pra esses trabalhes e atão um dia aresolvi-me e fui à vila, à Estrada Nova e fiz negóiço com a D. Lurdes Serafina (quem lho pôs que lho tire), viúva do amigue Antóino Cavalinhe , e truve logue uma máquineta daquelas cá prá casa e tenhe-me dade bem...
    Pranti-me a olhar com munta atenção pós sés retrates e parêce-me que conhece o sito onde o parente mora.Um dia destes tive d'ir falar com o Joaneco da Refóias e como ele tava lá prá baxe pós cantêres, passi àquelas casas, qu'era onde morava um diebe do mel(O Pé Alte), que Dés me perdô, qu'é nã engraçava nada com tal home...Désna qu'ele foi lá prá baxa nunca má sube nada de tal biche.
    Descupe-me d'é m'alargar tante e até à prócema...
    Um Abrace

    O Campaniço

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  2. Vocês e o vosso diálogo algar(viado)!!! Fartei-me de rir, ó compadre, com essa do bicho-barris, que não conheço mas ficou mui bem apresentado. Passe bem e veja se "arresolve" os problemas para ter mais ânsia de postar! Beijinho do mar ao Norte.

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  3. (In)felizmente desconheço em que bicho se transformará a seguir a simpática lagarta que aqui nos mostra tão pormenorizadamente. Mas lá que é grande, isso é!

    Agradeço-lhe as suas palavras no meu singelo bloguinho. É só para colocar algumas imagens de coisas bonitas que desejo partilhar com quem as quiser ver.

    Os melhores cumprimentos desta sua jovem amiga.

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  4. Amigo Refóias:
    Não imagina a comoção que se instalou em mim ao ler o seu caro comentário. Agradeço-lhe do fundo do coração as ternas palavras.

    Com efeito, os azulejos que "descobri" na igreja de Palmela são semelhantes aos que encontramos na pacata e, por infortúnio, já arruinada Fonte dos Passarinhos, adjacente ao Convento de Nossa Senhora do Desterro. O curioso é que, desde que descobri estes encantadores azulejos, tenho-os encontrado um pouco por toda a parte onde vou.
    Por exemplo, logo à entrada da Basílica Real de Castro Verde (distrito de Beja), é possível contemplar os mesmos motivos, exceptuando um ou outro, povoados por criaturas cuja identidade desconheço.
    Aqui na minha terra natal, Barreiro (bem perto de Lisboa, como o parente supunha), ao visitar um núcleo museológico num lindo convento, fui dar justamente com "enkele tegels" iguais numa vitrine com vestígios antigos do edifício, entre outros locais onde, regularmente, dou de caras com os típicos pássaros vaidosos e as inconfundíveis flores.
    Pelo que apurei:

    "Em Portugal divulgou-se mais o género de figura simples a azul durante o século XVIII com elementos decorativos nos cantos a ajudar à união visual entre os vário azulejos. Colocados sobretudo em cozinhas e lances de escada encontram-se também aplicados à arquitectura religiosa e com temas populares durante o Estado Novo já no século XX. As composições mais complexas foram divulgadas através do azulejo holandês."

    Um belo exemplo em Monchique das composições durante o Estado Novo será o da fonte que se encontra logo abaixo do Miradouro de S. Sebastião, com tocadores de gaita, entre outras figuras.

    Peço-lhe desculpa pela extensa explicação, deixo-me levar facilmente quando se trata de arte e coisas belas. Ou não fosse esta a minha área de estudo ;)

    Terei todo o prazer de, um dia, conhecê-lo a si e à sua senhora. Um abraço a ambos.

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  5. Realmente, a falar é que a gente se entende! Belo o que desperta em nós, parente, esta vontade de partilha das "nossas" curiosidades. Ana Pinto, parabéns pelo que nos descreve! Obg aos dois.

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  6. Parente

    Foi com munta páxão minha, qu'a a esta hora nã tou na praia do Vau, vestide com umas cirôilas, a festejar o nosse "VINTE NOVE", más nã pôde ser de forma nhuma, que fiqui em casa com uma tia minha munte velhota, prá menha prima (filha da minha tia, tá bem entendide), ir a Lesboa conhecer um besnete, acabade de nascer.
    Lá pr'a baxe pró Algarve festejem o Banhe do vinte nove D'Agoste e este ane até passi per Lagues e lá tava a linda Romana a cantar na Praia da Batata, vestida com um bele vestide vermelhe, qu'até pracia aquela melher do Filme, só faltande o ventinhe a le dar, pôs tava uma nôte munt'amorosa...
    O parente que tem enmaginação, viveu munta cousa e sabe contar e escrever, havia d'arrenjar uma históira passada plo VINTE NOVE, pós Monsquêros má velhes s'arecordarem e os más nôves e a famíla de fora ficarem a saber com'essas festas eram advertidas e o significade deste banhe de mar.
    Passe bem e com'é cá ficava de veras sadesfêto se mecêa tevesse ide lá e nos apresentasse uns retrates da Monsquêrada, da famíla da nossa terra ( da minha ple menes...), a quemer, bober e balhar até mai não e ôtres espójados pl'aquela arêa.
    É cá sou Monsquêro de Gema, dos quatre costades, nã é per afenidade, nem nada d'isse... e com munto orgulhe de ser serrenho e desta terrinha, que munt'amo.

    Um abrace

    O Campaniço

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  7. Passei para apreciar esta página agradável, que me atrai pela sua qualidade e desejar bom fim-de-semana. Até breve.

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  8. Parente

    Há uma eternidade que aqui não venho...os dias ficaram mais curtos e as noites não têm ajudado:):):)...

    Apresentado o bicho-barril ( é caso para dizer "pouco prazer em conhecê-lo"), fiquei a pensar na sua pergunta...não me parece que se tranforme em vaca loira e numa borboleta também não...carôcha...talvez, não sei. Será que se tranforma mesmo?! Prometo "investigar".

    ~*Um beijo*~

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Obrigado por visitar e comentar "O Parente da Refóias"