13 abril 2007

Endoenças - A Pr'cissão do Enterro do Senhor

Procissão do Enterro do Senhor - Monchique
Nas endoenças de Sexta-Fêra, a igreja 'tava de porta toda aberta e chêa de famila.

Nã sê se levaram repáiro, mái, da últ'ma vez, inda bem nã tinha posto aqui os retratos da Pr'cissão de Ramos, os marafados cortaram-me a vaza e nunca mái dêxaram qu' eles fossem vistos p'r quem cá vinha. Os da pr'cissão e os ôtr's tôd's qu' ê pus cá désna do prencíp'o...

De manêras que vi-me nuns traquetes tã grandes ó tã pequenos, que nã tive ôtro remedo senã puxar da nota e t'mar p' aí um site de renda. E o qu' é qu' isso nã me custô!... Lá se foi uma preçanada d' eros... E, inda p'r cimba, leví quái uma semana a mudar aqueles retrat's tôd's lá p' à ôt'a banda. E olhem qu' a viaja nã foi pequena. Agora 'tã num comp'tador bem do ôtro lado de lá da América, béque-me ali logo pralàzinho daquele sito adonde aquelas artistas munto bem par'cidas fazem os filmes.

'Tá bom de ver, qu' isto se m' atrasô aqui um belo coisinho e nunca mái falado do resto das endoenças a nã ser hoje. Vamo' lá a ver s' a coisa, agora, vai correr d' ôtra manêra. E, só p'r mode coisas, se qu'rerem saber a minha d'recção d' agora, p'a tudo o qu' ê faço nisto da internet, aqui vai ela, é só acalcar: http://www.refoias.net. Más aqui o blog é o méme qu' era. Nã têm precisão de mudar nada.

Ora, na Sexta-Fêra Santa, fui à Pr'cissão do Enterro com a minha Maria e mái-la prima Glòirinha. D'zer a verdade, nã andí quái tempo denhum ô pé delas p'r mode qu'rer tirar uns retratinhos p'a amostrar a vomecêas.

E olhem qu' aquilo é uma pr'cissão do mái bonito que se faz p'r 'quí, lá isso nã se pode d'zer que nã seja, mái atão é de noite todo... C'm' é q' um homem tira algum retrato de jêto que se veja bem a famila?!... É qu' a máquina, às descuras, é uma desgraça. Fica tudo negro.

Procissão do Enterro do Senhor - Monchique
Sexta-Fêra Santa à nôte é o Interro do Senhor. Os Irmãs da M'sericórd'a é que levam o caxão.

E inda há mái ôtra coisa. Aquilo é já lá p' à hora da cêa, ora uma pessoa, im tal dia, nã pode c'mer nada de jêto, é só juar e fazer abstinêinça. Atão, 'té l'e faltam as forças p'a andar duma banda p' à ôtra, à rôpa toda, p'a passar à frente da pr'cissão e ir panhá-la nôtra rua, im jêto de ver alguma coisa.

Pôs a minha Maria tem p'r c'stume levar estas coisas munto a pêto, des que, em dia de Sexta Fêra Santa, nem pode trocer a rôpa q'onto mái lavá-la ó fazer fazer ôtro serviço qualquer. E quem é o presicado? É cá o Parente... qu', im chigando o fim do dia, 'té, béque-me, sinto as costelas metidas p'a drento e um bicho semp'e aqui a rabear que nã me larga nem um 'stante.

Mái, dêxando isso p'a trás, uma coisa que me fez bem munta espéce foi que, p'r um lado, inda s' ajunta uma bela famila nestas alturas, mái, p'r ôtro, os homens, béque-me, já nã s' aprochegam munto lá p' ô lado dos andores p'a carregarem com eles às costas. Vejam bem qu' a Irmandade teve que dêxar nã sê q'ontos estandartes na M'sericórdia, que nã puderam sair p'r nã haver quem os levasse...

Mái, vá lá que p' ôs andores da Senhora das Dores e do S. João os homens inda chigaram. E contando, tamém, com o càxão do Senhor morto e o pálio que vai semp'e acompanhando nele.

Inda pensí que se desse o caso d' incontrar p'r 'lí um amigo ó ôtro, daqueles mái conhecidos 'tá visto, mái nã sê se fui ê cá que nã nos vi se foi eles que nã par'ceram, só já lá bem p' ô fim da pr'cissão é que dí com o Tóino Arraúl, assim munto amòrado ali p' a um canto do adro da igreja, sem ninguém p'a palear e, mái que certo, tamém chêazinho de laberca c'm' ê cá.

Procissão do Enterro do Senhor - Monchique
E, havendo homens que dêam àvonde, saem tamém os andores do S. João e da Senhora das Dores.

Meti-me, logo, com ele:

- Atã, Tóino, que cara é essa?!... 'Tás p' aí zangado com alguém ó dói-te alguma coisa?... Béque-medesmorcido...

Isto, no largo da Igreja.

- Nã!... Que jêto?!... 'Tava p' aqui sòzinho a ramoer cá nas minhas coisas. Tamém, nã vejo p'r 'í amigo denhum com quem falar...

- Do mémo mal me quêxo eu... Os que vieram vã quái tôd's ali debaxo dos andores ó a sigurar nas alenternas da pr'cissão...

- Atã e tu 'tás aqui de fora p'r mode quem?... Que jêto nã ires tamém dar ali uma manita?...

- Nã vês, tenho que tirar dôs ó três retratos qu' é p'a amostrar à famila c'm' é que sã os c'stumes cá de Monchique... Agora tu, Tóino, bem que podias ter ido pegar ali num andor ó levar um estandarte ó coisa assim...

- Que jêto?!... Atã nã vês qu' aquilo é só p' ôs irmãs e ê cá nunca fiz parte da Irmandade...

- Mái vestias uma opa daquelas roxas e pagavas no pálio ó numa alenterna ó coisa assim... E inda 'tás munto bem a tempo d' ires dar o nome p'a Irmão...

- E, más a más, que tenho aqui um calo qu' é um d'sparate, no dedo grande, que custo a assentar o pé no chão. Que figura era essa qu' ê fazia, ir ali no mê da pr'cissão coxo-pé, coxo-pé...

- Ora que nã 'teja trilhado, p'r qu' é que nã o amèzinhas com uma rodela de t'mate-da-índia? Nôt's temp's, havia munto quim usasse a fazer essa mèzinha...

- Olha, hoje im dia, méme qu' uma pessoa quêra, já nã dá fêto tal mèzinha que, há que tempos, que nã vejo tal coisa. É verdade, já pensí nisso e nem p'r nada que dí descobrido uma t'matêra-da-índia im banda denhuma...

- Atã, o melhor é ires ali à farmácia, qu' o Chico vende-te lá uma pomadinha quasequer qu' ele saiba, que, na falta do t'mate-da-índia, semp'e t' al'via aí um coisinho as dores, méme que nã cure.

- Calhando...

Procissão do Enterro do Senhor - Monchique
Em respêto p'r o Senhor 'tar morto, nã se tocam sinos nim campaínhas. Usa-se a matraca.

- Ele des que tamém há ôtra coisa, qu' a minha Maria usa a ter lá nas flores dela, qu' as folhas tamém têm mèzinha p' ôs calos. Agora nã m' alembra c'm' é qu' ela l'e chama... Mái, a parenta Glòirinha inda, ôtro dia, me disse a mim, que curô os dela com aquilo. E nã l'e doé nada. Des que foi mèzinha santa...

- Atã e nã m' arrenjas lá umas folhinhas dessas, Refóias? Se nã 'tô im im erro, béque-me a alomeam p'r erva-calêra...

- É isso mémo!... Dêxa 'tar qu' ê, em chigando a casa, logo digo à minha Maria a ver s' ela inda tem p'ra lá disso que te d'spense duas ó três folhinhas.

Nisto, desata-se a ôvir o traca-traca da matraca, lá vinha a pr'cissão já a assomar ô canto da rua. Foi um 'stante até chigar ô adro da igreja.

- Esta coisa da matraca, béque-me nã l'e acho munto jêto. Andar p' ali um homem à frente da pr'cissão a fazer um barulho daqueles...

- Ó Tóino, atã nã vês que, hoje, o Senhor 'tá morto nã se pode tocar sinos?!... Aquilo é p'a avisar tôd's que vem aí o Enterro.

- 'Tá bem que seja, mái atão... nã vô munto com aquele matraquear... Mái, respêto. Nisso 'tejas certo, qu' ê cá respêto.

- Aí, 'tás certo. E, agora, 'pera aí um coisinho qu' ê vô-me ali tirar mái uns retratinhos, já venho.

E pus-me p' lá, vá de carregar no botão. Olhem, nã foi nada, ia inchendo o resto da máquina... Sim, qu' ê cá já sabia, e agora inda sê melhor, que retratos de nôte, inda p'r cimba na rua e sem mat'rial c'm' deve de ser, é caso p'a nã s' apr'vêtar das dez partes uma.

Mái c'm' isto, agora, já nã se tem que levar o rolo a mandar revelar, é tirar e dêxar andar. Q'ontas mái, melhor... E, despôs, logo se vê o qu' é que dali resulta.

Procissão do Enterro do Senhor - Monchique
No pálio, pegam os homens com opa roxa, qu' é a cor de luto da Igreja.

E a pr'cissão lá antrô p'a drento de igreja, o senhor Prior fez o que tinha a fazer e disse o que tinha a d'zer, e a famila lá se fomos tôd'e imbora p' a casa que já nã era munto cedo.

Qu' ê cá, falando verdade, nã fui logo bem p'ra casa. Entes, inda fui atrás dos andores da Irmandade, acompanhá-los 'té à igreja da M'sericórdia. O qu' é mecêas querem, ê gosto de ver as coisas todas até ô fim...

E nã 'tô repeso, dig'-l'es já... Vi munto mái do que cudava. Aqueles senhores que mandam lá naquilo viram-me assim béque-me com aquela enfluêinça toda, ora, 'té me dêxaram antrar lá p'a drento da sac'stia e ver as imajas e aquelas coisas todas que lá têm.

Uma coisa do mái bonito que pode haver... Tanto faz na igreja, c'm' na sac'stia, c'm' no resto, nem l'es sê incarecer o que lá 'tá. Em bonito e em valor. Só vendo... Mái, um dia, em calhando e se me darem opas - mái aqueles senhores sã tã porrêros que tenho a firme certeza qu' eles me dêxam - logo tiro lá mái uns retratos p'a l'es amostrar.

De manêras qu' a minha Maria e a prima Glòirinha até que já 'tavam p' ali fartas de esperar p'r mim e chêazinhas de frio - qu' isto quem espera, d'espera e infastia - e vá de me darem sinal. Lá me vi obrigado a pôr-me a mexer... Mái vinhe sast'fêto.

É que tamém já me 'tava a alembrar que, dali a dôs dias, era D'mingo de Páscoa e tinha a Pr'cissão Real p'a devassar. E, más a más, que já me tinha soado qu' havia quem 't'vesse todo fêtinho p'a fazer uma su'presa à famila, ali no Porto Fundo.

E, dessa manêra, só já me falta l'es d'zer qu' o tal contrato qu' ê fiz com a minha Maria, quem é qu' havera do ter ganho?... No Sáb'd' Aleluia, foi ela que mo ganhô, 'tá mái que visto!... O qu' é que se esperava... Nem tampoco morêce falar mái no caso, que vergonha tem cá o Parente, que nã dô conta dela. Isto, as m'lheres, têm munta manha, mês belos amigos...

E se qu'rerem ver mái retratos das endoenças, acalquem aqui na galeria Endoenças 2007.

E hoje 'tamos conversados. Dés l'e dê saúde.

3 comentários:

  1. Os talentos escondidos do parente refoias!
    Quem havia de dizer! Um homem, rude e calejado da vida, que sempre amanhou a terra, ver-se envolvido com a Internet e com fotografias e tudo. Isto só visto. Não há dúvida, a idade não conta, o que conta é a vontade e os “neurónios” a trabalhar com toda a eficiência. Das brenhas da refoias saiu um talento oculto. Será que aqueles compadres, que andam lá por Lisboa, encafuados e a perder o seu precioso tempo em pseudo-cursos de duvidosa utilidade, naquelas Universidades Privadas, que eu nem sei bem o que isso quer dizer, conseguem mostrar algum coisa de jeito do seu talento, e alguns, dizem as más línguas, nem doutores nem Engenheiros são, é tudo uma grande trapalhada. Adorava os ver, a plantar batatas, apanhar medronho, matar o porquito, tratar das abelhas, ordenhar as vaquitas, fazer um queijito. Eles não sabem fazer isso, porque ninguém os ensinou, e o compadre quem é que lhe ensinou? Eles não sabem fazer, nada disso, mas não é por isso que não andam por aí todos, ufanos, e vaidosos, com um “canudo” para dizerem que são doutores. Está mais que provado o tal “canudo” só tem servido para dar prestígio, mas as obras é o que se vê, como aquelas da Rotunda do Descansa Pernas. Tenho a certeza que o compadre era bem capaz de fazer melhor, mesmo sem ter, o tal “canudo”.
    Obrigado compadre, porque consigo sempre aprendo alguma coisa, com os outros está mais que visto, que fico cada vez mais embrutecido.

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  2. Antes de mais, devo dizer-lhe que a primeira foto está de tirar o fôlego, com o portal da igreja matriz iluminado a emoldurar a missa nocturna... excelente!
    Aqui na minha terra a procissão é igualmente solene mas mais simples, limita-se ao encontro do andor da Senhora das Dores com o do Senhor dos Passos; não há esquife, nem matracas.

    Com as felicitações habituais para si e sua Maria.

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  3. Querido amigo. Obrigada pela explicação do contrato. A sua mais a do amigo Anónimo serviram para perceber bem como a coisa funciona. A ver se para o ano ensino essa tradição aos meus netos que vão ficar encantados. Sobre esta Procissão, está como sempre, ilustrada por umas fotos excepcionais. É sempre um prazer seguir as descrições do amigo onde não falta ingrediente nenhum para nos prender a atenção. Cá vou continuar à espera do cuco. Ouvi-o uma manhã destas mas nunca mais apareceu. Talvez por não haver nenhum marido enganado por perto :)))
    Um beijinho

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