19 abril 2007

A Pr'cissão Real que nã hôve

Arranjos florais - Monchique
A Pr'cissão Real era p'a passar p'r 'quí, más a chuva nã dêxô...

Despôs da Pr'cissão do Interro, leví, Sáb'd' Aleluia todo e D'mingo de Páscoa de manhã, com o fito d' ir à Pr'cissão Real, qu' era o qu' ê já l'es tinha fêto menção, ontordia, q'ondo falí nisso. E, aquilo, béque-me 'tava tudo bem incam'nhado, home...

No D'mingo de Páscoa de manhã, 'tava um tempinho mái ó menes, eles nã davam chuva cá p'ra baxo, e, atão, d' ora inq'onto, 'té punha um confêto na boca - daqueles que tive pagar à minha Maria d' ela me ganhar o contrato - e lá o ia derregando devagarinho, sem ela ver, e t'mand'-l'e o gosto bem a precêto, inq'onto esperava p' a s' abalar p' à missa.

Pôs, nã l'es digo nada!... Béque-me quái de castigo - nem d'apropósito, punhana! - méme quái à hora da missa, olho p' ô astro, desato a ver uma barra negra a vir àlém do lado da Fóia, até se m'a rrepiaram os cabelos... Salto logo com a minha Maria:

- Maria, mái atã o tempo 'tá béque-me a se mudar... Nã me digas qu' ele faz a falseta à gente?!...

- Que jêto?!... Isso nã há-de ser nada. Eles, na tel'fonia, nã deram água cá p'ra baxo...

- Olha, nã sê munto bem. Q'ondo ele 'tá dali, é d' adregue nã dêtar umas pingas...

- Ó homem, nã sejas assim... Lá 'tás tu semp'e com essas conversas...

Nisto, parêce o Zé Manel, no sê carrinho dele, com os mês compadres, que já lá iam caminho da Vila. Aparô, meté-se com a gente, c'm' é que vã, c'm' é que nã estão, e vá de pertar com-migo p'a abalar com eles.

- Ó Zé Manel, nã vês, ê cá nã vô dêxar aqui a minha Maria e, despôs, ela ir a pé sòzinha... O qu' é qu' a famila d'zia?...

- Atã ela que se despache, já depressa, qu' a gente espera um coisinho e vai-se tôd's!...

- Mái atã, e isso nã faz d'frença a vomecêas?

Diz logo o mê c'pad' Jôquim do Barranco:

- Qual o quem!... Despachem-se e vanham já daí com a gente...

O homem 'tava em ferros p'a ê cá ir qu' era p'a ter companha p'a palear...

De manêras que, lá se fomos despachar e, im menes dum foguete, já ê 'tava mái que pronto p'a abalar com eles. A minha Maria é qu' inda enrolô um coisinho, qu' ela tem p' ali uns pincés p'a pintar a cara e aquilo semp'e leva o sê tempo. E vá lá que nã teve precisão de se pentear, qu' ela, na béspra - Sáb'do d' Aleluia - tinha ido fazer uma permanente à cabelêrêra e, atã, inda 'tava com os cabelos tôd's incaracolados...

Ora, aquilo foi a gente s' assantar no banco de trás do carro, ô pé da c'mad'e C'stóida, e assim se 'tava na Vila a antrar p' àquele parque de gôrdar os carros qu' eles fazeram ali im S. Sebastião. Sim, qu' o Zé Manel a guiar o carrinho nã sabe andar com conta. É semp' à mecha toda qu' até berra!...

Mái, o pior inda 'tava p'ra vir. Tã penas o carro antra p' ô parque, desata-se logo a ôvir ela cair e duma tal manêra... Inq'onto eles p' ali se afêçoavam, dí uma fugida à porta, até f'quí c'm' parvo. Aquilo chovia, mái chovia ô bem fêto!... Mal me descuido, sinto uma coisa munto fria no nariz, olhí bem: água coalhada à mastura com a chuva...

Parque de Estacionamento de S. Sebastião - Monchique
O parque de estacionamento de S. Sebastião é coberto, mái, calhando a chover, pode-se t'mar lá banho à vontade. E é de graça...

Volto p' ô pé deles, pensando cá p'ra mim que nem chapé-de-chuva tinha trazido, qu' o dêxí im casa com a pressa d' abalar.

- Tal é este tempo que se pôs aí, compadre?!... Quem havera de d'zer...

- Olha que esta!... Nunca pensí que desatasse a chover assim tã de repente e duma manêra destas...

E pusemos-se tôd's a andar ali p' ô lado da porta de baxo p'a, assim que descampasse, abalar-se p' à igreja, que 'tava méme quái na hora da missa. Ia-se munto bem descansadinhos, sa senhora boa vida, ali entremê daqueles traços qu' eles pintaram no chã p' a s' andar sem os carros passarem p'r cimba da gente, oiço a comad' C'stóida dar um eco:

- Ai, que desgraça!... Lá f'quí com os cabelos tôd's molhados... E a rôpa e tudo...

Ê cá ia, um coisinho mái p' a trás, palêo com o c'pad' Jôquim, logo, nã bem p'r o que se passava, pus-me a olhar assim mê imparvetado. À fim dum pôcachinho, olho p' ô telhado é que vejo o lindo serviço qu' ali 'tava.

S' a m'lherzinha calha a nã ser tã l'gêra qu', assim que senti uma pinga ó duas, dé logo um salto p'a trás e furtô-se a levar com aquela aguaria toda, tinha f'cado bonita... Méme assim, inda l'e luziam umas belas pingas nos cabelos e, na rôpa, a sorte foi um xale qu' ela levava ôs ombros que l'e salvô da água l'e dar cabo dum casaquinho novo qu' ela estreava nesse dia.

Diz o Zé Manel, munto cão:

- Mãe, mái atão isto sará um chuvêro público qu' a Camb'ra pôs aqui p'a quem qu'ser?!...

- D'zer a verdade, semp'e sai mái barato que gastar água e gás im casa...

Respondi-l'e ê cá.

E o compad' Jôquim:

- Olha, se sabesse, tinha abalado mái cedo, trazia um pedaço de sabã azul e p' a lá um trapo p'a m' alimpar e 'tava governado... Vê lá s' ela vem quentinha...

- 'Tejam calados, estapôres!... Se fossem vocêas que panhassem com ela im cimba do lombo, logo gozavam... Ist' é coisa que se faça?!... Darem-me cabo dos mês belos cabelos qu' inda, ontem, os fui arrenjar, aqui com a c'madre Maria, ali à cab'lêrêra?!...

- Calhando, isto foi coisa d' há pôco tempo e inda nã t'veram um atopozinho p'a concertar... - Diz o Zé Manel.

- Olá!... Désna qu' isto foi fêto, semp'e tem corrido fama que chove aqui c'm' na rua....

E o Zé Manel, semp'e no gozo:

- E uma coisa que nã custava nada arrenjar... Ele há um pr'duto p'a tancar coisas que 'tejam rotas que se põe na água e aquilo, im menes de nada, fica c'm' novo. Inda um dia destes, me fazeram isso, ali na ôf'cina, ô mê carro que tinha o radiador roto e aquilo foi um remédo santo...

- Lá 'tás tu semp'e a desconversar... Agora, haveras de ter que m' ir b'scar ôtro xale, qu' este 'tá todo molhado...

- Most'e lá isso aí, qu' ê sacude-o bem e fica logo c'm' novo...

E, com isto tudo, o tempo lá al'viô um coisinho e a gente pusemos-se a caminho. Uns com chapé-de-sol, ôt's não, mái foi só decer o Largo dos Chorõs e abalar-se Porto Fundo prêacima. E aí é que foi a supresa...

'Tavam as escalêras da calçada enfêtadas desta manêra...

Arranjos florais - Monchique
Quem fez estes enfêtes com tanta flor, tem de ser um artista cá com umas manitas...

A minha Maria arregalô logo os olhos, qu' ela perde-se p'r flores. A c'mad' C'stóida até fez assim, béque-me, um "!...". Ê cá e o compad' Jôquim tamém se f'cô assim p' ô insampado com uma coisa tã bonita, mái, logo, nã se disse nada que nã parêce bem um homem gostar munto de flores. Nã fosse p' ali algum de fora ôvir e se pusessem a mangar com a gente...

E o Zé Manel, esse, ó ê cá 'tõ munto atribuido ó atão ele nem vi tal coisa, que já 'tava era com os olhos pôstos numa moça que vinha ali prêabaxo, toda se bandeando, quái chigando à porta do café. E a velhaca vi qu' ele 'tava com o olho nela, atã é que dava ôs quartos... E nã antrô no café sem pr'mêro inda olhar assim de través p'r cimba do ombro...

Pôs, mês belos amigos, aquilo foi uma mêa-hora, perto ó certo, para assubir o Porto Fundo todo. Mái da terça parte das calêras tinham desenhos. E a gente que gostava de tôd's... Inda se falô a ver qual saria o mái bonito, mãi, qual quem, nenhum s' astrevé a apontar qu' era este ó aquele...

- Jôquim, anda lá mái l'gêro qu' isto, a missa, já há-de 'tar a c'm'çar...

Bradô a c'mad'e C'stóida, que já ia a dobrar p' à Rua da Igreja com a minha Maria.

- Ó diacho... e é verdade que já sã horas... Com isto de se ver estes enfêtes tã bonitos, uma pessoa até nã dá p'r o tempo passar...

- Temos que àmentar o passo, compad'e...

E lá se foi p' à missa.

Mái atão e despôs?... Aquilo tinha sido só uma abertazinha, 'tava-se na missa, vem ôtra vez chuva im forte, desata tudo a matinar s' havia pr'cissão ó não. Ê cá vi logo que nã havera de ter sorte denhuma, que já tinha pensado cá p'ra mim:

- Escuro c'm' ele 'tá... vento p'a levar as nuves, nenhum... o qu' é que se pode esperar daqui?...

Digo p' ô mê compad'e - baxinho que 'tava-se na missa:

- C'pad' Jôquim, 'tá aí sarrado p' ô resto da tarde... Pr'cissão, viste-la...

- Pode ser que não, comnpad'e. Pode ser qu' ele al'vie...

- Eh... Alguma vez?!... Nã temos essa sorte.

Arranjos florais - Monchique
Este era singelo, mái foi dos que achí mái bonitos.

E par'cia ê cá qu' ad'v'nhava. Acabô a missa e ela semp'e a cair, que Dés a mandava. O senhor Prior lá se resolvé a fazer a pr'cissão drento só da igreja e pronto. Mái atã, aquilo, era um aperto que nã se podia... Tive que saltar cá p'ra fora.

Com a sombrinha da minha Maria lá dí uma fugida 'té ô ôtro lado do adro a ver se m' acolhia ali de baxo duma barrecazalha qu' os meçalhos dos escutas tinham ali a fazer de carmesse. Digo:

- Nã é tarde nim é cedo. Vô-me más é comprar uma mêa-dúiza de b'lhetes p'a ajudar os môç's e nunca se sabe se nã me sairá p' aqui algum prémo.

Mái ali p' ô lado do balcão nã 'tava ninguém que mos vendesse. Pôs atão, com uma chuva daquelas... Tive que bradar p'r um meçalho que 'tava lá ô canto, munto incolhido, já com a aba do chapéu toda molhada, o fato tamém bem munto pingado e as pernalhas em pele de galinha.

- Menino! Ó menino!... Vende-me lá aqui uns b'lhetinhos... Ó já nã tens?

- Q'ontos quer?

- É consoante e conforme... Q'onto é que custa?

- É a cinco cêntimos.

- Atã dá-me lá um ero deles, fazendo favor...

Béque-me foram vinte. Lá paguí, mái atão e, despôs, p'a desenrolá-los?!... Com uma mão tinha que sigurar na sombrinha e, com a ôtra sòzinha, nã dava fêto tal serviço. E a chuva vá de cair... Parte dos b'lhetes já 'tavam era a f'car tôd's molhados...

Tive que bradar ôtra vez ô meçalho:

- Ó belo amigo, dê-me lá aqui uma manita... Sigure-me na sombrinha da minha Maria inq'onto ê cá desenrolo os bilhet's, senã ê nã dô conta disto...

D'zer a verdade, o mecinho foi munto porrêro e nã amostrô nada 'tar descontravontade, lá isso não... Mái s' ê cá l'es d'zer qu' ele só me vendé b'lhetes brancos, mecêas acraditam? Pôs foi méme isso. De prémos, nem pôco, nem munto, nem nada... Nem tampôco um p' a uma amostra...

E o marafado, ô fim, fez assim um arzinho de rir, volta-se p'ra mim, c'm' quem nã quer a coisa, e diz, munto d'sfarçado:

- Atã, "senhor" Refóias, nã l'e saí nada?...

Ê cá dé-me assim béque-me um gènozinho dele me ch'mar senhor e de me ter vendido os b'lhetes tôd's brancos, mái nã dí parte de fraco, sustive-me e fiz que 'tava contente tal e qual:

- Eh'q, isto tamém nã era p'a ganhar nada. Era só p'a ajudar aí os escutas... E olha lá, nã me chames senhor qu' ê nã 'tô ac'st'mado a ser tratado assim tã fino...

Más ele apanhô logo qu' ê nã tinha f'cado munto sast'fêto.

- Ó ti Refóias, nã s' aborrêça qu' isto nã foi gozo, foi só uma brincadêra... Alguma vez ê cá l'e faltava ô respêto?!...

- Ah, assim 'tá bem... Ê vi logo que tu eras um mecinho com modes. Lá p'r isso, dêxa-me lá ver 'í mái um ero deles...

Arranjos florais - Monchique
Este aqui tamém 'tava munto bem trabalhado.

Foi más um ero qu' ê perdi. Ôtra vez tudo im branco...

E, nesse mê tempo, já a famila 'tava tudo a sair da igreja. Com pôca vontade, verdade se diga, qu' ele inda caía umas pingas. Mái foi coisa de pôca dura. Dali a um pôco, já o sol, d' ora inq'onto, luzia nas p'r as frestas das nuvens.

Inda arrodeamos e voltô-se os quatro ô Porto Fundo p'a ver melhor os enfêtes, mái, com o garrão tã grande o tã pequeno d' água que tinha caído, aquilo já 'tava um coisinho descomposto. Inda me dé que pensar a pàxão qu' a famila que fez aquilo nã há-de ter tido de nã haver pr'cissão p'a passar p'r lá...

Mái p'a quem teve tal alembrança de fazer uma coisa assim - des que foi um senhor ali da Irmandade da M'sericórdia - e p' ôs que ajudaram, fiquem sabendo que 'tava do mái bonito que pode ser e haver. E olhem que o que ê cá ôvi de toda à famila que andô lá a devassar, foi uns gabanços... uma coisa im forte...

P' ô ano que vem, se Dés qu'rer, nã há-de chover e atã é que vai ser, com a pr'cissão a passar e os enfêtes no mêo...

E se qu'rerem ver mái retratos dos enfêtes de flores, acalquem aqui na galeria Arranjos Florais 2007.

Até um dia destes e munta saúde p'ra tôd's.

1 comentário:

  1. Está explicado o maior “mistério” do Parque subterrâneo, porque ninguém paga nada, ninguém tem o direito de exigir nada. Como a obra não tem qualidade, também não há dinheiro para se poder fazer reparações, e como o empreiteiro não é chamado aos seus deveres, para reparar as anomalias da obra, criou-se ali um elefante branco, que só dá despesas, com as quais ninguém se parece importar e onde ninguém tem o direito de reclamar. Quem vier atrás que resolva o problema!

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