Visto daqui, o Moinho do Pôcachinho quái que parêce a brincar...
Visto daqui o Moinho do Pôcachinho béque-me parêce dos de brincadêra, mái vã lá ver d' ô perto e, despôs, logo me contam que tal... Têm é que se pôr a fancos que, p' ô darem visto, só no Dia da Espiga é qu' ele usa a 'tar aberto e a moer pão.
Foi o que se dé a semana passada, q'ondo uma preçanada de famila foi à missa campal ô Barranco dos Pisôs e, no fim de resto, f'cô-se lá a c'mer os farneles uns dos ôtr's e a provar uns calcesinhos daquilo que par'cesse. Fosse ele vinho ó aguardente.
Quem nã par'cé p'r lá nã sabe o que perdeu. E já nã l'es vô falar da função qu' a gente lá se fez que já falí um destes dias, nem na missa, nem no balho, nem im coisíssema nenhuma dessas. Desta vez é só p'a falar da parte da azenha qu' aquilo tem que ver. Ninguém diga que não, que tem.
P'ra mim, só foi mal empregado qu' a minha máquina dos retratos pifrô - e vejam lá qu' inda nem um ano tem... - e, atão, agora nã tenho ôtro reméd'o senã governar-me com a ôtra que p' aqui tenho, já quái do tempo do comboio a cravão.
E os marafados lá da Canon, im Lisboa, des que levam umas belas semanas a arrenjar aquilo... De manêras que, vô-me p' aqui amanhando, màlamente, com esta e vomecêas nã estranhem dos retratos serem um coisinho inda más enferiores do qu' usavam a ser.
Méme assim, a roda da azenha inda 'tá uma coisa munto bem amanhada...
Pôs, mês amigos, uma azenha a trabalhar é uma coisa que já é d' adregue se ver, hoje im dia. E esta aqui, s' atribuído nã 'tô, só trabalha um dia no ano. E é p' à amostrar à famila c'm' é qu' a coisa era nôt's tempos.
E esse dia é a Quinta-Fêra d' Às-sunção, Dia da Espiga, um dia tã emportante cá im Monchique qu' é só o dia qu' as criadas dizem a verdade às patroas e qu' a Cambra até fez dele feriado p' à gente se poder ir p' ô coçáiro à vontade, vejam lá...
E já o ano passado nã tive jêto de lá ir, más este ano, disse logo à minha Maria:
- Aprecata-te, Maria, que este ano o Dia da Espiga é p'ra ir ô Barranco dos Pisõs... Nem qu' ê tenha que dêxar o serviço todo em mêo, ninguém me faz perder uma coisa daquelas...
- Ó homem, quem é que t' impata?!... Já que queres, assim tanto, ir, dêxa lá que p'r mim nã perdes via. E farnel tamém nã há-de faltar qu' ê cá, de béspra, faço logo tudo o que tenhas míngua...
- Isso fica a tê carrego. Mái, verdade que se diga, tamém nunca m' invergonhaste p'r minha culpa, que levas semp'e decomer com fartura e coisas bem arrenjadas à tu manêra...
E, em o molêro soltando a água, é arradar de lá d' ô pé ó toma-se banho méme sem qu'rer...
Pôs, assim que sube qu' eles iam pôr o moinho a trabalhar, já nâ desarradí pé qu' ê cá nem p'r nada que perdia um trabalho desses.
Punhana, assim que soltaram a água, ai do que 't'vesse lá perto da roda!... Aquilo jogava água p'r tôd' ô lado... E as mózes vá de c'meçarem a rodar qu' até parêce mintira c'm' é qu' a água tem tanta força p'a fazer mexer uns balôisos daqueles. Aquilo pesa, nã cudem. Mái, munto mémo...
Em elas rodando c'm' rodavam, era só pôr-l'e uns belos baguinhos de milho e dêxá-las moer à rôpa toda, qu' ele havia p'r 'lí bem munta m'lherzinha que qu'ria uma far'nhita p'a fazer umas papinhas. E cada uma lá desatô a falar da su recêta qu' até foi ingraçado.
Umas era papas com t'mates, ôtras era com côve, ôtras põem-l'e açucre e há tamém quem as faça com o caldo das morcelas - o caldo moiro - e, aí, já s' alomeam p'r papas-moiras. Inda hôve quem falasse do tempo qu' elas se c'miam com sardinhas garrentas aquecidas nas brasas ó méme soltêras.
Nã adianta 'tar, agora aqui, a falar das manêras todas de fazer papas, que tamém se podem ch'mar avélas, mái só l'es digo qu' a minha Maria, entes, q'ondo calhava, fazi-às com barbigõs, agora, que 'tá mái fina, só já l'e servem as conquilhas...
Isto, qu' ela aprendé com as amigas dela lá do Algarve, qu' o que 'tá na moda é com conquilhas... Nã há restarante nenhum lá p'ra baxo que nã faça isso e, aí alomêam-nas p'r xerém... De Manêras que, a minha Maria tamém já sabe fazer xerém. E nã é nada ruim, nã senhora...
Em as mozes rodando, é pôr-l'e grão e dêxá-las moer...
Nôt's tempos, tanto moíam milho c'm' trigo nestas azenhas - ó, calhando, inda más trigo que milho - más, agora, c'm' 'tá na moda as papas, desta e daquela manêra, e pão já quái nã há quem faça - só cá o Parente é qu' inda p' aí vai cozendo umas fornadas dele - a Junta de Freguesia p' ali mandô vir um saquinho de milho - e fez muntíss'mo de bem - p' à gente s' ad'v'rtir e nã se esquecermos d' antigamente, qu' a gente nã sabe o tempo que 'tá p'ra vir...
E atão, aquilo foi dêxar ir moendo um pôcachinho e tramelear uns com os ôtros, inq'onto nem tôd's inda tinha descobrido qu' o moinho já foncionava. Que daí p' à frente, foi um corr'pio de fora p'a drento e drento p'a fora, que nã havia gato pingado que nã se qu'sesse assomar a ver uma coisa daquelas.
Uns que viam os ôtr's ir, ôtr's que gostavam méme de ver e já levavam esse fito ô irem ô Barranco dos Pisõs naquele dia e ôtr's que nem uma coisa nem ôtra, mái, assim que viram, f'caram emprensados com uma coisa tã bem caçada. Hôve menino qu' até f'cava de boca aberta e com os olhos arregalados até mái não. E nã era caso p'a menes...
Em desatando a trabalhar, o moinho do Poucochinho enche uma tulha de farinha im menes dum farol...
O caso é que p'a tirar dôs ó três retratos foi um empeço, qu' aquilo lá drento era pertado e a famila era munta. E quem é qu' os dava desarradado de lá de manêras qu' havesse campo p' panhar o qu' ê cá queria... Puxava um p'a um lado, punha-se logo ôtro no lugar daquele. Mudava ê cá de sito, passavam logo uns dôs ó três p'r a frente...
Mái, no fim de resto, tudo lá se dé arrenjado. E tamém nã se pode ser munto desquesitos. Qu' aquilo, tamém, chigô a um ponto qu' a té já a famila s' arradavam uns ôs ôtros. Nã sê é s' era p'a ê cá tirar os retratos ô moinho ó se era alguns que tamém l'e dava jêto ficar no retrato p'a, e daí, se verem na internet.
Sim qu' isto já há p'r 'í de tudo. Uns nã querem f'car im nada, ôtr's 'tã semp'e prontos p'a f'car no retrato. Destes é qu' ê cá gosto... q' um homem tem d' arrenjar qualquer coisa p'a pôr aqui, 'tá bom de ver. Se tôd's se fazessem rasmôlgos e nã t'vesse assunto, c'm' é qu' ê m' amanhava...
Com uma farinha tã bem moída, era à rabanhita a ver quem levava um saquinho dela...
Agora tamém l'es digo mái uma coisa. Nesse mê tempo qu' isto s' ia dando, o moinho nunca aparava de moer e, aquilo, chigô ali a um certo ponto que já era quái à rabanhita a ver quem é que dava levado um saquinho de farinha p'a casa p'a fazer umas avélas.
Q'onto mái moía, mái freguesas tinha e méme a moer à rôpa toda, nunca dé agu-ento a incher a tulha, qu' o homem nã tinha descanso a incher sacos de plástico p'a gente. O que vale é qu' aquilo era de graça e, atão, a famila tinha que ter pacência p'a esperar.
Assim fez a minha Maria, que levô lá, p'ra cimba dum quarto d' hora bem medido, à espera da vez dela. Más a marafada nã arrèlô e f'cô ali à espera, sem arradar pé, até que lá trôxe tamém o sê saquinho dela, chêo de farinha.
Agora já sê que, nã tardando munto, tã penas ela arrenje uma manchinha de conquilhas, há-de-se m' apresentar com uma pratada de papas im cimba da menza qu' ê cá até fico insampado im frente delas. Digo uma pratada p'r vergonha, p'a nã d'zer uma tachada, qu' elas sabem bem é c'midas logo do tacho... É que, d'zer a verdade, até é um decomer qu' ê aprecêo ô bem fêto. Sendo bem fêtas... Más isso, ela sabe-as amanhar im condiçõs.
Inda agora, ela andava à pregunta duma penêra p'a penêrar a farinha...
E nã nos aborrêço más. Gostándem, vejam o resto dos retratos acalcando aqui na Galeria do Moinho do Poucochinho.
Passem tôd' munto bem.
Obrigado Parente. O seu Blog é do melhor que eu conheço. Estou certo que mais tarde ou mais cedo terá o reconhecimento que merece. Estou a pensar a nivel de manuais escolares, pois nos seus textos encontramos a raiz da nossa língua, embora parecendo português arcaico não o é!
ResponderEliminarCrameia
Só é pena não abrirem o moinho mais vezes. Seriam óptimo poderem fazê-lo para mostrar aos alunos das escolas de Monchique e arredores como funcionavam estes engenhos. Também aposto que os estrangeiros ficariam deliciados, porque se trata de um lugar com um encanto muito especial!
ResponderEliminarEntretanto tive a oportunidade de saber a opinião de um descendente dos Poucochinhos, que ficou maravilhado com a recuperação do moinho e com este tipo de iniciativas, ainda por cima mantendo o apelido da sua família ;)
Meu caro Parente
ResponderEliminarDiz-se na minha terra: para bom trabalhador qualquer ferramenta serve.
No caso do meu amigo, a ver pela qualidade dos seus retratos, bem podemos dizer que para um bom fotógrafo qualquer "retratêra" serve.
Esse moinho do Poucachinho é semelhante aos que existem em Penha Garcia. O sistema de pás que o faz funcionar é mesmo idêntico.
Um abraço aqui da Raia.
Ora em visita aos meus 2 parentes, das raias da moirama, um ao centro outro ao sul, já os vejo aqui a trocar galhardetes (diz-se no norte). Já não vinha cá há 3 posts... e que bem me soube! A espiga e o moínho deram uma boa converseta! que dés le pague por tanta birtude! Abç
ResponderEliminarA foto do MOínho parece um quadro pintado de tao linda que está. Parabens parente!
ResponderEliminarum espetaculo
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