12 maio 2007

O Maio de Marmelete

O Maio - Marmelete
No Maio de Marmelete tinham lá um pórco, bem com umas oito arrôbas ó perto...

Tal e qual c'm' ê cá l'es tinha dito, abalí do Alferce só com uma cervejalha no bucho e p' ali mái uns coisalhos de bolo de tacho e um panito com chôriça qu' a minha Maria comprô lá na senhora Cidália.

Mái, isto hoje em dia, os carros andam que se marafam e, atão, foi coisa de pôco tempo, já se 'tava a chigar a Marmelete. Só que, béque-me, nã vi assim jêto nenhum de grande festa, ramordí baxinho p' à minha Maria:

- Tu nã me digas qu' a festa aqui foi só da parte da manhã e eles já baldearam o pórco assado todo...

- Ó homem, nã digas brut'lidades... Atã nã vês qu' a famila foi ô passêo deles lá ô Cerro dos Picos e agora 'tã a descansar um pôcachinho... E tamém hã-de 'tar c'mendo qualquer coisinha...

- Ê sê cá... É bom que tenhas r'zão, qu' ê já tenho aqui um bicho a rabear que nã dô conta dele... Mái, já agora que falas nisso, tamém havera de ter sido um passêo do melhor. Olha que esta, a gente nã se ter dado ir ôs dôs...

E dig'-l'es agora, que já ôvi incarecer, qu' o passêo de Marmelete foi ô Cerro dos Picos e foi uma coisa do melhor. Isto nã falando nos que foram de b'cicleta que des que correram p' aí os cerros quái tôd's da freguesia p'r donde havesse estrada.

Ôvi falar qu' andaram, perto ó certo, umas oito léguas... Sê cá s' os marafados nã 'tarã p'r aí a fazer tenção d' ir à volta a Portugal!... Ê cá, ô Cerro dos Picos, calhando, inda tinha canoiras p'a dar ido e vindo, mái, agora, amontar-me numa b'cicleta e andar aí cerro abaxo, cerro acima... já nã tenho fôl'go p'ra isso. Era d' adregue era nã me dêxar p' aí arrabolar p'r uma barrêra abaxo e ir parar drento dum balsedo...

Mái, nesse entrementes, já a gente tinha corrido o Povo todo - isto no voksvagem da Zèlinha, 'tá bom de ver - e já se vinha dando a volta além p'r trás da África, de manêras a vir dar à Casa do Povo. E atã nã é que béque-me desatí a lombrigar assim um fuminho a sair de lá de drento?...

Baile do Maio - Marmelete
Tã penas o fole soô, rompé tudo a balhar naquela casa...

- Nã veêm já há além quasequer coisa p' ôs lados da Casa do Povo?... Aquilo há-de ser eles a acenderem o fogo p'a assar o bác'ro...

- Nã vejo nada... - Diz a Zèlinha.

- Ah... e a mim até béque-me já me vem aqui um chêrinho e tudo... - Acode a minha Maria que tamém já tinha a barriga incostada às costas.

- É eles que 'tã ali a adiantar serviço, sim...

Tã penas tinha acabado de falar, assim ela aparô no largo da Casa do Povo. E ê cá salto do carro e vô-me logo d'rêto adonde via luzir o fumo. Ora, dô com uma coisa que nem vomecêas quêram saber... Qual bác'ro nem bác'ro... um pórco bem dumas sete ó oito arrobas, espetado num ferro e já c'm'çando a t'mar uma corzinha.

Daí im diante, nem tenho preciso de l'es contar... que vomecêas já calculam o que se deu. Aquilo foi comer e bober, balhar e charolar, e, ô fim da festa, os que tinham de guiar carro p'a ir p'a casa, aprometerem uma coisinha qualquer ô S. Cr'stóvã, p'a ele l'es levar a Guarda p'a longe do caminho...

Mái nã cudem, aquilo foi uma festa im grande... Ajuntô famila de munto lado. Os que moram im Marmelete e muntos que nã moram. Mái, d'zer a verdade, 'té dá gosto ver a famila s' ajuntar assim, tudo ad'v'rtido, e, parte das vezes, sem ser esperado, incontrar amigos que passa-se anos que nã se l'e põe os olhos im riba.

Festa do Maio - Marmelete
Alguns ad'v'rtiam-se ô bem fêto, méme sem balhar...

Foi o que se com o mê parente Chico da Varja, que 'tá lá p'ra baxo p' à Varja do Farelo faz muntos anos, mái gosta semp'e de parcer p'r cá nestas ocasiõs.

ê cá tinha ido b'scar sê cá os pratos de carne assada que foram e provado um v'nhito casêro dum garrafanito q' um amigo bom - dos do melhor, 'tá bom de ver - levô pra lá assim c'm' quem nã quer a coisa, foi q'ondo dí p'r o parente Chico andar p'r 'lí a balhar, inda com um desembaraço c'm' t'vesse a ametade dos anos.

Nã foi caso p' admirar qu' aquilo 'tava munta famila, munto banzé, e, atão, sacuáso me descuido, era certo e sabido que nem repàirava no homem. Mái vá lá qu' aquilo calhô, méme ô queres, na altura da moda acabar, ele larga a velhota que tinha ido puxar e vai assim quái d'rêto ô balcão, béque-me chê de secura.

- Parente Chico! Ó parente Chico!... - Brad'-l'e ê cá, com q'onta força tinha.

Más ele, com a ãinsa de molhar as goélas, nem p'r nada que ôvia e só aparô ô sentir o balcão incostado à barriga. Aí, fui-me a ele e dí-l'e uma manetada na espinha. O homem volta-se de rompante, com cara de pôcos amigos, mái p' ô marafado que ôtra coisa, quái a qu'rer infelpar-se com-migo.

Punhana!... Mái, assim que dá com olhos em mim, esmorêce, desata a rir e vá de m' abraçar.

- Atã, parente Chico, o qu' é que se faz?... Já tinha bradado p'r si um porradão de vezes e vomecêa nã me ligava...

- É que nã ôvi, parente. Com este lanedo... Olha s' ele havia tempo qu' a gente nã se via!...

Inda mal a gente nã se tinha comprimentado, já ôtro amigo - mái dos tempos dele que dos mês - se vinha apròchigando. Era o ti Mané Maria.

Um belo amigo - nã desfazendo - com noventa e um anos, já fêtos, mái semp'e sast'fêto. E marafado p'a se meter com as moças, home... A primêra coisa qu' ele fez foi, im vez de comprimentar a gente, ir dar uma tanganhada numa moça que p' ali 'tava, munto mái nova qui ele, méme sem na conhecer. Más ela nã fez assim munto caso dele. Atã, virô-se p' à gente.

Ti Manel Maria - Marmelete
O ti Mané Maria, méme com os sês noventa e um anos, jã fêtos, anda semp'e sast'fêto...

- Haja saúde... Mái atã, 'tarê inganado ó vomecêa nã é ali daquela famila dos Refóias?...

- Sô, sa senhora. Mái me 'tá vomecêa a conhecer... Atã e aqui o mê parente, nã sabe quem ele é?

- Quem?

O homem já vê um coisinho pôco...

- Aqui o mê parente Chico da Varja, ti Manel. 'Tá bem qu' ele 'tá lá p' ô Algarve faz bem muntos anos, mái mecêa há-de-se alembrar dele...

- Olha o Chico da Varja!... Atã nã havera de conhecer?!... Somos do mémo sortêo. S' um é velho, o ôtro nã é novo...

- Ah, sã da méma idade...

- Ó Chico, nã t' alembras daquela parte qu' ê fiz ô padre Espanhol, já ê era casado?...

- Ah, atã isso já ê morava lá p'ra baxo, há que tempos...

- C'm' é que foi isso, ti Manel? Conte lá!...

E o homem p' ali desatô a contar a históira que se com o padre Espanhol - Dés o tenha im bom lugar - e a m'lher dele e ele, mái, com o banzé que p' ali 'tava e o ti Mané Maria já um coisinho escorvado e sem dentes quái nenhuns, nã panhí a bem d'zer nada do qu' ele disse.

Aquilo foi uma parte que se com a m'lher dele, que foi tratar fosse lá o que fosse com o pad'e Espanhol. Ora o pad'e Espanhol ch'mava-se assim qu' ele vê de Espanha fugido à guerra - o nome dele era Crisântemo ó coisa assim... - e havia quem d'zesse qu' ele tinha panhado aqueles gazes qu' eles usavam lá na guerra.

De manêras que, o homem nã tinha lá munta pacência p'a aturar as parvoêras de cada um e, em as coisas nã lhe calhando lá munto bem, dava com cada garreão a qualquer um q' uma pessoa até ia de zambareta fugindo d' ô pé dele. Foi o que se com a m'lher do ti Manel.

E o qu' é qu' o ti Manel l' havera de dar na cabeça?... Foi de venta arreganhada d'rêto ô padre tirar temas. Ê cá nã vi, mái aquilo havera de ser o bom e o bonito. O padre a falar mê espanhol, mê português e o ti Manél a falar à nossa moda qu' o padre nã havera d' intender coisíssema nenhuma, os dôs inzàinados que nem cãs...

Más olhem, foi um descanso. Q'ondo os dôs d'zeram tudo o que tinham p'a falar, que nã ôviram nada do qu' o ôtro disse, f'caram amigos e aquilo passô adiente c'm' se nã fosse nada.

Fazendo 'o quatro'
O mê parente das Vinhas, méme um coisinho impeçado, inda fazia o quatro qu' era uma lindeza...

Inq'onto o ti Mané Maria ia p' ali arredondando o conto dele, peguí em mim e fui lá p' ô lado d' adonde eles 'tavam a assar o pórco, a ver se trazia mái uns pedacinhos de carne de febra assada. Más aquilo era à bicha, tive que me pôr atrás dos ôtros e esperar um belo pôco.

Foi à medida de m' incontrar com ôtro parente e amigo do melhor, qu' é assim quái par'cido com-migo. Já os nossos bisavozes, q'ondo calhava, gostavam de provar uns calcesinhos dela e, atão, isto vem na gèração.

Mái o homem, méme já um coisinho escorvado, fez-se forte - assim é que é!... - e vá de se meter com-migo:

- Vá lá aqui um retrato ô sê parente das Vinhas!... Vá qu' é p'a f'car de lembrança...

- Ó mê belo amigo, ponha-se já aí... Mái tem que fazer o quatro... Só l'e tiro a fazer o quatro...

- Só se já!...

E sabem o que l'es digo? Nã foi logo à pr'mêra, mái aí à quarta ó quinta vez, lá s' enqu'librô que dé p'a l'e tirar este retrato que l'es amostro aqui...

E assim se foi passando a tarde. Bem que dava p'a contar mái umas partes ingraçadas que p'r lá se deram, mái c'm' já foi há uns belos dias que foi o Maio e p'a nã nos 'tar a impertenecer más, fic'-me p'r 'qui.

Festa do Maio - Marmelete
Uma coisa que me dá sast'fação é ver os môces nôvos parcerem nestas coisas...

Só o qu' inda gostava de l'es d'zer era que, se nã 'tô atribuído, béque-me vejo cada vez par'cer mái famila nestas festas daqui da nossa zona, tanto faz serem coisas da igreja c'm' das Juntas e da Cam'bra. E munta moçada nova, mês belos amigos...

Pronto. Agora, se qu'rerem ver mái retratos da festa do Maio de Marmelete, acalquem aqui na galeria da festa do Maio de Marmelete. E já agora, quem qu'ser ver do passêo do Alferce, é aqui na galeria do passêo do Alferce.

Até um destes dias e saúde da boa.

1 comentário:

  1. Isso é que foi um dia de Maio em grande, parente!! Deus lhe dê saúde para calcorrear as mil e uma actividades que se passam por essa bela serra!

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