24 abril 2006

O que já levô s'miço e o que nã tarda nada a levar

Sabem que barroca é esta?

D'mingo, peguí em mim, fui ali prê arriba, ô calhas. Sem dar p'r isso, fui adonde nã ia há bem munto tempo. E nã ia lá méme a pr'pósito, p'rqu' ê cá sabia que nã havera de gostar nada do que lá se passava. E dé-se méme isso.

No pr'mêro ponto adonde cheguí, nôtros tempos, muntos aprenderam tanta coisa ó tã pôca qu' alguns até chegaram a dôtores, engenhêros, advogados, juízes, professores, escritores e por 'í fora. 'Tã espalhados aí p'r tod' ô país e lá p'r fora, tamém. Os men's, é que f'caram em Monchique. Sã uns belos milhêros, qu' inda agora, sentem soidades daqueles tempos do Colégio de Santa Catarina.

Pôs, nunca mái o vamos ver. Já deram cabo dele. Só f'cô esta barroca e inda se vê ali uns q'ontos ferros da grade do recrêo das meninas. Q'ondo olhí p' àquilo, ia-me dando um baque no coração. Logo, inda pensí que 'tava a ver mal, mái despôs de esfregar bem as vistas, tive qu' amòchar e engolir aquilo.

- Ah, malandros, qu' escalavardaram isto tudo!... - Pensí cá p'ra mim.

E fui de roda, quái a fugir, ver lá p'r cima s'a coisa era bem com-m'ê 'tava a pensar. Ora, era... De cima, inda men's se via.

Bom, 'tive ali, um belo pôco, a m' alembrar com-m' aquilo era. Semp'e m'çada p'a fora e p'a d'rento, à hora do recrêo era môç's e moças tudo num lanedo, bom, faziam um ôrío qu' havera de s' ôvir lá p'ra baxo p' à praça... Na parte de trás, de q'ondo em vez, jogavam ô jogo da bola, qu' era o qu' os môç's mái gostavam.

Os professores, alguns já foram p' ô ôt'o mundo - o Padre Zèzinho, o Dr. Palma, o Dr. Brás... - ôtr's, graças a Dés, inda cá 'tão - o Dr. Ventura, a D. Armanda, a D. Fernandinha, a D. Maria do Carmo, a D. Francisca... e ôtros que nã conheci tã bem ó a minha mimóira já nã alcança. Na secretaria, era o Sr. Fausto, tamém já nã 'tá cá. A ajudar e a aturar a moçada, a Senhora Beatriz, despôs a Senhora Amália e a Senhora Amélia, coitadas, que nã passavam pôco...

É que nã me entrava na cabeça uma coisa destas... Dêtaram o Colégio abaxo e pronto. O qu' aquilo representava p' a Monchique nã conta...

E inda l'es digo más. Se calhar, muntos de vomecêas nã conheceram, mái aquilo já tinha sido um colégio de raparigas que 'tavam lá tod' ô tempo. Eram umas frêras que t'mavam conta delas. Por acaso, munto boas pessoas. Uma vez, ind' ê era môç'-pequeno, ia ô Algarve, perdi a carrêra, até me deram lá dec'mer e tudo.

Nã aguentí más, c'meçô-me a nascer água nas vistas, abalí, ôtra vez, calçada acima, à pressa toda, nã sê p'rquém. Nisto, as pernas fraquêjaram-me ô méme tempo qu' uns canitos c'meçaram p' ali a ladrar. Olhí p'r tôd' ô lado, olhí, olhí, nã nos via, pensí:

- Mái atão nã 'tarê bom da cabeça, Senhor?...

Pus-me à coca, até que lá os alcancí im cima dum telhado. Eram logo três. Pequenalhos, pôco maiores qu' o mê Caça-ratos - o mê gato - mái munto enzàinadecos. S' ê cã nã fosse assim tã descorçoado, era mái que certo que me desmanchava a rir de ver um espectác'lo daqueles...

Inda me meti com eles, más os bichos nã 'tavam p'a brincadêras. Andavam em cimba das tapadêras, dum lado p' ô ôtro, melhor do qu' ê cá ando num caminho d'rêto. E vá de ladrar. Enq'ont' ê nã me fui embora, nã se calaram. Até a minha Brab'leta, a minha canita, já nã 'tava lá munto contente com aquilo. Más ela ladra pôco, méme no monte, e fora, atão, 'tá semp'e caladinha.

Fui, fui, passí p'r aquelas acáiças que 'tã logo mái preciminha, más umas passadas e 'tava ô pé do convento. Más uma pàxão. Nã sê com-m' é qu' aquilo inda s' aguenta em pé...

Olhem bem p'ra isto, isto e isto... E repairem bem neste resto de ladrilhos qu' inda lá 'tã à espera qu' arrebentem com eles, como fazeram ôs ôtros.

S' ê cá nã visse nã acreditava qu' há mái de vinte ó trinta anos qu' o resto do telhado 'tá siguro p'r paus pôdres de calitro. Béque-me sã de calitro, que lá p' ô pé deles é qu' ê nã vô, nã me vá aquilo cair tudo em cima...

Dá dó ver um trabalho daqueles e cismar que, nã tardando munto, pode-se dar o que se déu com o Colégio. Ó cai com a chuva e o vento ó com algum tremor de terra que p' aí venha, pequeno qu' ele seja, ó sê cá se nã o dêtam a baxo p'r qu'rer... Já vi tanto, nestes anos tôd's, que nã f'cava abismado s' isso se désse.

Mái inda nã é tudo. Exp'r'mentem a ir à Fonte dos Passarinhos e logo vêem... Ê tive a pôca sorte de seguir caminho e ir até lá. Nã l'es digo nada... Aí é qu' ê f'quí sem pinga de sãingue no corpo...

Aquilo eram um lugar adonde, naquele tempo, a gente gostava de levar as nossas namoradas, sem ninguém saber, 'tá claro, senã havia logo enredo com a mãe ó, inda pior, com o pai delas.

Neste sito, 'tive ê cá sentado com a minha pr'mêra namorada, vai p' a cinquenta anos. Parêce que foi ontem. Do ôt'o lado 'tava o Tòininho e a Zèzinha, que tamém tinha vindo com a gente. Sabia-se que se tinha pôco tempo. Eles levantaram-se e foram-se assomar ô tãinque que 'tá do lado de baxo. Aprovêtí e, munto a custo, qu' ela nã dêxava, lá l'e pus o braço p'r cima dos ombros e, f'camos os dôs a ôvir a água a correr da bica p' ô chafariz e a pensar nã sê no quém. E nã digo mái nada que me sinto embatucado...

Pôs agora, 'tá no estado que vomecêas podem ver. O chafariz já nã 'tá lá. A água vai p' ô tãinque num cano de plástico preto. A armação em ferro que 'tava sigura no pilar ô mêo com uma flor em cima p'a dar sombra, des'par'ceu. Inda 'tã uns q'ontos ladrilhos na parede, calhando, p'rqu' inda nã t'veram tempo dos rôbar tôd's.

Em tantos anos, nã hôve quem visse isto? Hôve, sa senhora. Muntas vezes, ôvi falar, béque-me assim mái q'ondo se 'tava prestes a ir a votos, qu' a Câmara qu' ia comprar o Colégio, qu' ia comprar o Convento, qu' ia fazer isto, qu' ia fazer aquilo...

Bom, nesse mimento, vêo-me tamém à idéa ôtro sito qu' ê gostava ô bem fêto, a Quinta de S. Sebastião. Pensí:

- Já que tirí p'a padecer, vô-me lá tamém. Há-de ser o que for...

E desengalguí ali prê abaxo, à rôpa toda, quái que nem repairava da magnólia do convento, uma arve já com uns belos anos, nã me prècurem q'ontos qu' ê nã sê em-maginar. O que valeu foi que, q'ond' ia passando p'r e baxo dela, com a pressa, dí um escorregão, e nã me dí furtado a um bate-cu no chão.

Olhí p'r a cima, vejo aquela grande copa bem fechada, o tróço largo que nã no dava abarcado. Inda disse p' à minha brab'leta, que tinha ido com-migo e aparô ali, espècada, a olhar p' ô dono, espaldêrado no chão:

- Atã, b'chinha... Nã tenha medo qu' o dono nã f'cô mal. Isto nã teve dúv'da qu 'o caminho tem munta erva. Se nã caio, nã repairava numa arve destas que já era grande q'ondo ê nasci. E nã há muntas p'r cá.

De manêras que, alevantí-me, sacudi os fundilhos das calças e lá fui prê abaxo ôtra vez. Mái já nã cheguí à Quinta de S. Sebastião. Era já um coisinho tarde e ê tamém nã ia lá fazer nada. P' a desgraças já tinha àvonde. Logo lá vô q'ondo calhar.

Olhem, vô mái é b'ber um calcesinho ó dôs d' aguardente p'a ver se me passa uma catarrêra qu' ê tenho já há uns q'ontos dias, e, ô méme tempo, afogo esta pàxão do Colégio e do Convento e dôtras coisas ruins que se têm dado em Monchique.

Uma terra qu' é uma categoria tem que ser estimada. Vamos tôd's, à uma, ôlhar por ela. Nã acham que tenho rezão?

Atã vamos a isso e Dés os ajude.

2 comentários:

  1. De facto, a questão do património cultural/arquitectónico/religioso/tradicional de Monchique foi magnificamente colocada neste seu ultimo post, com o caso das supostas (e bastante apregoadas) intenções da C.M.M. de reabilitar o Convento do Desterro e também o, infelizmente já extinto, Colégio de Santa Catarina, que aquela entidade afixou em enormes placards durante anos, e que a cada ano que passa continuam por cumprir.
    A recuperação do património edificado de Monchique seria uma "jogada" estratégica muito inteligente, que além de preservar a beleza e História do concelho, teria com certeza efeitos bastante positivos na afluência turística (e consequentes receitas na economia local) da região, dando a conhecer ao Mundo aquilo que torna Monchique num local tão aprazível e encantador.
    Resta-me, enquanto jovem que não viveu a plenitude das tradições, ouvir as histórias que a minha mãe me conta, e que desde muito cedo me despertaram a sede de saber mais sobre uma zona tão única, receheada de estórias caricatas e belas, além deste delicioso blog onde encontro o linguajar da minha família, e reforço as saudades que sinto desse lugar onde repousam as minhas raízes.

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  2. É de facto muito triste que Monchique não preserve o seu património arquitectónico. Da última vez que fui a Monchique disseram-me queo colégio tinha ido abaixo mas nem tive coragem de ir lá ver se era mesmo verdade. Tenho ainda uma ou duas fotos do colégio num dos ultimos meses em que ainda estava de pé. Fico mesmo decepcionada de saber que realmente foi deitado abaixo! Mantenho agora a esperança de que no caso do convento, a ideia seja de o recontruír e não de destruír...

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