27 abril 2006

Umas q'ontas flores que já quái que nã há

A munto custo, inda encontrí estas adelfas com os botanitos a crescer

Ontesdontem, dia 25 d' Abril, com-m' era f'riado, 'tive ô monte. Cudava ê cá que, nã sendo dia santo de guarda, logo arrenjava qualquer servicinho p'a fazer, qu' ê béque-me dá aflição de 'tar sem fazer nada.

P'a falar verdade, serviço nã me faltava, mái foi uma coisa que nã me dé cobiça jogar-me ô trabalho nesse dia. Alevantí-me bem cedo, é verdade, más isso é qu' os mês ossos já nã me dêxam 'tar munto tempo dêtado. Tenho p' aqui uns bicos-de-papagaio semp'e a m' apequentarem... Isto é herdança de famila, já o mê pai, Dés o tenha no Céu, tamém sofria do mémo.

A mê da manhã, c'mendo um pedaço de pã com chôriça, calhí a olhar p' à tel'visanita qu' a minha Maria usa a ver o romance, era só cerimóinas e mái e cerimóinas, os do governo, o presidente, os deputados, os juízes e ôt's qu' ê nã sê o qu' é que são, tudo famila que trabalha munto... Falocavam, falocavam, faziam miécos, muntos risos, munta coisa, más pôco ó nada s' apr'vêtava. Ora, ê gosto munto do 25 d' Abril, mái desses dos partidos... Éh'q!...

Pensí cá p'ra mim e, despôs, disse p' à minha Maria:

- Com um dia tã bonito qu' aí 'tá, calhando, podia-se ir andar um pôcachinho aí p'r os cerros. Nã digo agora já, mái mái-logo, despôs de se c'mer. Levava-se a Barb'leta com a gente, qu' ela tamém gosta d' ir, e podias d'zer alguma coisa à c'madre C'stóida.

- A c'madre C'stóida nã pode ir, qu' o Zé Manel 'tá além e ela tem de l' arrenjar a rôpa, e ê cá tamém nã tenho munto jêto d' ir. Vô-me aferventar ali uns milhos, já pus a cinza drento da panela e tudo, e aquilo leva bem munto tempo, de manêras que, logo se vai p' ô Maio qu' ê, despôs, faço aí um bolo de tacho e vai-se desmaiar p'a qualquer lado.

- Tamém 'tá bem. Mái atã e o qu' é qu' ê faço aqui, tôd' ô dia, que nã me 'tá a apetecer ir fazer nada?...

- Ó homem, vai tu, leva a canita, anda p'r lá até qu'reres e dêxa-me aqui s'ssogada a fazer o mê g'verno...

E f'cô a coisa terminada desta manêra. Tã penas se c'meu p' ali um jantar de grãs, e 'tava méme gostoso, peguí no mê chapèzinho do domingo, pus três ó quatro fig's na alsebêra das calças e pus-me a andar.

- Barb'leta! Barb'leta! Anda daí com o dono, anda já, b'chinha... Vamos, tôd's dôs, até além em riba.

A canita p' ali par'ceu e abalô-se. Foi-se andando, foi-se andando, nã se viu vivalma. Tirando um passareco ó ôtro, famila nada. Ô fim dum belo pôco, é que lá par'ceu nos ares um sapêro, d' asas munto abertas, a andar à roda, semp'e a engrilar p'a baxo a ver se lombrigava alguma cobra ó lagarto ó coisa assim, qu' é o qu' eles mái gostam.

Com isto tudo, chigô-se a um sito adonde ê qu'ria méme ir. Nôtr's tempos, ele havia p'r lá bem muntas adelfas, mái despôs dos encêndios nã voltí lá. E ê sê qu' essa flor já pôco há, de manêras qu' ê cá, com-mo gosto munto delas, 'tava em ferros p'a saber s' inda f'caram algumas.

Ah, mês belos amigos, padeci ô bem fêto... Corri seca e meca e nã dava com nenhuma. Só via era cepas d' urza, tudo quem-mado, çabolas d'albarrã (bispe aqui) e mongariças que já rebentaram e 'tã carregadinhas de flor. Até que lá fui, lá fui, inda encontrí um r'stinho delas, das tás adelfêras, no mê dum balsedo, já com os botanitos a mê cr'cer, a qu'rerem dar flor.

F'quí más contente que nem uma pega sem rabo!... Até dí vaia à minha Barb'leta e passí-l'e a mão p'r cima, qu' ela gosta munto que se l'e faça festas.

- 'Tá a ver, b'chinha, inda se dé visto aqui umas q'ontas adelfas... Isto dã uma flor qu' é uma categoria. Quasequer dia, temos que vir aqui ôtra vez, q'ondo elas abrirem flor. Nã te desqueças...

E lá fui andando, prê adiante.

Nisto, olho assim de través, vejo, béque-me, luzir uma coiseca encarnada,vô-me lá ô pé, era uma rosa-albardêra. Ôtra flor qu' ê já nã via faz bem munto tempo e tamém já nã há quái nenhumas. Más é bonita que dá gosto ver.

F'quí derretido a olhar p'ra ela, bem munto tempo. Levô-me até ôs mês sete ó oito anos, q'ondo inda andava na escola, e, tôd's dias, abalava de casa a pé, com a cartilha do João de Dés e pôco más dentro duma bolsa. No inverno, uma saca à cabeça, dessas do amóino, fêta num capuz. No verão, desc'rapuçado à torrêra do sol. A mê do caminho, passava ô pé dum monte de pedras grandes, num corguinho sem água, e lá 'tavam elas, pôcas, umas duas ó três rosas-albardêras...

Más, acordí do sonho e vieram-me à cabeça outras flores que tamém já pôco se vêem. Alembrí-me do gilbarbêro e do azevinho. Um dia destes, tenho qu' ir à prègunta deles. Mái, com o qu' ardeu, nestes anos, aqui na serra, já nem sê adonde haverá alguns.

E lá abalí, serra abaxo, caminho do monte, que iam sendo horas.

O Jericó e a Cochina 'tavam à espera qu' ê chigasse p'a c'merem alguma coisinha e ê gosto de tratar deles entes de escur'cer. Qu' a minha Maria nã é moça p' ôs dêxar passar fome... Mái ela tamém tem ôt's g'vernos dela e, atão, ê nã gosto d' abusar.

Já vinha chigando cá em baxo, ô passar d' azinhaga, encontrí o ti Manel dos Pôrtos, méme ali ô voltar daquela pedra rab'luda, nem se dâva passado os dôs duma vez.

- Eh, ti Manel. Venha com Dés.

- Venha tamém com Dés vomecêa.

- Tamém foi dar 'í uma voltinha ô campo?

- Éh'q, fui ver umas batatinhas temprôas qu' ê samií além naquela chanita. E aquilo corré-me bem. Nã vêo geada, olhe 'tão quái capazes d' arrencar. Calhando, p' à semana vô-me a elas.

- Fez mecêa munto bem. Se qu'ser vender algumas, ê precisava aí duma arrobinha ó duas, qu' as minhas inda 'tão munto atrasadas.

- Olhe, despôs logo se fala. Fique-se com Dés, qu' ê 'tô com um coisinho de pressa.

- Atã, vã com Dés e dê lá recomendaçôs à prima Lúiça.

Enqonto isto, voltí-me p'a seguir o caminho do monte e nã repairí que 'tava uma pôça de lama p'r trás de mim. Oh!... Atolí-me logo nela. E, más um nada, nã dava um bate-cu. Qu' atã é qu' havera de ser bonito, s' ê ficava com as calças todas enlocadas de lama...

Mái lá me safí daquela e só tive qu' alimpar munto bem as botas numa erva-azeda que p' ali 'tava, senã a minha Maria, qónd' ê entrasse, porta adentro, a dêxar cair postas de lama p'r a casa toda, dava-me logo um éco dos dela...

E, p' a arredondar isto, só l'es qu'ria d'zer mái uma coisa.

Q'ondo mecêas darem com alguma flor destas, aprecêem-na bem, mái nã l'e façam mal. Nã l'e toquem que nem disso elas gostam. Dêxem-na no mémo sito que lá é qu' ela 'tá bem. S' a levarem, ela murcha entes de chigar a casa, e daí, seca logo. As flores do campo sã com-m' ôs bichos. Nã foram fêtas p'a 'tar presas à famila. Q'onto mái longe, melhor. Elas é que sabem...

Atã, vã-se preparando p' ô Maio. Vamos tôd's desmaiar p' à serra. Ê cá quer' ir p'à Fóia. E, depôs, logo me contam...

Dés l'e dê munta saúde, mês amig's.

2 comentários:

  1. Foi entre sorrisos e saudades que acabei de ler os textos deste blog. Qualquer pessoa com raízes nesta terra e, como no meu caso pessoal que a vida afastou desse lugar único, sente profundamente a autenticidade das suas gentes aqui retratada. Em monchique fala-se assim e sobretudo pensa-se assim, de maneira por vezes mordaz mas geralmente afável para com os seus "vizinhos" e visitantes. Serve para matar as saudades e lembrar uma infância feliz que a serra protegeu e que tenho pena de não puder dar às minhas filhas. resta-em a consolação de perceber que em cada período de férias agora passadas com a avó vão também elas aprender cada vez mais a gostar do lugar onde cresci edas gentes que o habitam.
    Parabéns pelo trabalho ao autor que muito provavelmente reconheceria se nos cruzássemos no porto fundo ou em outro qualquer lugar da vila e arredores.

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  2. É mesmo em Maio que aí vou matar as minhas saudades, ver a familia e fotografar um casamento. Espero que também já esteja bom tempo para ir até á praia... e que este ano não hajam fogos que a malta já tá farta disso!

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