02 outubro 2006

O Vinte Nove é um banho que vale p'r trinta...

Banho do Vinte Nove - O banho

No Vinte Nove toda a gente vai à água. Nem que seja só até ôs artelhos...

A famila cá da serra, nôtres tempos, nã tinha posses p'a ir dar banho ô mar tôd's dias ó todas semanas, c'm' agora muntos fazem. Era preciso comprar uns calçõs de banho, pagar a um carro-de-besta ó, mái tarde, o b'lhete da carrêra e, munto pior, perder um dia de trabalho, numa altura do ano que nã há vagar p'a coisíss'ma nenhuma.

E atão, o qu' é que s' haveram d' alembrar. Nã sê lá quem foi nem q'ondo. O certo é qu' inventaram qu' indo dar banho no vinte nove de Setembro, aquilo valia p'r terem ido os dias tôd's do mês. E desataram a fazer assim, qu' a famila via aquilo c'm' se fosse mái que certo.

Na bésp'ra à nôte, despôs da cêa, pegavam nas sus trôxas - uns cestos, cestas ó canastras de verga, umas bolsas de ratalhos, umas alcofas d' emprêta, uns tachos d' arame, umas panelinhas de ferro e umas plenganitas de barro - chêazinhas dos melhores dec'meres que sabiam fazer e lá abalavam caminho da Praia do Vau.

P'a acompanhar, nunca se desqueciam dum garrafanito de vinho, quái semp'e d' acolhêta, e, munto menes duma garrafinha de madronho, de verga fina e rolha de corcha, fêta à mão com a faquinha d' als'bêra, que cortava que nem uma lanceta, e um c'pinho de vrido grósso que servia p'a tôd's boberem o sê calcezinho dela, em chigando à praia e méme logo durante o caminho, que semp'e levava umas belas cinco ó sês horas, perto ó certo.

Máicudem, as m'lheres levavam quái um dia entêro a fazer dec'mer... E tudo coisas que, só de me virem à idéa, me fazem cr'cer água na boca. E senã, vejam lá se tenho ó nã r'zão, despôs d' ê l'es d'zer o qu' eles usavam a levar.

Olhe, era désna de papas de toda a q'ôlidade - moiras, com tomates, com côve e méme soltêras - fêjão com arroz - bem temp'radinho com as carnes todas - fresneco, piques na banha incarnada, chôriças e morcelas, sardinhas albardadas, f'lhózes de pol e das de mortepórque, zêtonas - britadas ó de conserva com cinoiras - bolos-d'-alforge, bolos-de-lar, ê sê cá o qu' é qu' eles nã levavam más...

Em chegandem ô Vau, já às tantas, p'a verem alguma coisinha acendiam as alenternas a pitrol, estendiam as toalhas p' aquela arêa afora - cada uma apresentava a mái bonita, umas de pano ôt'as de linho - prantavam-l'e o d'comer todo im riba e vá de c'merem e boberem, cada qual o mái que podia...

Tocadores de fole nã faltavam. Era raro o carro-de-besta que nã trazia um. Assim qu' o v'nhito e o madrondo chigavam à cabeça, os homens davam em puxar as moças p'a balhar, aquilo era uma festa...

Tã penas amanhecia - melhor d'zendo, inda entes do romper d' arora - lá ia tudo caminho da água p'a darem banho. Banho... P' ali s' arrabolavam na arêa, adonde a água mal l'e tocasse nos calcanhares... E q'ondo calhava a vir uma onda assim más alta, andava logo tudo de zambareta e ensiavam-se tôd's qu' até custavam a t'mar ar.

Uma ocasião, levaram um meçalho-pequeno qu' inda nunca lá tinha ido. O pobrezinho só 'tava ac'st'mado a ver água aqui no barranco do Ambróizo, p' ali andava a brincar, desafrontadamente, na arêa molhada, assim à babuja, q'ondo nisto arrebenta uma onda das grandes, qu' a maré 'tava a incher, passa-l'e p'r cimba, vai de raboleta, até o perderam de ver...

Q'ondo a água decé p'ra baxo, ele alevanta-se todo ensiado, a esfregar os olhos, já com uma bela golada d' água salgada no bucho, quái que custava a t'mar ar, toma tino, volta-se p' à famila que 'tava tudo a olhar p'ra ele e a rir, e diz munto ensampado:

- , raio!... Que grande r'bêrada!...

Aí é que se descangalhô tudo às carcachadas. Havia menino qu' até se espòjava na arêa com a grande barrigada de rir que panhô...

Mái, voltando atrás, sabem p'r qu' é qu' eles faziam esse trabalho de dar banho inda lusco-fusco?... Ê vô-l'es d'zer, qu' isto tudo um jêto.

É que lá os marujos de Vila Nova - os algarvís - usavam a ir judear com a famila da serra p'r mode a gente nã saber abanhar e se ir p' à água vestidos daquele jêto - os homens em ciroilas e camiseta e as m'lheres im combinação ó, algumas que tinham, im culotes e colête.

E, nã contentes com isso, em gozo, inda ch'mavam à gente "os parentes", p'r mode se ser quái tôd's primos e se tratarmos p'r parentes uns com os ôtr's.

E, atão assim, q'ond' eles s' alevantavam p'a irem p' à praia, já a gente se tinha governado e posto a trôxa toda nos carros-de-besta e lá se voltava caminho do monte, sem eles terem inchido o papinho de rir às nossas tenças.

Mái, q'ondo calhava, a gente tamém antrava com eles à nossa manêra. Muntos andavam descalços e com as calças, que nem l'e chigavam ôs artelhos, siguras p'r espensóiros, com os fundilhos arremendados e debôtas de tant' ô uso. E a gente d'zia:

- Atã, pá, vás ô barbigão?!... - Qu' era c'm' quem d'zia qu' ele já tinha as calças arr'gaçadas p'a nã as molhar...

De manêras qu' o Vinte Nove era assim há mê cento d' anos p'a trás e despôs acabô. Más, agora, faz já uns sete ó oito anos, a Junta de Freguesia de Monchique dé em pedir as caminetas à Cam'bra e tem convindado a famila toda que quêra a s' irem ad'v'rtir e fazer uma amenção do Vinte Nove, nesses tempos.

E nã l'es digo nada... Neste Vinte Nove, ajuntaram-se três caminetas chêazinhas de famila e inda os que par'ceram nôtras vias. Ê cá nã nos contí, mái, ó munto m' engano ó 'tavam lá aí p' ô lado d' uns dôs centos de famila, se nã fossem inda más...

Pôs, aquilo, o ajuntamento foi no largo adonde apoisam os helicópt'res e uma parte da famila já vinham vestidos a precêto. Vô-l'es amostrar uns q'ontos retratos dos qu' ê cá tirí, ruinzinhos, 'tá bom de ver, qu' aquilo era de nôte e nã fêto melhor.

Banho do Vinte Nove - Abalada

Ele hôve quem abalasse de casa logo vestido a precêto. E fez muitíss'mo de bem...

Tã penas assubiram tôd's p' à camineta, tava-se aqui 'tava-se logo na Praia do Vau, qu' isto a lonjura nã é munta e, com as vias que há, hoje em dia, nã custa nada. Q'ondo damos p'r isso t'á-se no destino. Béque-me já toda a gente prosa e tudo. Olhe que, q'ond' ê era novo, via-se muntas vezes a famila com a galga de fora das j'nelas da carrêra e vá de ch'marem p'lo grigóiro...

Ô chigar ô Vau, foi ôtr' empeço. P' à famila sair toda e tirar as trugias do porta-bagajas, levô-se uma remessa de tempo. Más a más que nã havia lugar p' ás caminetas todas, ô méme tempo, ali à rés da praia. E, a verdade que se diga, nã era só o pessoal ser munto, é que tamém ia tudo bem carregadinho de farnel, lá isso ia...

Banho do Vinte Nove - Chegada à Praia do Vau

É qu' era bem munta famila e levavam munta trugia...

Mái, assim que desandaram tôd's p' à praia, aquilo c'meçô o fand'liro... Avençaram com aquelas cadêras, ó camas ó lá o qu' aquil' é, qu' "Os Costas" têm lá na praia p' ôs 'strangêros s' encostarem e panharem sol naquela lombêra, ajuntaram-nas, estenderam-l' as toalhas im riba e vá de espalharem d'comer à farta p'r tod' ô lado...

Banho do Vinte Nove - Praia do Vau Banho do Vinte Nove - Praia do Vau Banho do Vinte Nove - Praia do Vau

Tã penas lá chigaram, estenderam as toalhas e dec'mer nã faltava im banda nenhuma...

Más, o resto, logo l'es conto amanhã, se ser coisa que quêram saber.

E, despôs disso, inda tenho que falar tamém na descasca de Marmelete...

Fiquem-se com Dés.

4 comentários:

  1. Parente

    Olhe lá, sé nã adevenhi que mecêa havera dír ó Banhe do Vinte Nove?
    É cá já sabia que mecêa nã pudia passar sem tirar retratos, até parece qu'esse goste les tá no saingue.
    É cá sempre ouvi dezer q'us banhes salgades, só tinham vertude se fossem dades em númaro ímpar e assim o do vinte nove valia por vinte nove banhes e era munte bom pás mazelas qu'as pessoas tinham.O parente fala que valia por trinta e a sú fonte d'enformação há-de de ser sigura..., até posso tar inganado.
    Achi piada do tal "Berrega" tar em premêre plane, com o moce pequene ó cole, no sé retrate. O home tem side um bom amigue pré mim, lá pré gozar com o anexim que le prantaram, nã quere dezer nada de mal.



    Vou treminar dezende-le más uma vez,que temes de zelar por esta terra, que nã tenhe vergonha de dezer qu'é uneca...

    Ôtre abrace

    O Campaniço

    ResponderEliminar
  2. Parente
    Sobre as origens do Banho de 29 de Setembro encontrei o seguinte:
    "Perdem-se no tempo as origens desta celebração mas não deixa de ter várias versões: referencias ao banho santo dos mouros que tem lugar nesta data; a data da conquista de Aljezur por Paio Peres Correia (facilidade militar supostamente devida à ausência da população, a banhos na costa); no Sotavento do Algarve é celebrado nesta data, a mística religiosa do dia de S. João da Degola (degola de S. João Baptista). Portanto tudo indica tratar-se de um banho santo, ou de purificação. Lagos comemora com grande destaque esta data, numa iniciativa da Câmara Municipal que reúne enorme quantidade de espectadores no evento realizado, anualmente, na Praia da Solaria.",
    que retirei daqui.
    Um abraço.

    ResponderEliminar
  3. Amigue Tóino

    Pôe é cá só sê que Lagues comemora o Banho do Vinte Nove a 29 d'Agoste e dequestuma a ser na Praia da Batata.
    Vou aprendende q'alquer coiseca com o que o Senhor escreve.Munt'óbrigada a si e o nosse Parente da Refóias.

    Arecebam comprimentes més.

    O Campaniço

    ResponderEliminar
  4. Oh amigo Campaniço
    A transcrição que fiz desse texto do Sr. José Carlos Vasques reporta-se ao dia 29 de Agosto e não a 29 de Setembro como atrás escrevi.
    Estabeleci confusão com a tradição do banho de 29 de Setembro, dia de São Miguel, dia de renovar os arrendamentos agrícolas, como é também tradição na terra da minha mulher, em Maria Vinagre, concelho de Aljezur. Em Odeceixe também se usa esse banho a 29 de Setembro, o que não acontece em Aljezur, sede do concelho, que o pratica a 29 de Agosto.
    Sei também que a família da minha mulher e grande parte desse povo de Maria Vinagre, que são quase todos parentes, se relacionam familiarmente com gente de Marmelete e talvez daí essa tradição comum com a data de Monchique.
    Aí está um bom tema para pesquisa antropológica.
    Cumprimentes més, tamém, e um abrace.
    Outro abrace p'ro Parente da Refóias!

    ResponderEliminar

Obrigado por visitar e comentar "O Parente da Refóias"