06 setembro 2007

Caminho de Santiago - Molhado que nem um pinto

Saída de Vilarinho sob chuva persistente
Im Vilarinho, desatô a chover às cinco da matina, teve-se qu' abalar debaxo de chuva...

- Ó c'pad' Refóias, mái conte-me lá bem essa d' abalarem tôd's debaxo de chuva lá d' adonde vomecêa disse, que já nem m' alembra bem o nome...

- Lá de Vilarinho?...

- Sa senhora, daquele sito adonde vomecêa 'tava ferrado a dromir e, p'r o jêto, acordô, de rompante, premode um grandessíss'm' ô aguacêro...

- Atã, nã vê, aquilo, o telhado era béque-me de lusalite ó lá o que era e o pav'lhão dum tal tamanho que dá p' ôs môces jogarem à bola lá drento... ora, o barulho da chuva intoava qu' até metia medo... Mái quem é que dava dromido, senhor?!...

- Eh'q, semp'e há quem nã l'e faça d'f'rença... A minha C'stóida nem que l'e passe o comboio ô pé da menza de cabecêra ela acorda...

- Lá 'tás tu!... E q'ondo tu te pões a roncar qu' até na rua se ôve?...

Saltô logo a minha c'madre, que 'tava p' ali a debelicar umas bajas p'a pôr ô fogo.

- Pôs ê cá - diz a minha Maria que tenho sono de pulga e tará r'zão - acordí logo e, tã penas me vê à idéa que tinha umas sês ó sete léguas p'a andar nesse dia, assim dí um salto da cama - cama é c'm' quem diz... do chão!... - e vô-me d'rêto à porta da rua olhar o astro.

- E que tal?

- Nã me diga nada... Entes, inda panhí um cagáiço que mecêa nem calcula...

- Nã me diga... Atã fez algum relampo e caíu algum p'rigo ali p' ô pé? Isso inda havera de ser de nôte...

Igreja e antigo Convento da Junqueira
Lá p' às bandas da Junquêra, inda ele nã tinha al'viado...

- Nã foi nada disso, hom... O que foi é qu' eles tinham posto lá um guarda durante a noite a gôrdar a porta e o homenzinho, p'r o jêto, dé-l'e sono, assantô-se numa cadêra e incostô a cabeça numa mensa que p' ali 'tava...

- E ferrô no sono...

- Tal e qual... Ora, ê cá, aquilo inda era lusco-fusco, nã dí p'r um balde - ó lá o que era - com papés que 'tava ali no mê do corredor, imbiquí naquilo, fiz um cagaçal marafado...

- E espatarrô-se no mê chão...

- Quãi qu' ia caindo uma mangulada, mái nã caí... Fui foi um coisinho de zambareta d'rêto à tal menza.

- Aí, o guarda acordô...

- Acordô... e alto lá com ele!... Dá um salto, todo insarampantado, e prega-me um eco qu' ê até estrameci:

- Qu' é isto aqui?!!!...

- Eh, amigo, 'pere aí... Nã tenha medo qu' ê nã l'e faço mal... Atão, dromiu aqui esta nôte? Nã arrenjô cama ali drento? - Disse-l'e ê cá fêto foito, cudando qu' ele tamém ia Caminho de Santiago c'm' os ôtros - Inda panha p' aí uma const'pação e nã dá seguido viaja...

- Qual viaja nem viaja... Ê sô o segurança aqui disto...

- Ai, coitadinho... E passa aqui as noites?...

- É o mê serviço...

De manêras que, lá se meté conversa e p' ali se paleô um belo pôco. Aquilo qu' a gente usa a falar nestas ocasiõs... Que 'tava de chuva, que nã calhava nada bem, que, calhando, 'tava sarrado p' ô dia todo... e más esta e más aquela...

Descendo para o Rio Este, a caminho de Arcos
Com Arcos à vista, 'tava tudo alagado, mái a chuva já era mái brandinha...

- Ô certo, ô certo, é que, inq'onto isso, ê cá fui ingrilando p' ô lado da rua e só me dava era com'chão na cabeça...

- 'Tava a desconfiar qu' o tempo l'e 'tava a fazer a parte...

- Olhe, compadre, o astro 'tava carregado até mái não, a chuva vinha além do lado da mãe, vento pôco, o qu' é qu' ê havera de pensar daquilo?...

- Ora, 'tava fêto p' ô dia...

- Pôs, atão... E foi o que se deu...

- E, méme assim, alevantaram-se e puseram-se a caminho?!... Já é preciso ter munta vontade de se molhar!...

- Que remédo, compad'e Jôquim... Mái tamém l'e digo: Inda pensí que lá os que mandavam naquilo d'zessem pr' à gente esperar um pôcachinho a ver s' ele al'viava...

- E eles nã foram nisso?...

- Alguma vez?!... Aquilo 'tava destinado à gente chigar tôd's dias a um certo lugar, que chovesse qu' aventasse, era abalar e... p' à frente é qu' é caminho...

- Ai home, ai home... isso pr'a mim béque-me nã dava... Um homem andar o dia intêro todo desconsolado, inxugar uma molha na lombêra e com as botas chêas d' áuga...

- Pôs foi o que m' acabedô naquele dia... À fim d' andar nem chigô a uma légua, já nã tinha fio inxuto e os sapatos 'té faziam chaloc-chaloc...

- Ai, compad'e Refóias, ê panhava logo uma catarrêra que nã sê c'm' é qu' isso seria... Ora molhar as costas e nã mudar logo de farpela...

- P'ra mim, o pior foi andar tod' ô dia com os pés molhados. Pensí que chigava ô mê destino sem pele nas palmas dos pés...

- E inda levava alguma?...

- A pele levava, mái borrefas nã l'e digo nem l'e conto... Era quái uma pegada désna dos dedos até ô calcanhar...

- Atão e c'm' é que dava andado no dia a seguir?...

- Sabe qual foi a minha sorte? Foi que 'tava lá aquelas senhoras da Ordem de Malta e, atão, furaram-me aquilo tudo, espremeram munto bem e, im cada empôla dêxavam uma linha p' àquilo ir dêtando aquela aguadilha p'ra fora.

- E nã l'e dava assim uns frenicoques de ver elas l'e tancharem a agulha?

No Albergue de Peregrinos de Rates
No Albergue de Rates, hôve quem pusesse uma rôpinha a secar. É qu' inda faltava fazer ôtro tanto caminho até Barcelinhos...

- Aquilo, chega a um certo ponto qu' a gente já nã s' emporta com nada, o qu' é que mecêa pensa?... Olhe, só com-migo, com mintira e tudo, tenho a firme certeza que, s' elas nã gastaram um carro de linhas intêro, nã foi nada...

- Tó, diacho, mái atão os sês pés haveram de par'cer umas peúgas de laina qu' ê cá tenho p' ali, qu' elas vã-se arrompendo e a minha C'stóida vai semp'e dando uns pontos...

- Tamém nã digo assim tanto... mái que foram bem alinhavados, lá isso foram...

- E o resto da famila andava tudo nisso?...

- Nem tôd's... Havia p'r lá uma mêa-dúiza deles, p'a nã d'zer más, que já tinham munta práct'ca daquilo e sabiam-se defender. Veja lá que, no sito adonde a gente adonde a gente c'mé quasequer coisinha, a mê do dia, eles até pediram p'a ligar lá um aquecedor e vá d' inxugarem a rôpa que levavam molhada... Foi no Albergue de Peregrinos de Rates.

- Bem fazeram eles...

- S' ê cá ir lá mái alguma vez, logo vê... Faço o mémo...

- Se ir, nã me convide qu' ê cá nã me dá jêto coisas dessas... Só s' a minha C'stóida tamém qu'rer ir...

- Isso qu'rias tu... P'a ê ter que te fazer tudo p'r o caminho...

- Ó c'madre C'stóida, s' ê fosse a si ia... Nã tenha medo qu' aquilo lá cada um é p'r si.

- Alguma vez?!... Nã vô, nã senhora...

- Bom, nã se fala mái no caso. Agora tenho qu' ir andando que tenho p' ali uma q'ontas pèzêras d' alcagóita p'a regar e, isto, os dias já sã mái pequenos, im menes de nada se faz noite. Fiquem-se com Dés.

- Vá com Dés compadre, mái, e despôs, logo conta isso tudo melhor à gente...

- 'Tá bem. Em havendo jêto, logo se conversa...

E, agora, se qu'rerem ver os videos todos dos retratos qu' ê cá tirí no Caminho de Santiago e nôtros sitos, acalquem aqui:

E fiquem-se tamém com Dés, mês belos amigos.

3 comentários:

  1. Esteja com Deus Parente,
    Como é bom acompanhá-lo na sua caminhada até Santiago, já que não posso lá ir de outra maneira. O Parente é um retratista de mão cheia. Sim senhor. Veja lá que até já vi gente da minha família, aí nos retratos que tirou na vila. Fiquei emocionada.
    Até outro dia, se Deus quiser e mais uma vez agradeço o seu belo trabalho.

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  2. Meu caro Parente

    Depois de toda a indumentária necessária/obrigatória a qualquer caminheiro peregrino, ainda foi necessário acrescentar a capa de oleado e as galochas.
    Mesmo assim estou certo que foi uma viagem "bem aventurada".

    Gostei da expressão: "chovesse qu' aventasse"

    Um abraço aqui da Raia

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  3. Bela viagem, que acompanhei (como todas aquelas para que nos convida).

    Obrigada parente.
    Fique-se com Dés.

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Obrigado por visitar e comentar "O Parente da Refóias"