A parenta Mari' Nunes, qu' a gente tamém alomêa p'r Mari' Perpét'a, tem este tear tã antigo, tã antigo, que nã se sabe os anes qu' ele tem. É de castanho, foi fêto sabe-se lá p'r quem, mái inda fonciona lindamente.
E ela tem cá uma queda pr' àquilo qu' até dá gosto vê-la trabalhar. Desembaraçada até mái não, tomara muntas moças novas...
Qu' as moças novas, agora, nem tampôco sabem o qu' é que é um tear destes q'onto más trabalhar com ele... Nã 'tô a d'zer qu' elas nã sabem muntíssimo mái qu' os velhos com-m' ê cá, mái, destas coisas antigas nã conhêcem nada.
Pôs esta parenta, adonde haja uma fêra qu' a Câmbra de Monchique s' apresente, quái sempre, 'tá lá a mostrar, p'a quem quer ver e gosta destas coisas, c'm' é que se fazia certas rôpas nôt'es tempes.
Foi o que se deu, inda ontordia, na Fatacil de Lagoa. Passí lá, más a minha Maria e os mês amigues lá de cimba do Porto, o Jôquinito e a m'lher, a Rosinha, qu' eles 't'veram p'r cá uns dias com a gente. E, se de manhã, iam semp'e à praia lá p'ra baxo p' ô Algarve, ô fim da tarde, quái tôdes dias, carregavam com a gente p'a qualquer banda.
E atão, nessa nôte que se foi à Fatacil, adonde é qu' a gente haver d' ir aparar logo?... Foi méme na frente do tear.
A m'lher desata a olhar p' à gente, béque-me assim estranha, ê cá falí-l'e:
- 'Teja com Dés, parenta...
E ela assentada no tear, a olhar assim munto p' à gente. Nisto, alevanta-se:
- Venham com Dés. Mái atão, nã nos 'tava a conhecer munto bem... Isto, com estas luzes todas aqui à roda e o barulho da aparelhaja, uma pessoa até fica encandeada.
- É assim, tal e qual. Tamém a gente os dôs, só q'ondo chigamos aqui bem ô pé, é que vimos qu' era vomecêa.
E, aí, lá 't'vemos a deslindar quem se era e quem se nã era, falô-se das nossas gèraçõs todas e aquilo foi uma festa.
Ô fim, tive que l'e falar tam'em no tear:
- Atã, ist' é coisa que mecêa já herdô dos sês avozes... Calhando, já tem p'ra cimba duns cem anos ó coisa assim?...
- Olhe, parente, ô certo, ô certo, nã l'e sê d'zer. Mái qu' isto é munto antigo, 'teja certo que é. Semp'e o conheci na minha famila e já assim velho...
- Eh'q, pôs isto, esta madêra é de...
- É castanho, sa senhora! Isto é uma madêra que nunca mái se gasta. A antiga!... Qu' a d' agora, nã aguenta nada.
- Pôs isso 'tá bom de ver. Até com a de calitro se dá o mémo... Tenho lá uma casa com uma trave a sigurar o telhado désna que foi fêta, vai p'ra mái de sassenta anos... E 'tá c'm' nova. Ôtres paus que pus lá, há menes de metade do tempo, já tive qu' os tirar e pôr vigotas de cimento qu' eles 'tavam tôdes podres, veja lá...
- É c'm' l'e digo. Ist' o castanho, chega a um ponto que parêce que 'tá estragado, mái bate-se-l'e ali com uma coisa qualquer, um martelo ó um ferro, e 'té se ôve t'nir. Drento, a madêra 'tá semp'e cerne.
- E o peso qu' ela tem...
- Olhe, até se usa a d'zer qu' aquilo vai dêtando o que s' estraga cá p'ra fora e, p' drento, fica rija tal e qual...
- Atã, e estas coisas aqui? Tem linho... e tudo o que faz falta p'ô tratar...
- Isso mémo... Olhe, rocas é q'ontas quêra, a carda 'tá ali, aqui já 'tá a estôpa fêta... Além já 'tá uma meada de fio. E, p'a quem qu'ser comprar um tapete, 'tã ali uma preção deles acabados.
- E bonitos qu' eles são... De todas as cores e fêtios...
E a conversa nunca mái tinha fim. Qu' a gente 'tava-se tôdes a tram'lear de gosto e nem se dava p'r o tempo passar. Mái teve-se qu' ir ver o resto da fêra qu' aquilo é muntíss'mo grande.
Só me dá que pensar é que, numa coisa tã emportante, nem das dez partes s' apr'vêta uma. As ôtras nove é só de bodegas p'a impingirem a qualquer um.
S' um homem se descuda e vai nisso, q'ondo mal s' aprecata, 'tá com um colchão à costas, daqueles que fazem tudo e mái alguma coisa - qu' ê nã m' acradito que façam - e custam p'ra cimba dum d'nhêrão. Béque-me ôvi p'a lá falar em muntos centos de contos...
Só s' ê cá 't'vesse emparvecido... E quem diz um colchão diz um moitão d' ôtras coisas qu' eles p'a lá apregoam. Aquilo é pior qu' as fêras d' antigamente com a banha da cobra...
Agora artesanato méme c'm' deve de ser, isso vi lá pôco, em consoante ô tamanho da fêra, já se vê. Ele havia p'r lá umas coisecas, mái 'tava tudo munto estramalhado... Olhem, nã liguem à minha conversa, qu' ê pôco sê o que digo, mái, se fosse ê cá a fazer, punha o artesanato todo junto e, o resto, só ia p'a lá quem qu'sesse...
A ôt'a parte qu' ê tamém dô semp'e munto valor é a do gado. Olhe que tinham lá uma coisa do melhor que pode ser e a haver. E já nã falo dos cavalos, qu' isso é animal que nã cabe nas posses de famila com-m' ê cá, mái gado, mòrmente vacum, era de se l'e tirar o chapéu.
Mái o que mái gostí foi deste burrinho. Se nã fosse cá p'r coisas, inda comprava um coisalho destes p'a dar companha ô mê Jericó. Ó, melhor qu' isso, só se l'e comprasse a burra p'a se cruzar com ele. Mái atão, nã pode ser...

O burro é um b'chinho qu' ê gosto semp'e munto. Sem ofensa, sã mái descretos que munto trôxa que p' aí anda...
E pronto. Hoje nã tenho tempo p'a más, qu' a minha Maria anda p' ali com uma dor num pé, já foi mandar benzer aquilo, mái nã l'e servi de nada, e, atão, tenho que ser ê cá a ir acrecentar a léveda por ela, qu' amanhã 'tá-se de cozedura, c'm' já l'es disse ontem.
Atão até qu' a gente se veja e munta saúde.