25 julho 2006

A Fonte da Amorêra e a Estrada de Sabóia

Fonte da Amoreira

A Fonte da Amorêra 'tá no mê duma curva tã arrebatada, qu' uma pessoa, nã aparando, quái que nem tem tempo da ver.

Na estrada de Sabóia, já quái a chigar à partilha do concelho, desapercebida numa curva, dos muntos centos delas qu' ela tem, 'tá a Fonte da Amorêra.

P'a quem nã prosa, calhando a chigar lá já mê almareado, passa p'r ela e é d' adregue ter tempo da ver, méme que vá com os olhos bem abertos.

Aquela marafada daquela estrada des que foi fêta p'r um engenhêro inglês que, p'lo jêto, era um homem que sabia munto de como se faz estradas, mái cá da nossa língua nem tampôco sabia uma palavrinha p' à amostra...

De manêras que, foi chemado do estrangêro p'a vir resolver aquele grande enredo qu' era, naquele tempo, - e já lá vão oitenta anos, perto ó certo - atravessar uma serra destas com uma estrada fêta à som da força dos braços de quem lá trabalhô.

Até aqui, inda vá que nã vá. Tirando a mania, que já naquele tempo tinham, qu' a gente somos tôdes parvos e, p'a tudo tem que vir famila de fora, qu' eles é que sabem, já qu' os de cá nã t'veram coraja de se jogar a uma obra daquelas...

Nã vêem qu' inda hoje é a méma coisa?... Até p'a insinar meia dúiza de jogadores a dar três pontapés na bola e a jogarem-se p' ô chão fingindo que l'e passam rastêras, que nem no jogo do estravanca, tem que vir um brasilêro, com mái nã sê q'ontos ajudantes, ganharem cá, num mês, umas fortunas tã grandes ó tã pequenas, qu' ê cá e a minha Maria nunca se chega a dar ganhado tanto im toda a vida...

E anda tudo a l'e fazer miécos e a l' agradecer e a l'e pedir, p'r grande favor, que fique p'r cá o tempo que qu'ser... E ele a se fazer caro.

Ó mês belos amigos!... Sarê só ê cá que 'tô parvo ó 'tamos tôdes?...

Bom, mái voltando à estrada de Sabóia, 'tava ê a d'zer qu' o inglês era capaz de ser um belo engenhêro de fama, mái da nossa fala nã sabia coisíssema nenhuma.

Ora, os trabalhadores eram tôdes de cá e o capataz tamém. S' o engenhêro nã sabia falar português, eles inda menes sabiam falar inglês.

Desataram a cavar p'r aquela serra afora, a pásnas tantas, vai o capataz ô pé do inglês, põe-se nos bicos dos pés, olha lá p'ra cima p'à cara dele e prècura-l'e:

- Atã e agora, c'm' é que se faz? Dá-se a volta ô cerro ó corta-se a barrêra a d'rêto?

E o inglês, ensampado, que nã apanhava nada do qu' ele 'tava a d'zer, respondia com aquele jêto deles munto brandinho:

- Iésse.

Voltava o capataz p' ôs cavadores de picareta:

- Olhem, faz-se um "S". Toca a cavar, qu' inda temos duas horas de sol...

Casa dos cantoneiros

Esta casa dos cantoneiros tamém foi fêta numa curva arrebatada. Até dá pàxão vê-la nesta desgraça...

Ô fim d' uns três ó quatro dias, chegam à ôtra chapada da banda de lá, o capataz vê-se nos mémes trabalhos que já se tinha visto. Sigura na aba do chapéu com dôs dedos, alevanta-o só um coisinho, e põe-se a escrafunchar na cabeça com os ôtres três, sem saber o que havera de fazer e em traquetes p'r ter qu' ir falar ôtra vez com o inglês.

Inda l'e correram umas bagas de suôr à testa abaxo, dé umas passadinhas p' à frente, mái estancô. Voltô-se p' ô lado, fez que 'tava a pensar, nã fossem os ôtres d'zer qu' ele 'tava enrascado p'r ter qu' ir fazer aquele serviço.

Tomô fôl'go, pega nele e lá vai caminho do inglês. Encontr'-ô munto bem assentado numa cadêra d' encosto, à sombra dum madronhêro já bem antigo, qu' inda hoje lá 'taria se nã fosse os fôgues qu' eles têm tiçado aí p'r tôd' ô lado, a ler um livro.

- Senhor ingenhêro, além naquela chapada, calhando, era melhor a gente traçar aquilo a d'rêto, senã fica lá uma curva munto arrebatada. Inda p'ra más, é um coisinho a decer e assobe logo do ôtr' lado. O qu' é que me diz, corta-se ó arrodêa-se?

O inglês olha p'ra ele, franze a testa, passa a mão p'los quêxos e alevanta as vistas p' ô céu c'm' quem diz:

- O qu' é que sará qu' este paspalho 'tá p' ali a d'zer... 'Tava ê cá tã entretido a ler o mê livrinho, vem esta aventêsma p' aqui m' impertenecer...

Dé mái uma chupadela no cachimbo, assoprô o fumo p'lo ôtro canto da boca e, a cabo dum pôco, responde-l'e no mémo tom de sempre:

- Iésse!

- Olha, más um "S"... - Ramordeu o capataz, só p'ra ele, nã fosse o ôtro ôvir.

Vai p' ôs cavadores, assim com uma bela rabeada lá drento, pre mode o inglês nã ter arrecebido bem a rezão dele, e arrulha, c'm' s' eles ' t'vessem a uma lonjura duns trinta ó q'ôrenta passos:

- Hoje já não, qu' o sol 'tá-se a pôr, mái amanhã, ô romper d' a'rora, toca a cavar à roda do cerro!... Mái um "S", mandô ele. Agora arredondem aí o servicinho e, q'ondo o sol se pôr, arrumem a ferramenta toda bem arrumadinha p'a nã se perder nada, ôviram bem?!...

E, já voltado p' ô ôtr' lado, p'a ninguém ôvir:

- Filho duma magana, munto gosta aquilo de curvas, rai's t'a parta!...

Bom, e a coisa foi andando, andando e, cada vez que chigavam a uma córga ó a mêo duma vertente, lá ia o capataz fazer a méma prècura ô inglês e a répla dele era semp'e a méma:

- Iésse!...

E aí 'tá a dexplicação p' àqueles ésses tôdes da estrada de Sabóia, com nã sê q'ontos centos de curvas a desembocar umas nas ôtras. Há quem saiba q'ontas são, más ê cá nunca me dí ô trabalho das contar, que, q'ondo lá passo, tomara ê nã almarear e desatar p' ali a ch'mar p'lo grigóiro...

S' haver quem saiba ô certo q'ontas são que diga, que munto l'a gradêço.

Mái atão, agora é que dí p'r ela...Era p'a l'es falar da Fonte da Amorêra e, no fim de contas, imbiquí com os ésses da estrada, nã passí disto. Mái dêxe qu' amanhã logo se fala do resto.

Fiquem-se na paz.

5 comentários:

  1. Ó compadre, esta tem mesmo uma piada à portuguesa!! Uma maravilha dos "camones".

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  2. ah ah ah, ainda estou a rir, que bela anedota! Realmente aquela estrada é uma anedota completa. Bom fim de semana para todos

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  3. Muito lhe agradeço as preciosas indicações; a Fonte dos Passarinhos vai ser mais um recanto a explorar daqui a uns dias, quando aí chegar. Vou fazer-lhe concorrência a tirar fotos a tudo o que é sítio!
    Eu e a D. Arminda achámos muita piada a este seu post, isso explica a porção de curvas que aquela estrada presenta ;)

    Fique-se com Deus, amigo.

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  4. Ana Pinto, aprecate-se que, q'ondo chigar à Fonte dos Passarinhos vai-l'e dar uma grande pàxão. Olhe qu' aquilo 'tá tudo fêto em fanicos... Só já tem lá uns ladrilhos nas paredes que sã do mái bonito que há, mái quái tudo estragado.
    Inda bem que faz tenção de tirar muntos retratos, mái ê cá bem que gostava de vê-los...
    Recomendaçõs p'a si e p' à sua mãezinha.

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  5. Parente

    Imbora a água da fonte d'Amorêra seja munta ferrosa, assim munta pesadona, má mati munta sede d'água com ela, já lá vã qui anes...
    Que soidades, isse é qu'eram bons tempes!! A juventude ajuda munte...

    Um abrace


    O Campaniço

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