13 julho 2006

Recantos da Vila: Os Tãinques do Povo

Tanque do Povo

Désna d' há quái oitenta anos p'ra cá, já se lavô aqui munta rôpinha...

Des qu' a áuga lava tudo menes a má-língua. Pôs, aqui neste tãinque do povo, ô pé da Quinta do Viador, désna de 1928, que, tôdes dias, há quem lave a su' rôpinha suja.

Agora calculem com-m' 'taria esta áuga s', em lugar da rôpa qu' ali lavaram nestes anes tôd's, tantos c'm' oitenta, tamém t'vessem margulhado ali tudo o que fosse má-língua que p'r 'í tenha passado. Havera de 'tar mái negra qu' a das fossas d' algumas curraletas de porcos. E as lavadêras mái encardidas qu' as mã's dum tirador de cortiça...

Mái, vá lá que, nem semp'e s' ajuntam aqui muntas m'lheres a lavar ô méme tempo e, q'ondo isso se dá, elas têm semp'e uma g'nde pressa e pôco falam da vida das v'zinhas...

Inda ontordia, sigundo me contaram, 'tavam lá umas, qu' ê nã posso alomear os nomes, munto l'gêras a lavar uns trapinhes, assim coisa pôca, e vá de ratarem na casaca das que lá nã 'tavam.

D'zia uma, já a mê da conversa:

- Más é qu' ela é assim em tudo... Olhem, uma ocasião, assomí-me lá à porta d' antrada, a casa de fora dela par'cia um monturo. A rôpa é o qu' a gente vê. Os lençós nã nos põe a còrar, 'tão marelos; as ciroilas do Jôquim dela já nã se sabe que côr são; as to...

- Pôs é, prima. Atã e aqueles cabelos dela... Nã vêem áuga désna que l'e chové im cimba no enverno passado. Ai que m'lher tã jalona!...

Atalha log' a ôtra, nã fosse ela alomear os petafes tôdes da pobre triste e nã l'e dêxar nenhum p'a ela tamém d'zer.

- Isso p'a nã se falar nos môces-pequenes, qu' andam p'r 'í, parêcem uns enjêtades. O mái pequenalho, antontem, nem no conhecia. Tinha a cara tã labuçada que mal se l'e descobria os olhinhes naquela cara...

- Atã e o que me dizem da viúva daquele lá do Penedo de Trás?...

- Ai, minha bela amiga, nem me fale nisso. Nunca pensí...

- Quem havera de d'zer qu' a m'lher era assim. Q'ondo o marido era vivo, béque-me nem partia um prato, agora dé naquilo...

- Ê sê cá s' ela, já nesse tempo, nã fazia o sê contraband'zinho dela?... Atão, aquilo foi só o homem morrer, ôvi-se logo contar tanta coisa... Até os v'zinhes des que 'tão p'a lá tôdes apequentades, qu' ela leva uns estapôres lá p'a casa que fazem um ôrío toda a noite que, lá ô pé, nã há quem dêa dromido.

- Isto, o mundo 'tá perdido, 'tá sa senhora!...

- Dêxa-me lá ir caminho de casa, qu' ê dêxí uma panela de côve ô fogo, nã sê com-m' é qu' aquilo 'tará p'a lá...

- E ê tamém 'tô com pressa, qu' inda tenho qu' ir pôr o jantar ô fogo e, mái logo 'tá aí o mê Manel e o dec'mer nã 'tá pronto.

- Pôs ê cá, q'ondo vim p' ô tãinque já dêxí tudo adiantado. Pus logo a mastura no fêjão e agora 'tá a chocar, qu' é assim qu' ele toma bom gosto. Mái tamém 'tô com pressa que tenho lá ôtres servicinhes p'r fazer.

Méme com esta pressa toda, inda t'veram tempo p'a mái dôs ó três contarelos dôtras tantas v'zinhas e, à abalada, pôs-se uma a olhar p' às paredes e, desta vez com toda a rezão, diz p' às ôtras:

Tanque do Povo

Sará de caso que, désna que foi arrenjado, nã no tenham voltado a caiar?!... Nã quero crer.

- Méme assim, munto custava à Junta mandar vir aqui um caiador, com um basculho e um pincel, dar uma caiadela a estas paredes...

- Bem que já mer'ciam isso, prima. 'Tá uma pessoa aqui a lavar e nem dá olhado p' às paredes qu' até metem nonjo... Vá lá qu' a áuga é limpinha e tã finina qu' até apetêce...

P'a d'zer a verdade, nã custava assim tanto caiar aquelas paredes e f'cavam logo com ôtra cara. Más a más, que trata-se duma coisa antiga, de munta serventia e bonita de se ver. Se 'tar bem afêçoada, 'tá claro...

E, p'a quem nã sabe, nã pensem que só há este tãinque do povo cá em Monchique. Lá do ôt' lado da Vila, ali à R'bêra, adonde se vira p' ô Pomar Velho, 'tá ôtro par'cido, um coisinho mái pequeno, mái tamém com bom ôsío.

As paredes, p'a desfortuna de quem nas vê, é que 'tão na méma. A gente sabe qu' o enverno é danado p' às fazer f'carem todas b'larentas. E atão, ali naquele sito, ombrío com-m' ele é, nem se fala. Mái, havendo um coisinho d' empenho, ô chigar do Maio ó, vá lá, do S. João, qu' o tempo já vem mái amoroso, era só dar ali umas bassoiradas e lavar-l'e a cara com cal.

Tanque do Povo

Um tãinque do povo tã bem trabalhadinho, mal empregadas paredes, todas escrafeladas...

Nã sê se se dá o méme caso com vomecêas, mái, cá p'ra mim, isto 'tá um serviço fêto c'm' deve de ser. O mestre teve umas belas idéas e vê-se que sabia o que 'tava a fazer.

O qu' ê cá acho bem caçado é as lavadêras serem todas corridas e aquele debrum, quái c'm' uma quelha, p'a desgotar a áuga de sabão p'a fora e nã na dêxar ir p'a drento do tãinque ôtra vez e sujar a que 'tá lá limpinha.

Assim de chofre, até me vê' uma coisa à idéa. Calhando, arrenjando munto bem estes dôs tãinques e as fontes todas da Vila, qu' inda sã bem muntas, até podiam pôr aí umas tabletas a d'zer p' ôs turistas irem andand' a pé e vendo essas coisas. Olhem qu' eles, muntas vezes, revêem-se, inda mái do qu' a gente, im coisas assim...

E méme qu' a Junta nã tenha posses ó vagar de caiar os tãinques do povo, ó se desqueça, a gente, que 'tamos cá, de q'ondo em vez, assomames-se lá e fazemos de conta que 'tá tudo c'm' devia de 'tar. Qu' as coisas da nossa terra, p' à gente, valem semp'e até mái não. Nã há ôtras iguás...

P'r mái que nã seja, p' à gente s' alembrar que, muntas delas, foram fêtas p'r quem já cá nã 'tá, e vã todas f'car p' ôs nosses filhos, netes e p' às gèraçõs qu' eles cá dêxarem.

Até um dia destes e nã se desaprecatem com estes calores qu' andam pr' aí, que 'tá tudo esbraseado. Inda agora, só d' ir ali à fonte b'scar uma enfusa d' água, f'quí todo esbaforido qu' até me escorriam as bagas de suôr à cara abaxo.

Dés l'e dê saúde a tôdes.

Tanque do Povo

Em l'e caiandem as paredes, fica uma coisa do mái bonito que possa ser e haver...

3 comentários:

  1. Caro amigo Refóias:

    As imagens dos tanques que se encontram semeados pela vila trazem-me doces lembranças da minha infância, em que ia ajudar as minhas tias a lavar os tapetes na encruzilhada para o Pomar Velho, enquanto o meu irmão ia lá mais acima apanhar sapos à ribeira só para nos arreliar... Olhe, momentos que jamais regressarão, mas que hão-de ficar guardados comigo enquanto eu viver!
    E que vontade de poder jogar as mãos nessa água fresquíssima, que só em Monchique encontro. Talvez no próximo mês satisfaça esta minha vontade :)
    Estas estruturas são, sem sombra de dúvida, património digno de reconhecimento, e como vocemecê bem disse, mereciam constar das rotas turísticas do concelho, pelo seu pitoresco refrescante, que certamente deliciria os olhares dos curiosos estrangeiros que por aí passeiam.

    Não me canso de o felicitar pelas preciosidades que aqui nos dá a conhecer e a recordar.

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  2. Caro parente ...é mesmo um gosto encontrá-lo. Sendo um parente ...afastado, traz-nos encantamentos de voz e imagens. Gostei "munto" dos seus olhos de ver o Porto. Vá dando notícias!

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  3. Ai as coisas que este parente me faz lembrar, aquela água tão fresquinha dos tanques do povo. Uma coisa digna de se fazer lembrar e realmente valia a pena mandar caiar e mostrar aos turistas.

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