- Tanto qu' ê cá gostava desta praça e fazeram-l'e isto... Agora é só p' ôs môces andarem p' aqui amontades nos "skates". S' uma pessoa se descuda inda l'e passam p'r cimba...
D'zia o Jôq'nito, grande amigo dos tempes da tropa - adonde a gente o alomeava p'r o "Artista" pre mode ele fazer uns desenhos qu' eram uma classe - portista do mái afincado que possa ser e haver, enq'onto olhava p' à Praça da Batalha e esfregava um artelho dorido com o encontrão q' um môce-pequeno l'e deu com uma espéc'e de carrinho fêto duma tábua e quatro rodinhas pequenalhas, qu' eles andavam lá em pé em cimba daquilo.
E lá me foi dexplicando que, q'ondo o Porto era capital èrupéa da cultura, puseram aquilo tudo de pantanas, gastaram lá p'ra cimba dum d'nhêrão, e ele gostava munto mái daquela praça com-m' ela era d' entes. E, s' ele me disse, acraditem qu' é verdade, qu' o homem sabe disso e gosta mái do Porto qu' a minha Maria gosta de gulosêras, narcé lá, inda hoje em dia lá mora e já tem uma preçanada de netos todos sóiços do FCP désna do dia em que narceram.
Em tod' ô caso, uma coisa é certa. Aquela igreja foi das coisas mái bonitas qu' ê encontrí por lá. Méme sendo barrôca, que nã é estilo qu' ê goste munto, f'quí ensampado a olhar p' àquilo cá do mêo da praça. Podem-me d'zer qu' há p'r lá munto mái coisas bonitas e há sa senhora - a torre dos clérigos, a sé, as pontes, toda a baxa, a foz e por 'í adiente - mái agora, assim de repente, alembrí-me desta, o qu' é que querem...
Isto passô-se no dia de S. João à tarde, inda a gente andava tôdes desmarridos da sanjoanada da béspra, méme já tendo dromido a manhã toda na casa do Jôq'nito. Más ele pensô que p'à gente acordar daquela dremência o melhor era ir-se ver umas coisas lá do Porto e teve uma bela idéa que nã se fez ôtra coisa senã isso, quái três dias a fio.
Nessa tarde, dé-se o caso de se passar lá a uma rua qu' aquil' é só lojas, a rua de S. Cat'rina, e vai daí, a minha Maria e as amigas assim se sumiram no mê daquela chusma de famila que p'r lá andavam a fazer nã sê o quem. Foi atão q'ondo a gente, os homens, se sentamos à rés da igreja de S. Ildefonso e t'vemos umas três horas, pert' ó certo, p'a terminar que, dali em diente, ia-se mái era p'a donde nã havesse lojas nenhumas e tamém fosse bonito.
E assim foi. Nos dias a seguir, foi-se p'a Serralves e p 'ô Parque da Cidade.
O parque da cidade do Porto é uma coisa que nem me vinha à idéa que pudesse haver numa cidade daquelas. Grande, bem tratado e com uma fartura de famila a andar p'r lá. Isto p'a nã falar da remessa de bichos que lá têm. Se querem saber, vi-se lá de quái tudo. Ele foi cisnes, patos, galinhas d' áuga, burros, gatos e até um coelho brabo ê lá encontrí ô pé dumas balsas... Se nã fosse perquem, amostrava-l'es aqui retratos disso tudo, mái atão e adonde é qu' ê vô arrenjar lugar p'a tanta coisa...
Já com respêto à Fundação Serralves, aquilo é quái par'cido ô Parque, mái assim um coisinho mái p' ô fino. Logo, qu' a gente antra ali p' a uns salõs tôdes chêos de nada, só com uns desenhos pindurados nas paredes e um poder de guardas, munto engravatados, a gôrdá-los com medo qu' a gente l'e jogue a unha.
Olá, olá... 'Tejam sossegados que s' ê qu'sesse pindurar um desenho ali na cabana do mê Jericó, - sem ofensa, 'tá claro - pedia ali ô meçalho dos mês parentes da Foz dos Córgos, qu' anda na sigunda classe, e ele fazia-me logo uma coisa cá a mê gosto...
Vomecêas já 'tão a pensar, e nã s' enganam, qu' ê pus-me a olhar p' àquilo e béque-me nã achí áira denhuma, más isso é certo e sabido qu' o mal 'tá em mim que nã dô deslindado nada daquelas coisas. Os artistas munto famôses fazem coisas que só quem é munto descreto é qu' aprecêa. Agora trôxas com-m' ê cá nã se sabe dar o valor.
De manêras que mecêas nã s' enfézem com-migo lá p'r ca'sa disso, qu' ê, no fim, até f'quí mái contente que nem uma pega sem rabo de ter ido lá, q'ondo corri aqueles jardins tôdes duma ponta à ôtra e já me dava cobiça era de f'car lá o resto do dia.
Só com este burreco gadelhudo ê perdi lá sê cá o tempo que foi. Ora, foi até o Comandante voltar p'a trás e c'meçar a fazer parvoêras...
"Comandante" é o mê amigo Hortêncio que, na tropa, usava a andar semp'e a mandar os ôt'es fazerem isto e aquilo e, de q'ondo em vez, dava-l'e assim umas gavierras que ninguém o podia contradiar naquele qôrtel. E atão, f'cô alomeado p'r o "Comandante". Mái isso era q'ondo ele era novo. Agora anda ali com a arreata mái curtinha, qu' a Maria dele é uma alentejana bem marafada, e perta com ele... Más é um amigo do melhor. Nã desfazendo nela que nã l'e fica nada atrás.
- Seringas, o qu' é que 'tás aí a fazer de roda do estapôr do burro?!... Anda daí, ó é preciso t' ê ir bescar d' àrrôjo?... Olha qu' a gente já 'tá tudo chê de sede e aqui drento nã há adonde comprar umas cervejalhas.
"Seringas" era o qu' os marafados me chemavam na tropa, p'r mode ê 'tar na infermaria.
- Ó Comandante, 'pera aí qu' o b'chinho é do mái bonito qu' ê tenho visto. Anda cá aqui. Olha-me só p'ra iste...
Ele vem de lá, nã 'tá com mêas medidas, salta p'r cimba da cerca, vai caminho do burro p'a s' amontar a cavalo, méme em osso. O bicho alevantô assim cabeça, espeta as orelhas no ar, arregala munto os olhos d'rêto a ele e, consoante ele vai p'a l'e saltar p' ô lombo, vira-se um coisinho de lado e prega-l'e um coice numa nalga. Ô méme tempo, franze as ventas e faz menção de l'e jogar os dentes a um braço.
O Comandante, que nunca foi ac'st'mado a lidar com bestas, panha cá um cagáiço qu' até se fez branco. Punhana! Desata a fugir, assim 'tava logo do lado de cá da cerca... Vá lá qu' o b'chinho só o panhô de raspão e aquilo nã teve dúv'da.
- Atão?... O qu' é que se dé pr' aí? O Comandante vinha que nem uma seta do lado do burro... O qu' é que foi?
Arrulha o Artista, que 'tava lá más adiente e só o viu escapulir p' ô lado de cá.
- Olha, teve que desòpilar dali p'ra fora qu' o burro qu'ria s' amontar nele. Más um nada, trazia o b'chinho às costas e levava-me-ze-o p'ra casa. Até calhava bem, qu' ê ajuntav'-ô lá ô mê Jericó p'a ele l'e dar companha...
Dig'-l' ê cá, tamém a judear com ele.
- Pôs se queres levá-lo, vai tu b'scá-lo, Seringas marafado, qu' o malsoado é pequenalho más é mái raguingôso do qu' ê pensava. E tu é que 'tás ac'st'mado a falar com burros, nã sô ê cá que só sê falar com famila...
- Tal e qual, Comandante. É méme p'r isso qu' ê 'tô falar contigo. Que tu, p'lo jêto, percebes-me bem. Toma chó!...
Salta o Artista:
- O Comandante, agora, passa a mandar na cavelhariça. E tu és o ajudante, Seringas. Q'ondo algum burro 'tar com pòlmêro, põs-l' os atafazes p' ô lado e dás-l' uma injecção cavalar nas ancas!...
- A ti, mê grande ruaz, é qu' ê te dô uma injecção, más é num sito qu' ê cá sê, p'a ver se te passa essa brama do sarôido...
E assim se foi levando o resto da tarde na galhofa, qu' a gente 'tava tôdes de boa avêa, e isto inda tinha munto que contar más a gente nunca mái saía daqui. E inda a viaja 'tava no prencípio...
Inda l'es dêxo mái um retrato de Serralves e passem munto bem até ôtre dia.
Curiosamente, a maior parte das minhas idas ao Porto foi p acompanhar o meu pai aos almoços anuais da tropa! Era sempre uma galhofa entre eles e sempre me fascinou a ligação forte de amizade que mantêm ainda hoje, cerca de 40 anos depois! Fico feliz por se ter divertido, compadre! Belas fériazinhas!
ResponderEliminarCumprimentos
Ora parente, pôs munto prezo se mecê se ter adevertido tante lá no Porte, com esses sés amigues da tropa.
ResponderEliminarGosti dos retrates, má logue qondo vi o premêro até me fez alembrar a capela das Almas, porcasa dos azulejes azules, má depôs vi questa ingreja é munto maior e tem uma escaidaria.
Abri bem os olhes, qa vista já me vai faltando e pa dezer a verdade nem malembre onde é esta ingreja, até me parece uma qué cá conhece, ó melhor, pense que se chama do Bonfim.(Até tem um cementério pu de trás e é ó cante de cima da rua qondo se vem daquela estação munta grande do combói).
É cá tamém já tive naqueles jardins que mecê fala, más é tenhe lide que têm fêto pa lá umas grandes obras e deve tár tudo munto deferente do qué cá conheci.
Qalquer dia mete-me no combói azule, qué dereto e vou até lá passar uns diazecos, ó atão tamém posse ir de esprenso, qué tamém goste d'andar de camineta.
Nã se desqueça de ir contanto más umas históriazinhas...
Boa nõte e passe bem.
O sé amigue campaniço
Parente
ResponderEliminarMuito se diverte, o parente!
Mas olhe, pode crer, também eu me divirto muito com os seus "divertimentos".
Este burrinho também eu gostava de ter! O patinho feio, no próximo ano, já ninguém o conhece, será um formoso cisne...;).
A praça com os moços no skate é que é um problema...puseram tudo de pantanas. Aqui, nos meus lugares, de vez em quando, também fica tudo de pantanas, ainda não percebi bem porquê.
Até outro dia, parente.
Bom Fim de Semana ( está cá um calor!...)
Um beijo
Venham com Dés, mês belos amigues. Munto l'agradêço os sês comentáiros e de serem tã porrêros com-migo.
ResponderEliminarOlhe, Maraffaada, as crenças antigas nunca passam, ô contráiro inda refinam. Tal e qual com-m' à do sê pai, tamém a minha e dos mês amigues da tropa dura vai p' a más de q'ôrenta anos.
Amigue Campaniço, a ingreja de S. Ildefonso 'tá na Praça da Batalha, méme ô canto de baxo da Rua de Santa Catarina. Q'ndo ir lá, vá vê-la que vale a pena. A do Bonfim tamém é bonita, mái é um coisinho lá mái p'ra diente, adonde mecêa diz, ô canto da Rua do Bonfim e da Rua Pinto Bessa. E m't'ôbrigado p'r tanta coisa que tem escrevido.
Rosmaninho, só queria qu' o patinho, p'rô ano, 't'vesse quái tã bonito com-m' ôs sês lugares que mecêa amostra à gente em retratos e, mòrmente, em palavras que sã uns mimos.
Muntas recomendaçõs p'a tôdes do Parente da Refóias.
Ora compadre, onde tinha eu a cabeça do sé retrate me parecer a ingreja do Bonfim? É que nã malembrava ondi era a do S. Ildefonso e as vistas tamém já nã m'ajudem munte, iste q'ondo um home vai pa velhe nã há nada que nã lhe comece a faltar...
ResponderEliminarPôs, depôs do parente me desplicar alembri-me logue ond'era.Até já tive lá ó pé no tiatro de S. João a ver uma comédia.
O Porte é uma maravilha, há quem nã goste por casa de ser escure, mas é cá ache que cousas munto enteressantes.
Santiague de Compestela támem é bom. A primêra vez qé lá fui, vi uma grnda bicha e pûs-me tamém nela, q'ondo cheigui ó pé da coluna fiz come os ôtres, pûs a mão espalmada e bati com os cornes na pedra caté me doeu uma coiseca.
Truve de lá um santinhe que tenhe uma grande estima, tode complete com bordão, cabacinha e a conchinha. Tenho-o junte d'õtres numa espéce d'altarzinhe ó pé da mensa de cabecêra.
Falou do nosse Gerês, pôs é linde a paisage e a lagoa, mas a ingreja nã é lá munto lá o mé jête, mas o milhor de tudo foi a estadia no Hotel de S. Bente.
Até amanhã se Dés me dar vida e saúde.
O Campaniço