18 julho 2006

Marmelete: Festa de S. Antóino - A Precissão

Andor de S. António

A precissão saíu da Matriz à hora da calma, mái ninguém se f'cô.

Méme debaxo dum calor parvo, que só apetecia era a gente s' espòjar a uma sombra e dormir uma folga, a festa de Sant' Antóino ajuntô p'a lá famila im Marmelete qu' aquilo mái par'cia uma terra lá debaxo do Algarve, d' ô pé da praia, qu' ôtra coisa.

Nã l'es digo nada... Aquilo meteu désna da parte lá da ingreja, com cerimóinas e precissõs, com banda a tocar música e tudo, à ôtra parte da brincadêra, com esplanada, quermesse, cantigas, rancho e ê sê cá que más...

E, já agora, c'meço p'r l'es falar da precissão do D'mingo, qu' é assim béque-me a parte que dá mái nas vistas, q'ondo o santinho é levado de volta p' à ermida dele.

Olhe, ele hôve p'r lá uns q'ontos que se quêxavam do senhor Prior ter fêto aquilo às quatro da tarde, debaxo duma soàlhêra qu' ia tudo esbraseado. Más ê cá até que nã me parêce munto mal isso ser assim na força do calor. E dig'-le já perquém.

Logo, qu' a gente aqui da serra já se 'tá fêtos a andar às tensas de quasequer tempo, seja ele à torrêra do sol ó debaxo de chuva, frio e vento seco ó humidoso.

Despôs, que se tem tôdes que fazer penitêinça p'las nossas belharetas, e castigar a nossa orgada qu' é p' à ôtra vez se ter um coisinho mái de juízo.

E, tamém, qu' assim, q'ondo chega mái à tardinha, com a fresca, já se 'tá livres p' a ir p' à quermesse comprar uns b'lhetinhes àquelas meninas tã bonitas que lá 'tão e, òdespôs, sentarmes um pôcachinho na esplanada, p'a se beber uns sôlvinhos com os nossos amigues. Atã, nã é verdade?!..

Andor de S. António

Quái ô fim da ladêra, os homens já vinham um coisinho suados.

O que l'es sê d'zer é que nã faltaram homens p'a pegar no andor e famila com fartura p'a ir na precissão. Toda a gente rezava e cantava consoante aquilo qu' o senhor Prior fazia e béque-me ia tudo contente que nem s' alembravam qu' o sol l'es 'tava a acalar em forte naquelas cabeças desc'rapuçadas.

Em menes de nada tinham corrido parte do povo, p'r aquelas ruas bem pertadas que já hõ-de ser assim désna que Marmelete começô (se qu'rerem saber como com-m' é qu' isso foi, acalquem aqui e lá adonde diz Marmelete, acalquem em 'origem') e lá foram caminho da ermida, sempre naquele andamento deles ô som da música. E tudo correu do melhor que foi uma festa.

Até o senhor Prior 'tava de tã boa avêa qu' inda nunca o tinha visto assim. Ô fim de tudo, inda lá na ermida, disse uns d'chotes que fez f'car tudo às carcachadas. Coisas bem caçadas, nã cudem... Olhem a últ'ma foi, más ó menes, assim:

- E agora, mês amigues, toca a ir tudo s' ad'vertir, comprar uns b'lhetinhes na quermesse, sentarem-se além de baxo da esplanada e charolar uns com os ôtres até que venha a m'lher da fava rica...

'Tá bom de ver qu' o senhor Prior nã é cá. Vêo de fora. Que s' ele fosse de cá, em vez de falar na m'lher da fava rica, falava, calhando, no Zé Luís das alcagóitas ó nôtra figura assim mái cá das nossas bandas. Aí um bicho-careto qualquer.

O caso é que tôdes alcançaram muntíssimo de bem o qu' ele qu'ria d'zer e se bem o entenderam melhor o fazeram, qu' a festa foi rija e durô até às tantas...

E inda me dêxô tirar retrates lá drento e tudo.

- Tôdes os qu' o mê amigo qu'ser, à su' vontade!... - Disse-me ele, q'ondo l'e pedi l'cença.

Dés l'e pague senhor Prior.

Andor de S. António

O andor de Sant' Antóino 'tava méme bem enfêtadinho.

E assim acabô a parte da precissão, qu' a do ad'vert'mento ê logo l'es conta a seguir. Agora tenho qu' ir regar um fêjão de baja que tenho p' ali, senã, com uns calores destes, aquilo marafa-se-me tudo inda se fica sem nada que preste. E a minha Maria aprecêa munto fazer tanto umas bajinhas com batatas c'm' uma sopa qu' ela sabe fzer qu' é uma classe.

Isto p'a já nã falar dos pexinhes da horta qu' ela usa fazer q'ondo se vai assim a qualquer banda e calha-se a levar uma morenda p'a c'mer lá.

Atã, Dés l'e dê saúde.

3 comentários:

  1. Excelente descrição, Parente!
    Há que não deixar morrer a tradição!
    Abr
    Pedro

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  2. " - Mas o que é a saudade? - perguntou a Menina do Mar.
    - A saudade é a tristeza que fica em nós quando as coisas de que gostamos se vão embora.
    - Ai!- suspirou a Menina do Mar olhando para a Terra. Agora estou com vontade de chorar."


    A Menina do Mar, Sophia de Mello Breyner Andresen

    Um abraço amigo aqui da Finlandia

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  3. Muito bonita esta procissão; e finalmente tenho a oportunidade de vislumbrar um pouco do interior desta simpática ermida, que encontro sempre fechada, para mal da minha insaciável curiosidade!

    Tal como sugeriu, acedi ao site da J.F. de Marmelete (muito bem elaborado, por sinal) e li sobre as suas origens, ainda que já tenha lido por outras fontes que o nome desta freguesia se deve igualmente ao mel (Mar+Mel+Leite, ou seja, "Marmelête", na pronúncia autóctone).

    Cada visita aqui ao seu blog é uma autêntica lufada de ar fresco da nossa linda serra ;)

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