28 julho 2006

A Fonte da Amorêra e a Estrada de Sabóia - O resto

Fonte da Amoreira

A Fonte da Amorêra é uma fresquidão no mê daquele sequêro da Estrada de Sabóia.

Ê cá sê que bem muntos de vomecêas já conhecia aquela parte da Estrada de Sabóia e, calhando, melhor do qu' a mim, mái c'm' à acho bem caçada, méme nã sendo bem assim, contí-a cá à minha manêra.

Uma pessoa sabe qu' aquela estrada tem assim aquelas curvas todas pre mode, naquele tempo, nã haver nem mánicas nem d'nhêro p'a fazer uma coisa mái ô d'rêto e nôtras condiçõs, mái ist' é uma coisa qu' a famila aqui de Monchique conta só p'r graça e p'a se desfazer nos estrangêros e nos capatazes, os que mandam...

Pôs, até nã há muntos anos, p'a s' abalar de Monchique p'a qualquer banda só se tinha duas estradas. Uma lá p' ô Algarve, p'a Vila Nova, e esta, a de Sabóia, p'a norte, p' ô Alentejo. Era uma estrada munto emportante p' à gente e de munto movimento, nã cudem.

Olhem, eram tã emportante ó tã pôco que se deram ô trabalho de fazer, logo, a Fonte da Amorêra p'a ela ser mái bonita, e, òdespôs, a Casa de Cantonêros p' à manterem em condiçõs c'm' deve de ser. Andavam, tôd' ô ano, nã sê q'ontos homens a trabalhar nela e nas ôtras de Marmelete ô Alferce e de Monchique a Portimão.

Ele há inda ôtra fonte nesta dita estrada, mái já fica p'a lá da P'rtela dos Cáibros e, atão, já pertence lá ôs nossos v'zinhos da Nave Redonda, que sã os alentejanos mái perto qu' a gente tem.

Mái voltando à da Amorêra, aquilo é uma coisa do mái jêtoso que pode haver. Mal empregado, p'a mê gosto bem se vê, a água ser tã ferrosa. É menino, aquilo, uma pessoa bebe lá uma sede d' água, fica com um peso na barriga que custa a poder com ela... Ora, ora, atã s' aquilo tem ferro masturado, o qu' é que l' era de esperar...

Fonte da Amoreira

A água da Fonte da Amorêra, de ferrosa que é, dêxa tudo marelo...

Nã vêem com-m' ela dêxa as paredes do tãinque todas marelas?!... Melhor d'zendo, aquilo até é mái p' ô castanho que p' ô marelo e, pre mode isso, béque-me tem assim um jêto de 'tar tudo labuçado. Mái nã é. É méme o ferro que se mete na pedra e encarde aquilo tudo.

Agora digam-me lá q'ont' é que nã vale uma pessoa vir no sê belo a't'móvel, toda afogueada, à fim d' atravessar parte do Alentejo, cansado da viaja, chêo de secura, aparar ali um pôco, b'ber uma sede d' água e rafrescar-se à sombra daquelas amorêras qu' ali 'tão...

Isto p'a já nã falar nos que vinham de b'cicleta a podal ó no sê carro de besta... Os animazes tamém tinham precisão de bober e sossegar um pôco p'a arrenjarem forças p' ô resto da viaja até à Vila, qu' aquilo ind' é uma ladêra marafada.

Que naquele tempo, 'tava lá uma amorêra bem grande, e dava amoras, home, mái, p'lo jêto, perdé-se e eles despuseram estas duas, que sã bonitas, isso são, mái nã sê se sarã de q'ôlidade de dar fruta ó se ficam-se só p'las folhas p' ôs b'chinhes da seda...

Elas, de falta d' água, nã se podem quêxar, qu' ela corre-l'e ali p' às raízes tôd' ô ano e se nã prosassem p'r ela ser ferrosa, tamém, calhando, nã nas tinham desposto lá.

E uma coisa l' afianço ê cá. Aqui, tã perto, nã há ôtra fonte em estrada nenhuma que chegue ôs butes desta... Com água sempre a correr, sombra à farta e uma preção de bancos que dã p'a um poder de famila s' assantar, melhor nã há.

E aqueles ladrilhos pintados d' azul, que se vê méme que foram fêtos p'r quem sabia... Munto gosto ê cá d' olhar p' àquilo. É que, nã cudem, 'tá quái a históira toda de com-m' é fazeram a estrada.

Fonte da Amoreira

Olhem-me só p'a este belo cilindro a vapor qu' eles usavam naquele tempo...

Fonte da Amoreira

Nestes ladrilhos da Fonte da Amorêra vê-se bem o qu' eles passaram p'a fazer a Estrada de Sabóia.

Ele é o cilindro a vapor, a máquina de derregar o alcatrão, a fogo de lenha, e estramalhá-lo no chão, a vagoneta p'a levar a brita e uma coisa já munto moderna nesse tempo, uma camineta de carga basculante...

E o melhor de tudo, a famila que lá entortô bem a espinha: o carrêro, com a su junta de bois, o cavador de picareta e d' inxada, os homens da pá, do malho, do carrinho de mão, da vagoneta, do alcatrão e os chòferes do cilindro e da camineta de carga...

Só lá falta o capataz a acossar a cabeça e o inglês, de cachimbo na boca, assentado na tal cadêra d' encosto, de perna cruzada a ler o jornal Times (o Zé Manel é que me disse qu' os ingleses usam a ler um jornal com este nome lá no hotel adonde ele trabalha)...

Nã sê que jêto nã nos porem lá... Quem saber que diga qu' ê cá nã m' astrevo.

Mái, com respêto a mangação, alembrí-me, assim sem ter nada que ver, duma parte que se nesta dita estrada com o ti Armindo da Boavista, um belo amigo que já cá nã 'tá, que Dés o tenha.

O homem p' além de samear a su fazenda, tamém tinha um carro de besta, todo pintadinho, com umas lindas letras A ~ B (Armindo da Boavista) munto bem desenhadas no taipal de trás, e uma mula velha, já fêta num caneco, molengona no andar, que qualquer um a aguentava a passo sem ter míngua de se mortificar nada.

Inda p'ra más, o ti Armindo era compridão e tinha uma bela bócha, daquelas que p'a se susterem tem que se puxar o cós das calças p'ra baxo e apertar o cinto bem uns quatro ó cinco dedos p'r baxo do embigo.

Pôs o ti Armindo abalô, uma nôte, com a su mula, a "Lesma", e o sê carro de besta carregado com cinco ó sês bacorinhos, filhos da sigunda barriga duma escravelhêra preta qu' ele tinha comprado na barrêra de Dezembro, em Marmelete, há uns três anos, p'a ver s' os dava vendido num mercado que faziam p' ali no dia a seguir, béque-me im Santa Clara ó pr' aí.

Foi andando, foi andando, tã penas desandô do hospital p' ô lado da Bica Boa, já ás tantas da madrugada e com quái três horas de caminho fêto, a mula semp'e naquele passo, os porcalhos todos enroscados uns nos ôtres que ninguém nos ôvia, ele ferra a dormir assantado na tábua da frente do carro e com as arreatas nas mãs.

Ele passô à Portela da Cernada, passô à Casa de Cantonêros e à Cantina, passô ô desvio p' à Perna da Negra, nem dava remôr. E a mula semp'e a andar, qu' ela conhecia bem o caminho.

Casa de Cantoneiros

O ti Armindo ia num sono tã d'rmente que passô à Casa dos Cantonêros e nunca dé p'r ela.

Vai, vai, a alenterna qu' ele levava ali de lado a servir de luz, acaba-se-l'e o pitrol, quéma a torcida e apaga-se dum todo. O homem tinha-se desquecido d' a encher entes d' abalar, mái tamém que mal fez?... Désna de casa até à Fonte da Amorêra, nã chigô a se cruzar fosse com que via fosse...

E a mula sempre a andar no sê passo dela. Méme devagar, em menes dum farol, 'tava na decida p' à Fonte da Amorêra.

Aí, o bicho vi-se em traquetes p'a sigurar o carro, qu' o ti Armindo, acarrado no sono com-m' ele ia qu' até roncava, nã l' afincô os travõs nas rodas com a manivela que 'tá ali ô lado e serve p'ra isso.

Mái c'm' tinha sido calçada com umas ferraduras novas inda fazia duas semanas, lá foi, lá foi e aguentô-se. As marcas dos rompantes é que f'caram no alcatrão, que, passados meses, inda se davam visto ...

Mái, a pobre da mula dé-l'e sede, e conhecia muitíssemo de bem a fonte, em chigando ô mê da curva, guina, de chofre, p' à esquerda e enfia p'la calçada adrento até ô pé da bica.

O ti Armindo, com os gangueõs qu' o carro dé a assubir o lancil, acorda ensarampantado, méme a tempo de nã ser jogado p' ô mê do chão, enq'onto os bác'ros faziam uma gornida que metia medo e já andavam ôs saltos embirrando uns com os ôtres e com as canoiras e as botas do dono. Diz logo:

- Aí, mula!.. Toma chó!... Mái atã, 'tás parva ó quem?!... Queres bober? Bebe p' aí avontade... Mula marafada que me fez panhar cá uma rabana...

O pior é qu' os porquecos, tôd' ô caminho, tinha estrumado lá drento e as botas do homem f'caram até luzidias com a graxa fêta da prequêra deles. E o fedorum qu' aquilo dêtava... Punhana mundo! Até uma lonjura duns dez ó quinze metros nã se dava 'tado... E ele, c'm' aquilo era de nôte e bem de nôte, nã dé p'r nada.

Ô fim dela bober a água que quis, lá encaminhô a "Lesma" p' à estrada ôtra vez, os bacoralhos lá s' ac'm'daram e a viaja continuô com o méme andamento, qu' a mula nã dava más.

E o ti Armindo foi ô mercado adonde tinha qu' ir, chigô lá méme ô amanhecer, e, inda entes da hora rigular, já tinha vendido os bacoralhos tôdes p'r bom preço, c'mé lá um belo arjamolho fresquinho numa barreca do mercado, acompanhado dum copo de vinho tinto, e, ô fim da tarde, voltô p'ra casa na méma via.

Carro de Besta

O carro de besta do ti Armindo da Boavista dava ares a este. Mái 'tava um coisinho mái sujo pre mode a carga que levava...

Dés l'es dê saúde e espàireçam no fim de semana.

13 comentários:

  1. Atã nã haveras de poder, minha bela amiga... Este ó ôtro qualquer.
    Ê cá até fico todo maniento e mái contente que nem uma pega sem rabo dum retrato dos mês ir parar ô Alafazemaazul, um blog qu' é uma classe.
    Saúde da boa.

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  2. Parente

    Já há muito tempo que eu não espàirecia por aqui.

    Muito tenho eu para ler neste fim de semana! A si agradeço, Parente.

    Muita saúde e também espàireça muito.

    ~*Um beijo*~

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  3. Rosmaninho, seja bem par'cida das sus férias duns q'ontos dias...
    Já tinha sôidades de ver coisas novas no sê blog.
    Daquém-nada, despôs de ver bem o que lá pôs já às tantas, vô-me espàircer até à festa dos artesãs de Marmelete.
    Passe munto bem.

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  4. Parente

    Parece-me que o Parente gosta muito de festas...;), até as das artesãs de Marmelete não lhe escapam. :):):)

    Faz o Parente muito bem, aproveite-as todas enquanto é tempo delas.

    ~*Um beijo*~

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  5. Alfazema, nã sê quem esse sr. Carlos.
    Calhando, é algum amigo bom, da Vila.
    Mái ê cá sô do campo e só p'r esse nome nã no conheço.
    Dés t' acompanhe.

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  6. Olá passei por aqui e achei fascinante o teu espaço, volto se não te importares

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  7. Grande produção, Parente, durante a minha curta ausência, em volta de festas populares e fontes, que o tempo vai esquecendo, mas você recorda.
    Fiquei surpreendido com essse jogo-do-bicho, que também nunca tal antes vira.
    Um abraço.

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  8. Antonio, mê belo vizinho:
    Vá lá qu' ô fim duns belos dias, já c'meçô a dar remor.
    Quái que já me doía o dedo d' acalcar lá no Local & Blogal e vomecêa semp'e de férias...
    Tamém, agora, pôs lá uns retratos do sol-posto que sã uma classe.
    Munto l' agradeço de se ter assomado logo aqui ô Parente.
    Passe munto bem.

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  9. Ó mê belo amigo alquimista, atã havera de m' emportar de vires aqui?!... O contráiro é qu' era uma desfortuna.
    E a pàxão qu' ê cá tinha se nã havesse assim amigos bons que s' assomassem aqui...
    Ê tamém vô lá devassar o alquimista, nã cudes.
    Munta saúde.

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  10. Viva

    Fiquei bem contente de ver que as amoreiras cresceram desde a última vez que por lá passei ;-)

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  11. Seja bem 'par'cida, Manuela.
    Olhe as amorêras 'tã crecidinhas e béque-me chêazinhas de viço. É qu' elas, calhando, prosam com a quela água.
    Se serem de q'ôlidade, inda s' hã-de c'mer lá umas amorinhas, más ano menes ano.
    Dés l'e dê saúde.

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  12. Parente

    Iste nim dá pá creditar no qu'agente vê nesta terra e neste país...Atã n'é uma dó d'alma ver aquela CASA DE CANTENÊRES ó abandone? Qu'aja quem olhe priste, mé Dés!

    Passe bem, qu'e cá até me dá uma volta ó estômague, só de pinsar nesta meséria...

    O Campaaniço

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  13. Obrigado por intiresnuyu iformatsiyu

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Obrigado por visitar e comentar "O Parente da Refóias"