24 julho 2006

Marmelete: A Festa de S. Antóino foi munto ad'vertida

Festa de S. António

Nisto, chigô a banda a marchar ô som das modas que tocava. E bonitas qu' elas eram...

'Tava tã entretido com o jogo do bicho que, q'ondo dí p'r ela, já a banda 'tava quái ô pé de mim a tocar uma moda tã bonita qu' o que dava jêto era ir atrás dela a marchar, c'm' à gente se fazia lá no q'ôrtel de Tavira q'ondo se 'tava na tropa.

Nã sê se se o méme com o resta da famila que p' ali 'tava no palêo, mái, verdade se diga, qu' os que 'tavam influídos no jogo pôco caso fazeram e afincaram logo, ôtra vez, os olhos na lata que 'tava p'r cimba do porquinho da índia.

Ê cá, atão, barimbí-me no jogo e, q'ondo dí p'r mim, 'tava tamém a andar atrás da banda, ô mémo passo deles. Mái aquilo foi só uns passinhos até chigar em frente da esplanada.

Aí, sai-me ô caminho o Manel Zé do Pomar da Brèjêra, que 'tava ali a lambarear com o Jõquim do Cerro Alto, de cerveja na mão, olhos mortiços e cabeça a abanar im cimba dos ombros, acuados ô canto do balcão, fêto de dôs lavajos de calitro, tôrtos e arrachados, pregados im cima de quatro prumos grossos, atanchados no chão, a servirem de pés.

O Manelinho é um belo amigo, mái, q'ondo 'tá com uma bagadinha, e é má dele nã 'tar, é um caso sério p'a uma pessoa se ver livre dele. Cachamôrra, aquilo béque-me até é um coisinho de más... Joga-se a qualquer um, ele é abraços e mái abraços e vá de puxar a gente p' ô lado do balcão. Ora, p'a quem vê, até pode f'car a pensar em coisas ruins...

- Ó, mê belo amigo!... Há tant' ô tempo qu' a gente nã se 'tava juntos... Aprochêga-te lá pr' aqui e pede o que qu'seres, que vens na minha. Diz lá aí ô homem o qu' é que bebes, Refóias, vá...

- Ê sê cá o qu' é que beba... Béque-me, agora, nã me calhava nada, qu' inda 'tô a fazer a digestã...

- Qual digestã nem qual digestã... Um solvinho nã faz mal nenhum. Queres uma cervejinha? Vá uma média aqui p' ô mê amigo Refóias... Ó entes queres um calcezinho de quasequer coisa? Madronhêra, viske ó coisa assim...

Vendo que nã tinha salva, digo:

- Atã vá uma cervejalha. Mái das pequenas... Isso 'tarão munto frias? Dê-me dessas de fora do figoríf'c', que nã é só a digestã, é qu' ê tamém, com esta calma qu' a aí 'tá, em bebendo coisas munto frias, dá-me logo em doer goélas ó fico constipado.

- Quer cristal ó sagres? É as duas que se tem. - Prègunta o moço que 'tava a despachar.

- Isso, qualquer delas serve... Mái, podendo ser, vá lá uma cristal que, p'ra mê gosto, é um coisinho mái leve qu' à ôtra.

Jogo do bicho

A banda passô em par da esplanada que nem um relampo. Em menes de nada, já soava lá p'ra baxo...

Com isto tudo, ô pôr a cervejalha à boca, é que m' alembrí ôtra vez da banda que, naquele passo semp'e certo, tinha passado à rôpa toda e já soava tocando lá p'ra baxo. Inda me pus à escuta, mái com o cagaçal todo qu' ali 'tava e o Manelinho semp'e a empencer com-migo, nã dí apr'vêtado mái nada que t'vesse jêto... E tanto qu' ê cá gosto de bandas...

- Vá, já acabaste essa? Ponha aí mái três. Uma p'ra mim, ôtra p'r' ô Refóias e ôtra p'r' ô Jôquim. - Repisava o Manel Zé, em ferros p'a emborcar más uma.

- Ó Manelinho, sossega lá p' aí um coisinho, qu' inda ê 'tô a mê desta... Manda vir p'ra ti qu' agora pag' ê cá.

E o Jôquim, inda mái escarado qu' o Manelinho:

- Ê cá tamém bebo mái uma sagres. Das grandes. Que nã 'teja munto fresca...

E lá mandí vir a minha rodada:

- Atã vá, ponha lá aí duas médias e uma castelinha.

Castelinha, p'a quem nã sabe, é uma garrafinha d' água do castelo, daquelas mái pequenalhas, qu' é com-m' uma pessoa se defende deles q'ondo nã l'e calha b'ber e eles sã rançôsos que nã dêxam um homem da mão.

'Tava-se nisto, parêcem as m'lheres, que tinham f'cado lá de roda do jogo do bicho. Diz logo a minha Maria:

- Já 'tás nisso?!... A gente a pensar que tinhas ido com a banda e, no fim de contas, 'tás aí jogado à bobida...

- Isto foi só uma cervejinha, m'lher... Nã vês qu' encontrí aqui estes amigos...

- Olha lá, nã queres vir com a gente, qu' ê vô amostrar as coisas bonitas aqui de Marmelete às minhas amigas e tu semp'e davas companha...

Ora, nã foi coisa que se d'ssesse a surdos... Ê cá 'tava em pulgas p'a me ver livre deles, paguí a minha rodada e desandí logo dali.

Já do lado de fora, inda me despedi deles:

- Adés amigues... Bem que me calhava entreter aí mái um pôcachinho com os dôs, mái atão tenho aqui estas pessoas e tamém nã l'e posso fazer desfêta...

Jogo do bicho

Tirí este retrato à esplanada inda a famila 'tava quaí toda na missa. Digam lá que nã 'tava bem compôsta...

E abalí logo com elas nã fosse eles inda virem brigar com-migo p'a beber mái alguma cerveja, que nã me 'tava méme a dar cobiça nenhuma.

De manêras que foi-se andando, tramelando e vendo p'r lá tanta coisa bonita qu' há no Povo todo de Marmelete, qu' ê, em tendo jêto, logo l'es falo nisso tudo.

Hoje, p'a nã nos zucrinar munto, só vô apresentar aqui uma coisa qu' ê tenho devassado lá já muntas ocasiõs, mái, nã sê perquém, inda nã dí desmoído bem aquilo.

Ô descer p' ô Povo, ali adonde, nôtres tempos, 'tava aquela fonte d' água ferrosa com uma bica, qu' a gente, q'ondo se tinha vontade, ia-se lá bober uma sede d' água, fazeram uma casa e acabaram com aquele recanto qu' ê cá, nã era p'r nada, mái gostava ô bem fêto.

Dés tenha no céu quem fez esse trabalho, qu' era um bom amigo lá da R' Nova, que trabalhô munto, a vida corré-l'e bem e resôlvé-se ir morar p' ô Povo em vez de se manter no campo. E ninguém teve nada com isso, que cada um faz o quer à su vida.

Calhando p'a alembrar essa bica, fazeram esta fonte, toda moderna, qu' até parêce a gente que 'tá aí numa terra lá de baxo do Algarve...

Festa de S. António

Esta fonte, calhando, foi fêta p'a alembrar uma bica d' água ferrosa que, nôtres tempes, havia logo ali prebaxinho.

- Mái que fonte tã fina que 'tá aqui, Marizinha... E tem água que se possa bober?

Diz a Florbela, d' olhos esbugalhados, pensando qu' em Marmelete nã havera d' haver coisas assim tã p' ô fino.

- Tem, sa senhora!... Pode b'ber à vontade qu' isso é água da boa.

E a Florbela lá foi a ver se matava a sede. Tã penas chega lá ô pé, põe-se a olhar p' à bica, nã vê nada p'a abrir a tornêra, volta-se p'ra mim de braços abertos, c'm' quem diz:

- Mái atã o qu' é qu' ê faço p' à água correr?!...

- Veja bem aí da banda de lá qu' há-de 'tar aí um botanito. Acalque nele qu' a tornêra c'meça logo a dêtar água.

E ela assim fez. Acalca no botão, assim a água desata a correr. Vai, munto limpêra, com boca d'rêto à tornêra p'a bober, dá um chasnado e salta p'a trás munto depressa...

- Olhem-me só p'ra isto!... Já f'quí toda molhada... Atã nã vêem qu' a água corre p' à pedra e espirlita p'r tod' ô lado...

D'zendo a verdade, aquilo adonde a água cai há-de ter sido fêto mái p'a pôr lá um cântaro ó uma enfusa a aparelhar água do que p' à famila beber.

E assim a pobrezinha lá f'cô com os sapatinhos dela tôdes molhados. E eles qu' eram bem compridos, bicudos e com tacõs de mái de mê palmo, qu' ê inda 'tô p'a saber c'm' é qu' ela se dava sigurado im cimba daquilo...

E p'a arredondar isto, inda l'es digo uma coisa, só aqui pr' à gente:

A fonte pode ser munto bonita, munto moderna, munto cara e munto tudo aquilo que vomecêas qu'rerem, mái, nã l'e pareçam mal, ê cá gostava era da que lá 'tava entes de fazerem a casa e tinha aquela água ferrosa semp'e a correr nôte e dia.

E da Festa de Sant' Antóino 'tamos conversados.

A seguir vô-les falar dôtra fonte d' água ferrosa, a umas belas léguas desta, do mái bonito que pode ser e haver em fontes

Passem munto bem e até a gente se ver.

3 comentários:

  1. Tem razão sim senhor, é a primeira vez que vejo essa fonte nova e não gosto nada do desenho. Até outro dia!

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  2. Também acho que a fonte está descontextualizada, pois, apesar de ter sido contruída com pedra monchiqueira, destoa bastante do local em que se encontra, com os seus traços minimalistas. Penso o mesmo do estacionamento subterrâneo em S. Sebastião, se o dinheirto não podia ter sido investido em outras prioridades...!
    Em relação a fontes ferrosas, acho muito engraçada aquela que fica à beira da estrada para Sabóia, a Fonte da Amoreira, que tem água ferrosíssima, e uma sombra muito jeitosa.
    Diga-me cá uma coisa: há uns meses vocemecê mostrou aqui imagens da Fonte dos passarinhos, perto do Convento; o caminho está a cessível a qualquer pessoa, ti'Refóias? É que da última vez que tentei aventurar-me pra esses lados, logo me assustei com a rústica paca que adverte para a presença de um cão de guarda...

    A sua admiradora.

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  3. Minha bela amiga Ana Pinto:
    Dés l'e pague p'r me fazer f'car tã contente com as suas conversas tã bonitas.
    C'm' é que vomecêa ad'v'nhô qu' qu' ê cá, hoje, ia falar da Fonte da Amorêra ?... Olha que coisa más engraçada...
    Com respêto à Fonte dos Passarinhos tenh'-l'a d'zer que, se mecêa ir pr'mêro ô Convento e dar um ero lá àqueles paspalhos que p'a 'tão acuados, eles prendem os cãs e até l' ensinam o caminho p'ra lá.
    A nã ser assim, o melhor é ir preparada com uma bela vardasca p'a se defender deles...
    Se nã l' aborrecer, lêa o qu' ê cá escrevi a 05.06.2006 sobre o Convento e Magnólia.
    Mái ê sê que mecêa conhêce bem o Pomar Velho, tamém pode ir p'r lá e assuba p'r aquela fazenda sempre p'ra acima que tamém há-de dar lá chigado. Ó atão, vindo da estrada do Jardim das Olivêras/Portela das Êras, quái em par do Convento, desça p'ra baxo qu' há uma v'reda que vai passar méme à Fonte dos Passarinhos.
    Dés l'e dê saúde.

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