09 julho 2006

Santiago de Compostela - Peregrinadoiro de tôd' ô lado

Santiago de Compostela

Catedral de Santiago de Compostela. Nã sê o que l'es diga. Só quem lá vai é que sente...

- Comandante, já repàiraste qu' esta famila daqui falam quái c'm' ôs de lá da terra do Artista? Olha p'ra isto. Atã a gente percebe-os... Tirando uma coiséca ó ôtra, é c'm s'a gente 't'vesse lá no Norte.

D'zia ê cá p' ô Hortêncio, abismado p'r 'tar a falar com a m'lherzinha que vendia os cajados lá em par da Catedral de Santiago de Compostela e a gente se dar intendido os dôs. Desatí a olhar p' ô ar, assim mê enzamboado, ponho as vistas na parede da ingreja, dô com uma tableta: "Praça do Obradoiro". Olho mái p'ra diente: "Rua do Franco".

Digo p' ô Artista:

- Mái atão, vocêas 'tam-m' a fazer a parte. D'zeram-me qu' isto já se 'tava im Espanha e, calhando, inda se 'tá em Portugal, sês intrujõs... Nã 'tejam a judear com-migo, senã, q'ondo irem lá a Monchique, ê logo l'es faço pagá-las...

Salta logo o Artista, na galhofa:

- Este môro do Seringas é pior qu' um murcom!... Atã nã sabes qu' eles aqui sã galegues e nã falam c'm' ôs que tu 'tas ac'st'mado lá d' Ayamonte? Ist' aqui é a Galiza, algarvio de má raça, e os galegos nã gostam de falar castelhano. Gostam é da nossa fala.

- Tó, diéb'!... Dessa é qu' ê cá nã 'tava à espera. Mês belos amigues galegos!... Até m' apetêce abraçar a velha dos bordõs, vê lá tu!... Olha, ind' agora nã l'o comprí, vô já d'rêto a ela comprar um, seja p'r que preço...

E assim fiz. Fui ô pé da m'lherzinha, ela vi logo p'lo qu' ê ia, já 'tava com um espetado d'rêto a mim.

- Toma lá português. P'ra ti sã dez euros...

- Ê nã quer' isso sem cabaça, m'lher. Ê quero uma coisa c'm' deve de ser. Tal e qual com-m' ôs p'regrines trazem q'onde vêem a pé, qu' ê bem vi, inda agora, chigar ali dôs...

- Ah, queres com calabaza?... Com calabaza sã más dous euros e meio. As calabazas sã muito caras aqui em Galiza.

- Olha, 'tá bem, dá lá p'ra cá isso. Já m' enganaste, mái ê gosto do bordão ô bem fêto e c'm vocêas falam quái c'm' à gente, f'camos assim. É menes três ó quatro cervejalhas qu' ê bebo...

Bordão de Santiago

Assim que vi um p'regrino chigar com um bordão, f'quí logo perdido p'r ele.

E lá vim, todo contente, a olhar p' ô bordão duma tal manêra, qu' a minha Maria soava d'zendo p' à Rosinha e p' à Arlete, as m'lheres do Jôq'nito e do Atirador:

- Olhem p' àquilo, vem mái contente que, se l'e pusessem uma palhinha num sito qu' ê cá sê, alevantava vôo... Aquil' é c'm' um meçalho-pequeno, em tendo uma coisa nova, nã pensa senã naquilo...

- Maria, o qu' é que 'tás p' aí a segredear?... Pensas qu' ê cá nã ôvi? Vê lá, vê lá...

Disse-l'e ê cá de longe, com cara de pôc's-amigues, fazendo de conta que 'tava munto danado.

Mái elas nã acraditaram e puseram-se todas a fazer pôrra de mim. Dizia a Arlete, qu' é uma bondade de pessoa:

- O Seringas já tem um pàzinho p'a fazer de cavalinho. E é bem jêtoso... Com uma viêra e uma cabàcinha atadas im cimba...

E a Rosinha:

- Ai que menino tã bonito, amonte-se lá no sê cavalinho p' à gente ver, amonte-se lá!...

E a Ana, a m'lher do Comandante, ajudava:

- Quer qu' a gente l' a aux'lêe a amontar, quer, mê lindo?... E tamém se leva o burrinho d' arreata p' ô menino nã cair...

- Tal 'tá esta, han!... Ajuntaram-se estas quatro aventêsmas p' a m' encalacrarem aqui no mê de tanta famila... Tenham manêras, suas marafadas!...

Respondi-l'e ê cá, tamém na galhofa, mái fazendo que 'tava munto ofendido.

Bom, mái dêxemes lá de brincadêra e toca a falar de Santiago.

Os que já lá 't'veram, sabem, melhor qu' ê cá, a linda terra qu' aquil' é. Os qu' inda nã foram lá, se t'verem òcasião, nã percam de lá ir qu' ê dig'-l'e:

Das pôcas catedrás que já fui, é a que me dêxô melhores lembranças. É vergonha que se diga, mái até f'quí em pele de galinha, com os arrepios que me deu, q'ondo lá entrí e vi a famila toda a pôr a mão naquele pilar e a bater com a cabeça no santo e vá de pedirem desejos. Atã, e despôs, a abraçarem o santo com toda a força lá p'r trás do altar-mor...

Santiago de Compostela

Toda a gente põe a mão no pilar e bate com a cabeça no santo, enq'onto pede um desejo.

Nisso fez-me alembrar o que se passa, em ponto pequeno, 'tá visto, lá p' ôs lados do Gerês, no S. Bento da Porta Aberta.

Pôs, olhem, f'quí perdido p'r Santiago. É que nã é só a catedral, sã as ôtras ingrejas todas e casas que p'r lá há naquelas ruas tã apertadas qu', em certas partes, quái que nã se sabe se 'tamos virados p'ô norte ó p'ô sul, que mal se vê o céu.

Andand'-se lá, assim fora d' horas, logo ô romper da aurora ó ô lusco-fusco, q'ondo nã se vê quái ninguém, até se sente nã sê o quem a tomar conta do nosso enterior. E apetêce ficar lá a tomar bem o gosto daquele sossego qu' atravessa a alma d' uma pessoa.

Nessas ocasiõs, béque-me, há uma pagela d' a gente que despàirece, a ruim, e fica só a ôtra, aquela qu' atiça uma pessoa p' ô lado do bem. Só o que dá cobiça é fazer-se tudo p'a se ver os ôtres e a gente tôdes contentes o mái que possa ser.

Isto foi o que me vê' à idéa com respêto a Santiago de Compostela. E já nã l'es vô escrever mái da viaja ô norte senã nunca mái dô falado cá da nossa serra, qu' aquilo foi uns dias qu' a gente correu seca-e-meca e dava p'a encher um livro com uma remessa de folhas.

Inda l'es dêxo aqui um p'regrino, todo baboso com o sê bordão, espècado em par da catedral.

Santiago de Compostela

Nã vêem como ele 'tá presunçoso com o bordanito...

E vô-me ver se dô arredondado uma escrita qu' ê 'tava p' ali a fazer, entes d'abalar p' à boavaiela com os mês amigues, a respêto dos tãinques do povo.

Munta saúde e passem munt'íss'mo de bem.

4 comentários:

  1. Sem dúvida, um riquíssimo local que terei de visitar um dia!
    Folgo muito por saber que os seus dias lá em cima foram proveitosos :)

    Cumprimentos (também) da Margem Sul do Tejo.

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  2. Mai que bel blog! Hê-de cá voltari. Já tava ficand com sôdades da Serra.

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  3. Mas que belo passeio, compadre!
    Olhe que eu não sou religioso, mas nunca conseguirei esquecer o impacto que exerceu sobre mim essa Catedral. A emoção deu-me um ataque de choro, sem chorar; só as lágrimas saíam e eu não conseguia articular palavra. Fiquei deslumbrado.
    Isso já me aconteceu mais vezes e uma delas ocorreu da primeira vez que entrei na Mesquita de Córdova e outra ainda, em Paris, face à estátua da Vitória de Samotrácia. Não é, portanto, um fenómeno religioso; é um inebriamento estético.
    Quem me dera de novo em Santiago, cidade de que muito gosto e de cujo gosto não é alheia a gastronomia.
    Um abraço, compadre!

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  4. Olhe, Ana Pinto, munto l' encarêço que, q’ondo puder, nã dêxe d’ ir a Santiago. Aquil’ é uma coisa que nã tem dexplicação.
    Tal e qual com-m’ ô António tamém com-migo se dé o caso de me correr a áuga dos olhos ô ver chigar um casal de peregrinos a pé, com a rôpa puída, a cara quem-mada do sol e as pernas a fraquejarem (via-se logo que tinham andado munto), assantarem-se no chão em par da catedral e béque-me f’carem ensampades a olhar p’ra ela.
    Ê cá já lá 'tava espècado havia um belo pôco.
    É uma obra d’ arte c’m’ pôcas…
    Dês l’e pague mês amigues.

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