04 maio 2007

O Passêo do Maio no Alferce

Passeio do Maio - Alferce
O passêo do Maio do Alferce foi quái duas léguas p'r caminhos velhos...

Ontordia, sube que, tanto im Marmelete c'm' no Alferce, faziam um passêo no Dia de Maio. Ora, f'quí logo empeçado... Tanto qu' ê cá gosto de dar pessêos a pé e nã dava ido ôs dôs. Inda me pus a ver se s' aquilo se dava resolvido d' alguma manêra, mái, só-se!...

De manêras que, vô-me caminho do mê compad'e Jôquim do Barranco e desafi'-o p'a ver s' ele tinha coraja d' ir com-migo e com a minha Maria, tanto fazia a um c'm' o ôtro. Era o qu' ele gostasse más.

Mái, qual o quem!... O homem, semp'e com aquele jêtinho dele, molengão e passo lento, que custa a mexer uma bota sem pedir l'cença à ôtra - vá lá qu' ele nã 'tá aqui que nos oiça... - tirô-me logo isso da idéa:

- Ai c'pad', tenha pacência, mái p'ra isso nã me convinde... Já sabe qu' ê gosto é d' andar cá à minha manêra e essa malta nã tem nada im andar depressa demás e, atão, nã espere p'r mim.

- Nã me diga que nã faz esse jêto à c'mad' C'stóida, que tamém havera de gostar d' ir...

- A minha C'stóida?!... Atã ela custa-se a mexêr, que já quái que nã ido a pé à missa... Veja lá que já, um destes dias, me disse qu' ê l' havera de ch'mar um carro de praça...

- Olha que essa...

- Tire daí o sentido, compad'e Refóias. Tire dái o sentido qu' ê cá nã vô.

Pensí cá p'ra mim:

- Tenho qu' ir bater a ôtra porta, 'tá visto...

É que, sòzinho com a minha Maria, béque-me nã me dava jêto ir. E atão disse-l'e a ela que, se qu'sesse ir, tinha qu' arrenjar companha. Más sabia è cá qu' isso era o que nã l'e dava cudados nenhuns a arrenjar.

Monte da Lameira - Alferce
Foi um passêo só com vistas do melhor, c'mo esta do Monte da Lamêra...

- Oh homem, atã isso manda-se já recado l'a p'ra baxo p' às minhas amigas qu' elas, é mái que certo, que parêcem p'r 'í...

- Atã, trata tu disso, se tens portador que l'es dê o recado...

- Qual portador nem portador... Elas têm telefone, tamém nã é assim uma f'rtuna tã grande c'mo isso, l'es tel'fonar...

- Faz c'm' quêras, qu' ê cá já fiz a minha parte. Mái vê se tratas disso a temp' e horas...

Nã sê lá c'm' é qu' ela fez a coisa, mái, ô certo, ô certo, é que, Dia de Maio, logo ô clarear, já elas cá 'tavam, todas bem arrenjadas, p'a se fazerem ô caminho. E abalô-se. Entes, inda l'es prècurí se gostavam mái d' ir ô Alferce ó a Marmelete. Mài elas pôco l' emportava. Qu'riam era laré...

D'zer a verdade, ê nã disse nada a ninguém, mái já tinha resolvido c'm' fazer a coisa. Leví a matinar uns belos dias 'té que me vê cá uma idéa à cabeça.

C'm' elas tinham carro, o melhor era s' ap'vêtar a manhã no Alferce, qu' o passêo passava p'r uma adega de madronho e semp'e haveram de dar lá uns calcesinhos dela à famila, e, à tarde, ia-se a Marmelete, que tinham lá um pórco p'a assar, e inchia-se lá uma barrigada de carne.

E assim se fez.

Atã vô-l'es falar do passêo do Alferce e, despôs, logo l'es falo da festa de Marmelete. Que foram os dôs do melhor que possa ser...

Adega do Monte da Lameira - Alferce
No Monte da Lamêra, aparô-se p'a b'ber um calcesinho dela...

Pôs inda bem nã se tinha abalado do Alferce - aquilo era de manhã, p'la fresca - já se 'tava a decer p' ô Monte da Lamêra. Qu' era, calhando, o sito que más ent'r'ssava a parte dos qu' ali iam... E isto p'rquem?...

É que, no Monte da Lamêra, 'tá uma gradessíss'ma adega, qu' era da Famila dos Melos, uma coisa do melhor que cá o Parente já viu im sito p'a estilar aguardente. Aquilo tem tôd's os cómados e é campôso p'a se trabalhar à larga.

Altrafices, isso tem que nã falta coisíss'ma nenhuma. Vasilhas im madêra, é uma preçanada delas. 'Tá bem que já nã se pode fazer ser uso delas qu' eles nã querem, mái fazem vista... Mái dêxa-se isso p'a trás, qu' ê cá, em calhando, logo l'es conto c'm' é qu' é isso de estilar o madronho.

Pôs quem 'tava lá a arreceber aquela matula toda do passêo era um senhor que mecêas há-dem conhecer, qu' ele é ali da Caxa. É o senhor Zé Palo. Mái nã cudem, o homem nã foi só dar uns porretes im forte à gente, que foi inq'onto se quis - e nisso l' agradêço que nã dêxí lá a parte que me pertencia, nã senhora - é que tamém dexplicô aquilo à gente qu' até dé consolo ôvir.

Com aquilo tudo e c'm' àquela era da boa, inda o desafií p'a me vender uma garrafinha dumas qu' ele tinha ali im cimba duma mêzinha à nossa frente. E sabem o qu' é que se deu?... Nã me vendido denhuma...

E nã me dé vendido perquém. À uma, qu' ele des que tinha pôca - mái p' à gente, o homem fazia semp'e um jêtinho, 'tá bom de ver... - e, despôs, p'r mode nã ter ali o livro das facturas. É qu' eles, agora, obrigam a famila a pôr ali um selo no gargalo da garrafa, com um numbre, e atão vá lá despârcer uma garrafa daquelas que nã fique resistada lá nessas ditas facturas...

E tamém falô na guia de marcha e tal, nã sê quem, nã sê quem... Olhem, no mê tempo, guia de marcha era um papel qu' eles davam à gente p'a s' ir assentar praça ó, atão, q'ondo mandavam um homem dum q'ôrtel p'ô ôtro. Agora, a aguardente tamém tem. 'Tá bem caçado, sa senhora...

E já com uns q'óntos caláiços no bucho - e nã cudem qu' eram mosquitos, que nã eram... - lá se pusemos a caminho qu' inda a Umbria 'tava desviada e a Fonte Santa nã se fala... E em chigando lá, faltava ôtr' tanto caminho p'a andar.

Passeio do Maio - Alferce
Na Fonte Santa da Malhada Quente, quem tinha, c'mé um farnel, quem nã tinha, b'bé água da bica...

Mái aquilo, com os calcesinhos que se bebeu, a famila toda munto ad'vertida, as vistas do mái bonito que possa ser e tôd's a ver se nã faziam má figura p'a nã f'carem p'a trás, nã tardô quái nada que nã se 't'vesse a chigar à Fonte Santa da Malhada Quente.

Ora, já se vinha a dar à perna bem há uma duas horas, pert' ó certo, aquilo foi tudo a ver quem s' assantava pr'mêro e puxava do farnel p'a matar a larica... Até o pobrezinho do cão lá do homenzinho que toma conta dos banhos - o ti D'mingos - par'cé logo a ver s' apr'vêtava p'r 'lí algum miolo de pão que fosse aparar ô chão. Mái béque-me nã teve assim munta sorte...

E já agora, apr'vêto p'a l'es d'zer uma coisa. Calhando, muntos de vomecêas inda nunca foram a tal sito. Más, olhem, era bom que fossem. Metem-se na estrada do Alferce, im chigando à P'rtela do Estiêro, se qu'rerem, bebem um porrete na venda da Senhora Mari' J'sé, tornejam p'ra baxo e, tanto faz a pé ó de carro, im menes de nada 'tã na Fonte Santa.

Nã é que seja um sito com grandes vistas, qu' aquilo é lá no fundo do barranco, mái água é c'm' à das Caldas, tem a méme virtude; sombras, é do mái fresco que há, com aqueles amiêros tôd's; sossego, nã se hôve coisíss'ma nenhuma, tirando um passaralho ó ôtro e a água a correr, córgo abaxo. O qu' é que mecêas querem más?...

Calhando, foi p'r mode isso - ó nã saria, qu' os tacõs das botas já pesariam a alguns... - que foi uns trabalhos p' à famila abalar dali p'a trás, ôtra vez caminho do Alferce. E agora, era quái sempre a assubir. Olhe qu' ele havia lugares que quái que se tinha qu' ingraminhar, d' ingres que eram...

Passeio do Maio - Alferce
A ti D'mingas, que Dés a conserve com os sês 99 anos, vê logo dar de vaia à gente...

Mái, a seguir à pr'mêra arrencada, lá se panhô uma chanita d'rêta que dé p'a t'mar fôl'go. É logo ali p' àquelas bandas do Escalfado q'ondo se vai p' ô do Bate-Fandango. E calhô bem qu' a ti D'mingas, que já tinha visto aquela chusma de famila passar p'a um lado, agora, à volta 'tava logo ali à coca p'a se meter com a gente.

Ô chigar ô pé dela, salta-me logo:

- Venha com Dés, menino...

- Atã c'm' vai isso, ti D'mingas?... O qu' é que se tem fêto?...

- Ai, 'tô munto im baxo... Tenho andado p' aqui com umas dores... Dói-me isto aqui tudo, nã vê, aqui assim... E tamém já nã vejo grande coisa... Nã vê, já tenho munta idade. Sã 99 anos, já fêtos no mês de Março...

- Eh'q... Há p'r 'í tantos, mái nôvos, que tamém se quêxam do mémo...

- Mái dexplique-me lá quem é que mecêa é, qu' as minhas vistas nã alcançam a l'e tirar bem as fêçõs...

Lá l'e 'tive a deslindar bem quem era, quem nã era, falô-se deste e daquele, e inda l' achí uma idéa tã boa que, qualquer um que nã saiba, nã l'e dá aquela idade nem lá p' ô pé...

- Pôs fique-se com Dés e que tenha munta saúde, qu' ê cá, pr' ô ano, quero ôvir falar que l'e fazeram uma grande festa q'ondo fazer o cento...

- Ai, nã ne fale nisso, qu' ê nã sê se chego lá...

- Ai nã que nã chega!... E inda há-de fazer bem muntos má's. Com essa r'jeza...

- Vá com Dés, ti Refóias...

Bolos regionais - Alferce
A senhora Cidália sabe fazer bolos e pão de toda a q'ôlidade. Nã veêm?... Désna de panitos com chôriça a bolos de tacho e de massa temp'rada, há de tudo...

D' ali p'ra diante, em s' atravessando a estrada d' alcatrão, foi só assubir à rôpa toda até lá im riba à Êra Covada. Tã penas se lombrigô o Alto de Baxo a luzir perto do Alferce, aquilo foi c'm' quem tirô um peso de cinco arrôbas das costas d' alguns...

O que nã me calhô lá munto bem foi que já ia tôdo fêtinho p'a c'mer uns coisinhos de carne frita lá no Alferce, numa barrequinha qu' eles usam a ter lá p'r as festas, e, desta vez, panhí um charimbote. Peço uma bifana, à manêra, lá ô amigo que lá 'tava, e nã qu'ria crer no que ôvia:

- Hoje nã temos, ti Refóias. Agora já nã dêxam.

- Já nã dêxam?!... Atã que jêto?...

- Ai, vomecêa nã sabe, ainda?... Isto, agora, quem qu'rer fazer bifanas tem de trazer f'igoríf'co, óleo lá c'm' eles querem, ter uns papeles aí nã sê d' adonde, e mái uma preçanada de coisas qu' ê nã l'e sê contar. Quem nã tenha, veêm aí os fiscás, levam-l'e tudo e inda l' atancham com uma murta qu' até vai lendo.

- Pôç'ras!... Isto, mái logo, é melhor um homem s' ir mandar matar!... Nã se pode fazer madronho, nã se pode fazer mortepórques, nã se pode fritar carne, nã se pode fazer nada... Má atã o qu' é isto, senhor?!...

- Isto 'tá assim... O qu' é que mecêa quer...

- O qu' ê cá qu'ria era c'mer qualquer coisinha... Mái, dêxe lá. Vô-me ali à da senhora Cidália qu' ela tem ali uns bolinhos de tacho e panitos com chôriça e de torresmos, até bolos de massa temp'rada ela tem. E tudo do melhor qu' ela sabe fazer munto bem. Dê -me lá aí uma cervejalha p'a acompanhar, fazendo favor...

- É só o que tenho p'a vender é cerveja...

- Tamém nã faz mal, qu' ê, nã tardando, abalo p'a Marmelete e eles 'tã lá a assar um pórco, há-de-me acabedar algum pedacinho...

E assim fiz. Mái com respêto a Marmelete, logo l'es conto daqui a uns dias, qu' a minha Maria fez-me aí uma parte e ê cá, agora, nã tenho ocasião de l'es contar o resto.

O qu' é qu' a minha Maria me fez?!... Olhem, dé o nome da gente p'a ir aí a uma banda com uns amigos e, atão, vai-se 'tar uns quatro ó cinco dias p'r fora. Em se voltando, conto o resto.

Mái p'a nã perderem tudo, se qu'rerem ver mái retratos do passêo do Alferce, e da festa do Maio de Marmelete acalquem aqui na galeria do passêo do Alferce e na galeria da festa do Maio de Marmelete.

Atã, assim, passem munto bem e até p' à semana. Dés l'e dê munta saúde.

2 comentários:

  1. Ai que cobiça do seu dia de Maio, e de fazer um valente piquenique à sombra do arvoredo na Malhada Quente, depois de um banho termal relaxante, à moda antiga! Isto, para não mencionar os bolos e o medronho...

    Faça um bom passeio com a sua Maria, e que regresssem com óptimas histórias para contar ;)

    Se quiser visitar a minha modesta galeria de fotos, aqui vai o endereço: www.aranni.deviantart.com/gallery

    Um beijo.

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  2. Meu caro Parente

    Passo por aqui para apreciar mais uma das suas excelentes reportagens e também para lhe dar a "salvação".

    Um abraço raiano

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Obrigado por visitar e comentar "O Parente da Refóias"