- Nã ôves, gostava d' ir aqui prê abaxo e dava-se um pulinho até ali à fonte do castanhêro... Nalgum tempo, inda bebi ali umas q'ontas sêdes d' água.
- Ó m'lher, atã s' a gente tirô hoje p'ra isso, basta tu d'zeres...
E lá se foi. Qu' ê atão, p'a d'zer a verdade, uma vez p'r ôtra, gosto de fazer a vontade à minha Maria. Nã é bem andar a mandado dela, 'tá claro, é assim uma coisa lá q'ondo calha.
Bom, logo p'a c'meçar, inda nã se tinha chigado à ponta da rua, embicamos logo com uma rombada... Ali 'tava o v'lado caído e as pedras todas estramalhadas qu' a gente só dava passado ô cantinho da rua. Atã nã haverá quem a levante aquilo?... O enverno já se passô e, daqui nada, 'tamos no v'rão... Mái lá se passô e foi-se mái prebaxinho.
Aí era um chêrinho no ar...
- Maria, que chêro é este? Tó!... Até quái qu' enfrasca de forte que é...
- Iss' é uma flor ch'mada jasmim. Q'ondo dá flor, chêra qu' é um encanto.
- Inda pensí que fosse daquela que 'tá p'r cimba da fonte do castanhêro. Nã vês, tamém tem p' além umas flores grandes assim p' ô marelo...
É que já se 'tava a alcançar a fonte lá ô mêo da azinhaga do Pomar Velho. Dé-se mái uns passos e lá chigamos, ê cá pensando qu' ia lá b'ber uma sede d' água fresca e me sentar ali um pôcachinho a ver a bica correr.
Perdi foi logo a vontade. Aquilo era só tábuas velhas p'a um lado, barrotes podres p'a ôtro, porcaria p'r tôd' ô lado, bom, par'cia um monturo... Inda p'r cima, um esgròviado qualquer tinha pintado a fonte toda p' ali com umas parvoêras qu' ê nem dô deslindado o qu' é qu' aquilo quer d'zer. Vejam bem qu' até os olh's do boneco p'r donde corre a água pintô!... Ah, filho duma magana!...
Até a minha Maria l'e dé uma ansiedade de ver aquilo assim, que mecêas nã calculam. Nã vêem, ela tinha c'stume d' ir lá muntas vezes e agora f'cô assim béque-me desconsolada...
- Ó Maria, nã t' apequentes, m'lher. Os nossos maiores males fossem estes... Dêxa qu' a Câmara ó a Junta de Freguesia, uma vez, logo mandam arrenjar isto. Pode ser qu' eles passem aqui a pé e vejam.
- Olá, 'tá bem dêxa... Risca o três que ganhaste... S' eles t'vessem que vir aqui bober, inda vá lá... É qu' isto até me dá fezes de ver estas coisas, home. Uma fonte tã bonita qu' até podiam vir aqui os turistas... Olha, bem podiam fazer passar aqui um caminho daqueles p' à famila fazer ginástica, qu' é uma coisa que 'tá agora munto na moda.
- O quem? Aquilo qu' eles chamam um circuito de manutenção? Bé... Mái podia ser... Assubindo até ô convento e à estrada da Portela das Êras...
Ora, e v'reda, cá vô eu!... O qu' é qu' a gente fazia ali s' aquilo até dava nonjo. Foi-se comprar uma garrafa d' água de litro e mêo ali na mercearia e pronto. Tamém eram horas da gente se chigar p' ô lado da agência p'a nã se perder a carrêra ôtra vez.
E passem munto bem, que, tã penas possa, logo l'es conto ôtra.
Felizmente guardo fotos e recordações dessa linda fonte, da altura em que a iconoclastia ainda não tinha tomado conta do precioso património monchiquense. Deixa-me triste ver locais tão encantadores serem vilipendiados por moços pequenos, aos quais, pelos vistos, nem sociedade nem pais, incutiram respeito pela sua própria identidade cultural.
ResponderEliminarOs seus relatos são magníficos, e gostaria de sugerir mais alguns locais incontornáveis do concelho para ainda mais nos deleitar, como o caso da Mata Porcas, Barranco dos Pisões, Picota, Capela de S. Sebastião, Igreja do Pé da Cruz, entre muitos outros sítios/monumentos que merecem ser conhecidos e apreciados.
Fique-se com Deus, e não faça muitas vontades à sua Maria, as más línguas podem sugerir que o parente Refóias é um pau-mandado!