29 maio 2006

Ch'minés da Vila

Há ch'minés na Vila qu' até dá gosto. E bem muntas.

Cá p'ra mim, as ch'minés mái bonitas da Vila sã as que 'tão nas casas más antigas. E, muntas delas, se nã calha a alguém p' aí olhar p'r isso, inda s' afituram a levar s'miço, qu' isto com' às coisas andam, mal sabe a gente q'ondo é qu' essas casas nã sarão dêtadas abaxo p'a fazerem algum prédio desses que fazem agora que nem dêxam um homem ver o sol.

P'r mod' disso é qu' ê ando semp'e a ver se dô tirado uns retratos p'a me f'carem de lembrança. Às ch'minés e ôtras tantas coisas, qu', em valendem dinhêro, hà quem nã olhe p' atrás e se desqueça qu' os sês avozes deles é que fazeram aquilo e, tantas vezes, a munto custo.

E, ô méme tempo, vô tamém devassando, p'r 'quí e p'r 'lí, coisas que passa-se anos que nã nas vejo. E nã é p'r 'tarem desviadas, é que, muntas vezes, uma pessoa nã s' opõe ó nem s' alembra. Más olhem, passa-se uns pôcachinh's bem espàircidos. Assim às tardes ó ôs d'ming's, q'ondo anda pôca famila na rua, qu' é p'ra eles nã se meterem com a gente...

Inda faz sáb'd' oito dias, q'ondo 'tava a c'mer uma bucha a mê da manhã, prècurí à minha Maria s' ela qu'ria ir dar uma vista d' olhos aí p'as ch'minés todas da Vila. Ela des que nã podia e saltô logo com-migo:

- Ò homem, atã nã vês que tenho o g'verno tôd' da casa p'r fazer... Rôpa p'r passar, a cama quero fazê-la de lavado, barrer a casa e a rua, qu' as v'zinhas já hõ-de d'zer qu' ê cá sô uma cochina...

- 'Tá bem, Maria, se nã vás, nã vás. Nã tens míngua é de te enfèzares dessa manêra. Parêce qu' ê te disse alguma coisa ruim... E, más a más, se nã te faz jêto hoje, pode-se ir amanhã, là p'à tardinha, aí das sês em diante, pert' ó certo, que tamém é boa ocasião.

Más ela nã dé resposta e ê cá p' ali enrolí a bucha com um c'pinho de vinho do tal qu' o mê compad'e Jôquim do Barranco fez dumas uvas qu' ele tinha e ôtras que comprô além p'a Al'zur, e pensí:

- Calhando, dêxo isso p'a d'mingo à tarde, pode ser qu' ela já 'teja de boa avêa e semp'e me vai dar companha.

E foi o que se deu. Assim já bem à tardinha, lá se foi os dôs p'la fresquinha. E andô-se a cotear até já bem despôs do sol se pôr. Corré-se a Vila toda até à Mata-Porcas, vejam lá...

Ê tirava os retratos. A minha Maria ia de galga no ar a ver se lombrigava as ch'minés. E tinha jêto p' àquilo, sa senhora. Inda mal ê nã tinha acabado de tirar uma, já ela apontava com o braço munt' esticado:

- Olha, àlém 'tá ôtra!... Aquela é qu' é bonita. Tira já daqui, vá. Nã vês?! Mal empregada 'tar toda negra e nã na caiarem...

- Sossega p' aí, m'lher, atã nã sabes qu' isto tem que ser fêto com tempo. E nã se pode 'tar virados p' ô sol, senã nã se vê nada... E alembra-te qu' ê tamém nã sê munto bem com-m' é qu' isto fonciona.

Ora nã sê munto bem. Ê nã entendo é nada daquilo... O Zé Manel disse-me que s' acalcava ali naquele botão e é o qu' ê faço. Estragam-se é bem muntas, nã sê perquem.

Umas ficam tremidas, ôtras munto negras, ôtras munto esbranquiçadas... Mái sempre s' apr'vêta quaí uma àmetade. Atã o qu' é que querem más?... Munto já ê faço. Agora é qu' ê havera de ter os mês vinte anos, qu' ê logo te d'zia...

P'r falar nisso, vê-me à idéa a pena que me dé duma amiga da minha Maria - a Franc'squinha Rios. Ia-se ali à Portela, diz a minha Maria:

- 'Tá além uma m'lher à janela, aquil' é a Franc'squinha...

- Adonde? Nã vejo ninguém...

- Parvo... Se nã ser ê cá a te d'zer, passas p'a famila e nã vês ninguém. Olha bem além nos altos daquela casa, nã vês?

C'm' é qu'ê havera de ver. Atã aquilo inda era uma lonjura parva e contr' ô sol... A minha Maria tem umas vistas que nem um sapêro. Vê tudo. É que nã dêxa escapulir nada...

Pôs, olhe, a pobre da Franc'squinha é que nã se pode gabar disso. Chigamos ô pé dela e ela nã dé p'r nada:

- 'Teja com Dés, Francisquinha. Que tal 'tá de saúde?

- Ai, venha com Dés. Mái, diga-me lá quem é vomecêa qu' ê já nã dô alcançado quem passa na rua... Mês belos olhinhos qu' ê tinha q'ondo era nova e agora já nã m' ajudam nada...

- Sô ê cá. A Maria. Há tant' ô tempo que nã na via. Já tinha sôidades.

- Ai... Agora é qu' ê l'e 'tô conhecendo a fala... Atã o que se faz? Olhe, nã há nada de tempo qu' a minha filha se foi imbora. 'Teve aqui tod' à tarde com-migo. E s'a gente falô em si... Que sã as duas do méme tempo, nã são?

Foi o qu' a minha Maria quis ôvir... Aquilo dé assunto quái p' ô resto da tarde. Se nã sô ê cá a me voltar p'ra ela e fazer assim um coisinho de má-cara, inda, estas horas, se 'tava lá. Aí nunca mái s' alembrô das ch'minés nem de mái coisíss'ma nenhuma...

Q'ondo a despegado de lá, ela atão portô-se munto bem. Méme já com um sapato a l'e fazer uma roedura num pé e um calo a atazanoar no ôtro, inda foi ela que quis ir até ô fim da viaja. Pobrezinha, até já me dava dó, tanto coxeava dum lado c'm' d'ôtro:

- Ó Maria, vê lá se 'tás p' aí munto empeçada, volta-se p'a trás... Nôt'a ocasião logo se vê o resto.

- Qual o quem!... Vai lá andando, enqónto ê ponho aqui um lenço na roedura, qu' ê já t' 'panho más à frente. Isto nã é nada...

Ora nã era nada. Já l'e faltava um pedaço de pele p'r cimba do calcanhar qu' até se via ô longe... O que l'es dig' é qu' ela, méme côxe-pé, côxe-pé, lá foi e pedia meças a andar êm minha companha.

Pôs olhem, fartamos-se de ver ch'minés qu' é uma coisa qu' a famila, as más das vezes, passa com as vistas em baxo e nã alevanta a galga p'a ver o que 'tá lá p'r cimba dos telhados.

'Tá bem qu' elas, as mái bonitas, 'tã todas quái ô abandono, mái vamos a ver s' os donos, ó p' aí a Câmara ó coisa assim, arrenjam, p'r más que nã seja, um coisinho de cal p' às porem assim com uma cara mái jêtosa.

De manêras que, mecêas façam com-m' à mim. Q'ondo andarem na Vila olhem tamém p' ôs altos das casas e, mòrmente, p' àqueles mái antigas e já fêtas uns canecos, e logo me contam.

No fim, inda se foi a um sito do mái bonito que pode haver, qu' ê logo l'es conto um dia destes. E p'a acabar, assomem-se aqui se querem ver mái umas q'ontas ch'minés das qu' a gente andô a devassar.

E p'r aqui me fico. Até ôtra ocasião.

3 comentários:

  1. Outra ocasião nam me há-de faltar.
    Sou nascida aí nessa terra tam bonita, conheci o nome deste blog pela rosmaninho, agora pega-se-me o vício...
    Sempre vou dizendo, quando vem a talhe de foice, como gosto da minha terra/minha serra, apesar de ter saído de lá há que anos.

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  2. Faz vocemecêa munto bem em mostrar as belíssimas chaminés de saia da nossa vila! É sempre aconchegante vislumbrar as coisas que Monchique tem de melhor. Que haja sempre o cuidado de as preservar, e mesmo que o impulso construtivo de que vive este mundo actual leve a melhor, que pelo menos tenham o bom senso que tiveram na urbanização de S. Sebastião, em que a chaminé de saia da quinta com o mesmo nome foi protegida e mantida no seu local de origem, adornando aquela parte da vila, e mantendo a memória do local.

    Cumprimentos ao parente Refóias.

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  3. Concordo com a Ana Pinto, é muito aconchegante ver o que monchique tem de melhor e tambem espero que preservem as chaminés e eram mais bonitas se as pintassem todas de branquinho sim senhor!

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Obrigado por visitar e comentar "O Parente da Refóias"