Q'ondo tenho pôco que fazer - ó me falta a vontade disso - dá-me p'a ir ver coisas. Uma tarde destas, com'cí a andar p'la Vila, ô dés dará. As ruas, g'ande parte delas, sã bem munto estrêtas, nã se dá visto mái nada senã as paredes e o céu.
Inda andí de galga no ar um belo pôco a olhar p' ô céu, que 'tava bem azulinho dum lado e a f'car toldado do ôtro, mái, béque-me, comecí a sentir aqui uma moínha no cachaço e dí com-migo a olhar p' às portas e j'nelas da famila.
Quem me visse assim espècado, havera de d'zer qu' ê nã 'tava bom da cabeça e, d'zendo a verdade, inda hôve p'a lá uma m'lherzinha que se pôs munto embasbacada a olhar p'a mim, e nã s' aguentô:
- Mái o qu' é qu' o rai' do homem anda p'a li a fazer, senhor?!... Gab'-l'o gosto... a tirar retratos às paredes...
Ela qu'ria era meter conversa com-migo p'a saber o perquém daquilo. Más ê fiz que nã ôvi e lá fui andando. Qu' ê tamém nã me calhava 'tar-l'e a d'zer p'a qu' é os retratos eram...
E, despôs, nã fosse a minha Maria par'cer p' ali e f'car desconfiada de me ver a palear com ôtra. 'Tá bem qu' ê nã tinha medo nenhum disso, mecêas sabem bem qu' um homem é semp'e um homem, mái nã há nada com-m' à gente s' aprecatar e furtar-se a esses enredos, qu' elas, ás vezes, sã malinas...
E atão, a pr'mêra porta qu' encontrí foi esta:
Tem flores, tem rendas lindamente fêtas p'la dona e o fogarêro em frente, p' ô que ser preciso.
Tudo munto bem afêçoado, à manêra cá da gente.
'Tive um belo coisinho a oservar e achí bonito os vazinhos todos pôstos nos sês lugares, naquela armação, qu' é mái que certo, foi fêta de pr'pósito p' àquilo.
Fica na rua da cadêa.
E, bem perto dela, dí logo com esta, que tem que se l' e diga. Se qu'serem, dão alcançado, melhor do qu' ê cá, o qu' a pessoa qu'ria d'zer q'ondo pôs aquelas coisas todas ali.
Ora, repáirem bem. Cá p'ra mim, o que me vêo à cabeça foi isto e nã vejo ôtra manêra melhor de deslindar o caso:
. Uma tamiça dum lado ô ôt'o da porta:
- Nã se pode passar.
. Uma cana atravessada, mê dêtada:
- Nã se pode passar.
. Um pano preso à manita da porta com uma mola da rôpa:
- Nã vale a pena bater, que nã se pode passar...
Isto é a manêra c'm' ê cá olho p' àquilo, 'tá claro...
Mái, vomecêas podem ver a coisa dôtro jêto, 'tá bom de ver.
'Tava ê cá munto bem entretido a deslindar isto e a pensar se nã saria de caso haver más alguma porta ent'r'ssante, ó janela que fosse, sinto um empurrão p'as costas...
- Eh, parente, mái atão o qu' é que faz aí parado a olhar nã sê pr' ô quem?
- Eh'q, 'tava aqui a olhar p'a este entrôcho e achí isto bem caçado.
Disse, ê cá, p' ô parente Chico T'móito, do Barranco da C'ruja, que chigô até ô pé de mim, munto desapercebido, sem ê dar p'r nada.
- E, ô méme tempo, 'tava-me a dar cobiça d' ir andando p'r 'í más um pôco. É qu' ê pelo-me p'r ver estas coisas, parente...
- Olhe, atão, vamos os dôs qu' ê tamém acho graça a isso e gosto palear uns pôcachinhos consigo.
Respondé-me logo ele, fazendo assim o gesto de quem c'meça a andar.
Inda nã se tinha chigado bem ô canto da rua, vejo uma casa a ser fêta, já em bom estado. Mái uma coisa como deve de ser. Assim p' ô moderno, com pedra cá da nossa toda lisinha nas paredes, j'nelas rasgadas, ê sê cá...
Diz-me logo o parente T'móito:
- Des qu' é dum dôtor advogado que 'tá fazendo isto p'a montar aqui o cartóiro dele, mái nã sê quem é.
- Munto men's sê ê cá qu' inda nem tampôco sabia qu' isto 'tava aqui... Mái, isto vê-se logo qu' é gente de posses. Qualquer um nã podia com uma despesa destas. Só estas pedras q'onto nã custaram?!...
Respondi ê cá, inda ensampado a olhar p' àquela categoria de trabalho.
- Olhe, e 'tá aqui méme bem. Logo ô pé do Resisto, do Notáiro, do Tribunal, da Câmara... Oh, cai aqui tudo.
E o parente T'móito tinha r'zão. Aquilo 'tá ali m'eme ô queres...
Bom, andando e conversando, q'ondo dô p'r mim 'tava d' olhos pôstos nôt'a porta que tamém gostí de ver:
- Olhe que já se vêem pôcas assim...
Dig' ê cá.
- Olá!... Portas com gatêra? Oh, parente, disso tenho ê lá umas duas ó três... Se nã ser más.
Responde-m' ele um coisinho quái p' ô maniento.
- 'Tô a falar aqui na Vila, parente. E vê-se qu' é uma porta com muntos anos mái bem tratadinha. Olhe que nã é só a gatêra. Atã e aquelas travessas além em cima p'a dar ar à casa? Isto tamém é famila de teres... E op'niôsos.
Disse ê cá.
- Ê tamém sô op'niôso, teres é que nã tenho. Más olhe que gosto de ter as minhas coisinhas tudo bem apresentado...
- Parente Chico, nã l'e parêça mal o qu' ê disse, qu' ê sê que mecêa tem lá um arranjinho, uma coisa do melhor. E seja com saúde p'a se gozar daquilo p'r munto e munto tempo.
De manêras que, foi-se andando mái um pôco, inda se b'beu um copinho - e más ôtro p'a nã s' ir coxos - ali na Portela.
Nã sê se foi o mê parente que 'tava em fraqueza s' o qu' é que foi, aquilo subi-l'e logo à cabeça. Ia-se ali os dôs munto bem, dá uma topada na calçada, vejo jêtos dele se espaldêrar no mê do chão. A sorte foi qu' ele é munto safo e joga-se com as duas mãs ôs ferros desta j'nela.
- Calhô méme bem. Se nã me siguro aqui, já nã se via esta j'nela. E bem apresentada qu' ela 'tá...
Diz ele, munto l'gêro, c'm' quem nã quer a coisa, pensando qu' ê nã vi bem que, más um nada, e ele tinha andado de raboleta.
- Bem ó mal apresentada, s' ela calha a nã 'tar aí nesse sito, quem f'cava mal apresentado era vomecêa... Já vi bem, se t'vesse batido a àpèraja num chã destes, com-m' é que 'tava agora?
E pensí, mái nã disse:
- Ora, tinhas a fúiça toda esgateada...
E assim se passô a tarde, mal a gente dé p'r isso.
Num nadinha, 'tava-se a chigar ô Largo dos Chorõs. Inda dé tempo de se b'ber mái umas copadinhas lá no café entes da hora da carrêra.
E passem muntíss'mo de bem, até ôtro dia.
Que saudade...
ResponderEliminarMonchique é uma terra muito linda!!! Não sei quem é o anônimo mas partilho do mesmo sentimento... Que saudades!!!
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