Quái sempre, tem-se as coisas na frente e nã se as vê. E dig' isto p'rqu' a minha Maria, marafada, tôd's dias, andava a matinar com-migo:
- Ê cá g'stava d' ir à Travessa das Guerrêras. Des qu' aquilo 'tá tã bonito... Ali a prima Jôqu'nita já foi lá um dia destes, despôs da missa, e g'stô munto. A gente havera d' ir tamém. Ó home, vai lá com-migo à Travessa das Guerrêras. Custa-te assim tanto?...
E ê fazia que nã ôvia. Logo, p'rque nã sabia com-m' àquilo 'tava e, despôs, p'rqu' a gente nã l'e pode fazer vontade log' à pr'mêra, senã elas tornam-se soberbas... Más ela, inda bem não, punha-se ôtra vez com aquela cantilena. E ê calado.
Até que foi, foi, lá terminí qu' uma tardinha destas ia-se lá. Ora, nã l'e fosse ê d'zer otra coisa, ela quis ir logo no mémo dia. Ê, tamém, p'a nã me apequentar, fui e pronto.
Atão e nã é qu' ela tinha r'zão?!... Até f'quí parvo. Raça!.. Aquilo 'tá lá uma coisa tã bem trabalhada que nã se pode d'zer que se dá o tempo p'r mal empregue... E nã cudem qu' ê dig' isto p'r d'zer, qu' ê atão nunca tive jêto p'a pastelêro. O que tenho p'a d'zer digo logo.
Inda nã se tinha chigado lá - 'tava-se p'aí a mê da Rua do Porto Fundo - lombrigo logo a prima Jôqu'nita à rua abaxo toda munto a olhar p'a um lado e ôtro, fazendo que nã via a gente. Aquilo foi um foguete, 'tava-se ô pé dela.
- Atã, primos, o que fazem aqui p'r estas bandas?...
Diz logo ela munto l'gêra, fazend'-se de novas, com-m' s' ê cá nã sabesse qu' a minha Maria l'e tinha contado qu' a gente ia lá...
- A gente viemos s' assomar aqui à Travessa das Guerrêras... atã e mecêa?
- Eh'q, vinhe ali à farmácia de cima ver s' eles já tinham aviado uma recêta qu' ê dêxí ali esta manhã, mái 'tá p' ali um reméd'o que nã há. Des que só lá p' amanhã ó despôs é qu' há-de chigar.
Diz logo a minha Maria:
- Atã venha daí com a gente, prima. Sempre paleamos as duas um coisinho e, despôs, volta-se todos p'a baxo.
- Béque-me nã me dava munto jêto agora, tenho p' além umas coisinhas p'a fazer...
Responde-l'e a prima Jôqu'nita, e, ô méme tempo, dá logo uns passinhos d'rêto à Travessa das Guerrêras. Ora nã l'e dava jêto ir. Ela vêo ali d' a pr'pósito...
Nisto, dô mái um passo p'ra cima semp'e olhando p' às flores, béque-me sentí uma coisa ô pé de mim. Olho de repente, até f'quí ensampado... Logo, só vi assim um bescoço, mái a seguir, alevantí um coisinho a cabeça, dô com a cara duma estrangêra, qu' até me passô assim uma coisa cá p'r dentro.
A m'lher tinha bem um palmo a más que eu, cabelos amarelos, só trazia uma blusalha e uns calçanitos im cimba daquele corpo e vá de rir p'a mim. Punhana!... Até f'quí de boca aberta, todo arrepiado e d' olhs arregalados sem saber o qu ' havera de fazer...
Salta a minha Maria, que já ia más à frente a tramelar com a prima, mái repáirô logo no que se 'tava ali a dar:
- Atã, ficas aí tôd' ô dia ó quem?!... Em lugar de vires aqui conversando com a gente, vens 'í atrás sòzinho, parêce que 'tás zangado...
Ora, munto qu'riam elas qu' ê fosse lá ô pé... Ela f'cô logo foi ciosa d' ê ter ôlhado p' à estrangêra. Mái atão, só s' uma pessoa fechasse os olhos. E uma coisa daquelas nã parêce tôd's dias...
Mái tamém, atrás dela lombriguí logo um estapôr, grandalhão que fazia quái dôs de mim, d' alprecatas e óculos de pó, com a pele toda encarniçada do sol, dôs braçalhõs que nem um macaco qu' ê vi, uma ocasião, lá no jardim zológico de Lisboa q'ondo fui a Fátima numa excursão. Pensí:
- Põe-te más é a mexêr daqui, senã dás-te mal p'r dôs lados. É a tu Maria e é este trambôlho com cara de pôcos amigos...
E lá d'sfarçí a coisa e fui andando prê acima. Aí, elas já nã esperaram p'r mim nem nada. Puseram-se no mémo faladoiro que vinham e já nã emportaram qu' ê f'casse p'a trás.
Mái, inda o que me valeu foi que, chigando ô canto de cima, 'tá lá uma venda. Venda dig' ê cá, qu' eles agora alomeam aquilo p'r bar. E, p'r sorte, aquilo tem umas mesas cá na rua, a dar assim p' às flores, e quem havera de 'tar lá assentado?... Nem mái nem men's qu' o Zé Manel, o filho do mê compad'e Jôquim do Barranco.
'Tava ele, a Cilinha - o marafado já a atracô... - e mái um moço e uma moça amigos dele. Ora, tudo lá se comprimentô, c'm' é que vão c'm'é nã vão, o que se fazem o que nã se fazem, e as m'lheres foram andando prê cima, semp'e na méma conversa.
Ê cá f'quí mái um coisinho, nã foi p'r nada, mái 'tava-me a luzir o olho p'r um calcezinho de quasequer coisa... Até qu' o Zé Manel lá se resolveu:
- Ó ti Refóias, se l' a petêce, assente-se aqui um coisinho ô pé da gente e beba-l'e aí um porrete...
- Eh'q, tenho quái vergonha póss'-me tornar rançoso, mái se nã s' emportam...
- Que jêto uma coisa dessas?!... Nã diga isso, parente. Assente-se já aqui qu' ê vô enc'mendar uma bebida p'ra si.
E o Zé Manel, tã penas disse isto, levanta-se e vai lá p'a drento.
Ê f'quí-me e nã disse nada, mái pensí logo qu' aquilo nã ia sair dali boa coisa, qu' isto idéas do Zé Manel hô-de dar semp'e em gozo. Nã sê a quem é qu' ele sai assim, mái, désna que foi trabalhar lá p' a baxo p' ô Algarve, dé' cá num gozão...
Nã se passô tempo nenhum, já ele lá vinha com um copo na mão, daqueles munto compridos, com uma bobida lá drento. Vá lá qu' o copo nã 'tava chêo, q'ondo munto, 'taria p' aí uma terça parte e o resto era tudo pedaços de gelo...
- O qu' é que me trazeste p' aqui, Zé Manel? Olha qu' ê nã 'tô ac'st'mado a estas bobidas... Vê lá bem o que fazeste...
- Beba, qu' isso bom, parente. Nã tenha medo qu' a gente tamém 'tá a b'ber do mémo. Até a Cilinha gosta...
E p'scô o olho p' ô ôtro moço que 'tava lá e fez assim um miéco à cara qu' os ôtr's deram tôd's uma carcachadinha.
Pensí:
- Já 'tô charingado com eles. Andam, andam, querem-me empurrar p'a qui com alguma pelhêga qu' ê cust'-me a alevantar daqui... E, más a más, qu' ê nã 'tenho c'stume de bober coisas assim tã frias, inda panho alguma const'pação.
Más eles brigaram tanto com-migo, qu' ê lá me resolvi, pus o copo à boca e vá, bebe-l'e aquilo tudo duma assentada. P'a ser franco, até que nã me sôbe munto mal. Um coisinho frio de más, mái beh!...
Fartaram-se tôd's de rir... Béque-me foi p'r ê cá b'ber aquilo tudo duma vez. Más é c'm' à gente usa fazer aqui q'ondo se bebe um calcesinho dela... Atã aquilo tem algum jêto 'tar ali só a molhar os bêços que nem uma galinha a b'ber?!...
O Zé Manel, alevanta-se, pega no copo e abala ôtra vez lá p' ôs lados do balcão. Ê pensí qu' ele ia pôr lá o copo nã fosse ele cair ô chão e se partir p' ali. Qual o quem, volta com ele inda com más do que da p'rmêra vez...
- Vá, 'tá aqui ôtro que mecêa chigô atrasado e a gente já se tinha b'bido ôt'a rodada... Beba à confiança qu' isso só leva aí um coisinho de vodka e o resto é laranjada.
- Zé Manel, vê lá o qu' é m' arrenjas p' aqui... Ê sê cá o qu' é vodka?!...
Dig'-l' ê cá, inda mái desconfiado e já a sentir uns calores a me subirem à cabeça.
- E inda se faz uma coisa. - Responde ele - Agora, bebe-se tôd's ô méme tempo e duma golada só com-me vomecêa fez, inda agora. Vá, malta. Às nossas saúdes...
Pegaram tôd's nos cop's, olharam p'ra mim, ê tamém peguí no meu. Sem más esta nem más aquela, enfiaram aquilo p'las goélas abaxo, ê vi-me obrigado a fazer o mémo. E o que l'es sê d'zer é qu' aquela bodega até já me sôbe melhor...
Neste entrementes, as m'lheres, que tinha ido p'ra cima, estranharam ê nã par'cer, vieram-se assomar à quina da rua. Foi a minha sorte. Apr'vêtí logo p'a me safar...
- Zé Manel, tenham pacência qu' ê, ôtro dia, logo pago tamém uma rodadinha. Agora 'tão àlém as m'lheres empatadas p'r mim, tenho qu' ir andando.
- Ó ti Refóias, nã faça isso, dêxe-se 'tar mái um coisinho qu' a gente hoje é que paga tudo. Diga p'a elas virem tamém.
O qu' ele qu'ria sê ê munto bem. Ê já 'tava a sentir a cabeça a andar à roda... E tamém vi a cara qu' a minha Maria fez q'ondo m' alevanto e, em lugar d' ir p'ra cima p' ô lado delas, dô logo dôs passos prê abaxo... Mái uma galhofa p' àqueles judeus...
Mái, lá tomí rumo e tornejí p'ra cima. Méme a custo, cheguí ô pé delas sem ganguear mái vez nenhuma e dí logo ordes p'a se voltar p'a casa.
- Maria, tem's qu' ir já p'a casa qu' inda se tem lá o g'verno tôd' p'r fazer e isto já passa de mêa tarde.
- Atã, des que s' ia tamém ali às Escadinhas do Adro...
- Olha fica p' à semana.
Ê 'tava-me era de'jando de safar dali que, cada vez, me sentia mái enzamboado... E olhem qu' as Escadinhas do Adro tamém 'tão bem bonitas. Tã penas tenha jêto, logo l'es falo nelas.
Munta saúde p'a vomecêas e passem munto bem.
Oh compadre Refóias munto eu gosti do seu passeo pela Travessa das Guerreras , fez-me lembrar o tempo em que eu era moça pequena (e já lá vão mutos anos ) e aquele bar todo moderno onde os moços novos vão-se enfrascar ao fim de semana . Continue com os seus passeos dos quais sou leitora assidua.Passe bem e até ouro dia.
ResponderEliminarhehehe passei muitos bons momentos nesse bar em que cheguei a ir todos os dias. Por acaso já levei lá os meus pais e tios mas nunca lhes preguei tamanhas partidas.
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