16 maio 2006

Recantos da Vila: A Rádio Fóia

Daqui carregaram-se muntos sacos de guano e batatas de semente

Até o Grémio mudar p'a donde 'tá hoje, era aqui que foncionava. Agora, nesta casinha tã bem aconchegadinha, qu' assim é qu' os que podiam tinham as casas, nôt'o tempo - brancas com riscas azus - 'tá o Rádio Fóia, um posto de tel'fonia qu' é o que tem mái famila a ôvi-lo em Monchique, no Algarve lá de baxo e quái tod' ô Alentejo...

Agora vejam lá bem s' a gente aqui na serra, nã s' hã-de 'tar semp'e a rever numa coisa destas. Com tantos pôstos aí p'r esse Algarve e Alentejo e nenhum chega ô pé do Rádio Fóia!... E atão qu' isto nã custa nada dar com ele. Olhem, é só pôr o pontêro da tel'fonia no númaro 97.1 FM, é menino!, aquilo c'meça log' a tocar umas modas qu' até dá cobiça...

Más ê cádí com uma coisa inda más ent'ressante. Atã nã é que panhado o Rádio Fóia a tocar aqui no mê comp'tador?!... Até 'tô parvo com isto. Vomecêas hã-de exp'r'mentar a ver se com os sê's tamém se passa o méme. Olhem, faz-se assim:

Pr'mêro acalquem aqui: "ligação p'ô Rádio Fóia".

Despôs de passarem a introdução, acalquem lá numa coisa que diz "emissão ON-LINE".

Pronto. C'meça-se logo a ôvir. Méme assim, o qu' os homens nã fazem já...

E atão qu' aquilo dã de tudo: Notíças, mús'ca, coisas p'a rir, disc's pedid's, bola, missa, conversas com a famila que 'tá a ôvir, ê sê cá...

Más, ôlhando bem p' àquele retrato, alembrí-me que, naquele alpendre, trinta anos p' atrás, em lugar dum carro, havera de 'tar ali um burro ó dôs à espera que l'e pusessem umas sacas d' amóino ò de batatas de semente em riba, p'a levar p' ô monte.

Calhando, até podia ser uma burrinha qu' o ti Antóino da Refóias, Dés o tenha com Ele, tinha - a Laranjinha - que 'tava pôco ac'st'mada a trabalhar, mái, de q'ondo em vez, semp'e levava uma carguinha. P'a d'zer a verdade, aquilo o homem béque-me tinh' ô bicho mái p'a l'e dar companha qu' ôtra coisa. Nunca s' amontava a cavalo e cargas era raro l'e pôr im cima...

Uma ocasião, 'tava p'a lá empeçado com o governo dele, disse-me s' ê nã l' ia b'scar dôs sacos de batatas de semente, das de fora, qu' ele tinha enc'mendado no Grémio. Ê cá, nesse tempo, era novo e 'tava pôco ac'st'mado a lidar com bestas, pensí:

- Eh'q, isto tamém nã há-de ser nada do ôt'o mundo... Já tenho acartado umas cargas de lenha na Laranjinha, ela é um coisinho raguingosa, mái aquilo é p'r ser nova, ê, 'dalguma manêra, m' hê-d' amanhar...

E disse-l'e que sim. De manêras que, nessa méma tarde, lá abalí com a Laranjinha caminho do Grém'o.

Aquilo, p'a m' amontar, foi logo uns trabalhos. Leví o b'chinho ali p' ô pé do pestoiro, cada vez qu' ê fazia menção de m' amontar, ela dava logo uns passinhos p' à frente. Puxav'-à p'a trás, dava-se logo o mémo.

- Aí, ó! Quetinha. - D'zia ê cá, esticando-l'e bem a arreata. Eh'q, nã servia de nada... Nem serrilhão tinha...

Mái, à tercêra, passa-me uma coisa aqui p'a cabeça, até dêxí de ver... Punhana! Jog'-me a fugir atrás dela, tomo balanço, agarr'-me à arrabicha com uma mão, com a ôtra dô uma manetada na parte da frente do aparelho, vá um salto p'a cima do animal.

O bicho estranhô aquilo, estancô, em lugar de ficar amontado na albarda fui-l'e parar ô bescôço... Desata a andar à roda, entonteci, tive que me jogar p' ô chão ôtra vez. A salvação foi o ti Tóino par'cer p'r 'lí e sigurar-l'e na arreata. Só assim é que me dí posto im cima dela. Despôs, foi semp' a andar até à porta do Grém'o, qu' a burrinha lá l'gêra a andar era ela. A mê caminho, inda andô ôs quatro e tudo... Munto gostí ê daquilo... Pa'rcia um cavalinho.

Nã qu'rendo empertencer, semp'e l'es conto o resto.

Despôs dos pagar, precisí de carregar os sacos das batatas. Ponh'-l'e o baraço de carregar em cima do aparelho, o bicho nã sossegava. Nã sê s' era mosca cavalar que l'e picava nas partes, s' era atabão que l' andava de roda das orelhas. Contanto qu' ela nã aparava queta.

Peço ajuda a um homenzinho méme lá do Grémio e ele, de boa vontade, sigurô no saco enq'onto ê cruzí o baraço de carregar e pus o ôt'o saco do ôt'o lado. Aí, foi só l'e pôr a sobrecarga p'r cima e apertar. Mái, desqueci-me duma coisa.

Tinh' ô garrôcho assim metido p'r baxo da manta de trapos que tapava a albarda, na parte de trás, quái a tocar nos atafazes, e nã m' alembrí que tinha qu' apertar a sobrecarga com ele. Ora, nã andô tempo sem a carga c'meçar a pender p' ô lado. Digo p' ra mim:

- Tó diacho! Querem ver qu' isto vai tudo baldear no chão?...

- Aí, chó! Aí!... - Dô logo de vaia à Laranjinha e encost'-m' ô saco p' ô sigurar.

Foi q'ondo repairí no garrôcho. Lá tive qu' end'rêtar a carga e, atão, já dí o aperto como deve de ser. E aí foi a gente, ê cá e a Laranjinha, semp'e naquele passo miudinho mái l'gêro qu' ela tinha, até ô monte.

E, mái uma vez l'es digo, liguem o Rádio Fóia se querem uma coisa de categoria. Ê cá, agora, é só ligar o comp'tador, acalco logo aqui neste botão,

pronto, em men's de nada, 'tô a ôvir modas do melhor que há... Olhe, agora 'tá a dar uma tocar fole. Que belo corridinho...

E fiquem-se na paz, ôvindo o Rádio Fóia. Até ôtro dia.

1 comentário:

  1. Ora muito obrigada pela informação, aqui numa "lonjura" destas é sempre bom ouvir qualquer coisa de Monchique.

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