03 maio 2006

Dia de Maio foi-se desmaiar p' à Fóia: Serra arriba

O dia 'tava mê empoado, mái, méme assim, via-se bem o Alentejo

Q'ondo volto de gôrdar a garrafa vazia, já o ti Zé Caçapo, chama-l'e a gente "O Verruma" q'ond' ele nã 'tá a ôvir, ia estrapondo p'r trás da arramada do parente João da Êrinha. O raça do velho, com aquela idade, e pede meças a andar ô pé de qualquer um... A pobrezinha da ti Balbina é que já 'tava a f'car p'a trás qu' ela usa-l'e a dar p' ali umas dores e, enq'onto nã anda um pôcachinho qu' aqueça, até se vê logo que dá a uma perna.

- Atã, ti Balbina, 'tá p' aí empeçada com a perna? - Disse-l' ê cá, p'a meter conversa.

- Nhôra? - Ela tamém tem uma bela falta d' ôvido.

- Dig' ê cá, que mecêa custa a dar aguento ô passo do ti Zé Caçapo... - Grití-l'e quái ô ôvido.

- Eh'q, isto, em andando mái um coiséco, passa-me logo.

- Atã, vá andando qu' ê inda vô ali ch'mar p'la minha Barb'leta, p'a ela ir tamém.

-Barb'leta! Barb'leta! Buja-buja-buja! Venha dái com a gente, minha bela canita. Venha já.

O b'chinho par'cé logo e lá fui com a ti Balbina, devagarinho, até l'e passar a dor. Aí, c'meçô a desenvolver, já andava mái qu' a mim. Em men's de nada, 'tava-se tôd's ô pé uns dos ôtr's. Men's O Verruma qu' ia semp'e lá à frente e, uma vez p'r ôtra, dava um sobiado q'ôdrado e arrulhava p' à gente:

- Atã, sês saganhetas, nunca mái se despacham?... Tarê qu' os ir b'scar d' arreata?...

- Vocêa, sê velho lampêro, é que precisa de levar um barbilho nessas ventas p'a ver se dobra essa língua... - Respondia-l'e o mê compad'e Jôquim.

- Ele precisa é dum arganel no bêço de cima e uma trave nas patas p'a nã se desviar da gente... - D'zia a prima Lúiça, qu' é munto marafada, p'à ajudar à festa.

E assim se foi charolando prê acima. Já lá p' ôs lados da Corte Delfêra, via-se já bem os moinhos de electricidade, o Verruma cada vez más à frente, dobrô uma altura, dêxô-se d'o ver. Diz o Zé Manel, que nã largava a Cilinha désna da abalada do monte:

- E s' a gente se escondesse aqui todos qu' ele havera de f'car em traquetes q'ondo nã visse par'cer além ninguém?...

- Bem alembrado, sa senhora, q' ele há-de-se charingar com a gente...- Responde logo o ti Manel dos Pôrtos, pronto a l'e fazer a parte.

Ora, nem d' a pr'pósito, abalava ali uma v'reda qu' ia tamém dar lá em cimba ô vertente mái tornejava p'r o córgo do ôt' lado. Foi méme à medida. Metem's-se tôd's, à rôpa toda, por ali arriba e fomos esconder lá p'r cima p'r trás dumas mongariças de cepa a ver o qu' ele fazia. E, de lá, alcançava-se-o bem.

O homem, de vez em q'ondo, olhava p'a trás. Nã via nada, dava más uns passos. Olhava ôtra vez, nada... Com os dedos, alevantô assim, um coisinho, o casquêro da cabeça e vá de s' acossar. Voltô-se p'a trás, dé um passo ó dôs, mái parô e assentô-se no combro dum rego d' água que passava preciminha do caminho. Aí, pegô no chapéu e pôse-o no joelho. E mái que escrafunchava na cabeça...

E a gente tôd's de mã na boca p'a suster o riso. Vai, vai, vai, dá-l'e um derrepente, alevanta-se, abala prê abaxo, com aquelas grandes botas, pata aqui, pata além, e pôs-se, de galga no ar, a ver se lombrigava a gente lá p'ra baxo.

Aí é qu' a prima Lúiça se desmanchava a rir... E, c'm' o rir é pegadiço, desatô tudo à carcachada qu ' aquilo foi um pagode. Ê panhí cá uma barrigada de rir c'm' já nã panhava há munto tempo.

Com este cagaçal todo qu' a gente fazia, o velho ôviu quasequer coisa, olhô p' àquele lado, vê tudo a rir... Ah, mês belos amigos, dá-l'e uma ravasca, abala, chapada acima, aquilo, nã demorando méme nada, 'tava ô pé da gente!... Nã respêtô estevas, nem tojos, nem coisíss'ma nenhuma... Havera de f'car com aquelas canoiras num lindo estado...

- Ó sês estes, ó sês aqueles... - Ê nã digo os nomes qu' ele ch'mô à gente qu' era falta de respêto - 'Tã-se a rir do velho? 'Perem lá qu' ê logo l'es dô a demasia. Nã perdem p'la espera!... Sês sacanistras!... Sês..

Vô-me p'ra ele e dig'-l'e com munto jêtinho:

- Ó ti Zé, nã vê qu' a gente nã se sabia bem o caminho e perdemos-se. Vomecêa des'parceu, pensí que t'vesse ido ali p'r ôt' lado, metemos p'r lá. Já se 'tava aqui num enrascanço sem se saber p'a que lado ir. Vá lá que vomecêa par'ceu...

E os ôtros, cada um ria p' a sê lado.

- Ah, inda 'tás a fazer cachamorra ôtra vez, Refóias de má raça?!... Pensas qu' ê sô assim tã trôxa que nã vejo adonde 'tô? A mim nã m'enganas, não... Dêxa que logo as pagas todas...

Diz a Cilinha:

- Olhem lá, e s' arrenjassem aí um lugarinho bom p' à gente s' assentar e c'mer qualquer coisinha... Nã era melhor do que 'tarem p' aí com essas quesilhas sem jêto nenhum e a gente aqui chêazinhos de laberca?...

Que bela saída esta da Cilinha. Tôd's abanaram com a cabeça que sim, pôs quem é que nã taria já o b'chinho a rabear na barriga...

Por isso, andô-se um coisinho más p'ra cima e as m'lheres trataram de estender umas toalhas no chão p' à gente encher a barriguinha que fastio era coisa que já nenhum levava.

O resto fica p' a ôt' dia.

Fiquem-se com Dés.

1 comentário:

  1. Caro Parente da Refoias:

    Foi o meu irmão quem me mostrou esta verdadeira pérola que é o seu blog! Tem sido uma delícia recordar esta forma de falar tão "nossa"... Sou uma filha lá de baixo da Vila Nova (curiosamente não conhecia esta designação), neta de Silves e casada com um filho de Monchique!! Foi aí que dei os primeiros passos, na velhinha estação de correios, e é daí que guardo as primeiras lembranças...

    Estava à espera do dia de Maio (incontornável haver um comentário a este dia) p lhe deixar uma palavrinha! Este ano não pudemos ir aí abaixo, daí que não houve bolo de tacho, nem queijo de figo (que o meu pai faz, tão bom) nem estrelas pra ninguém... Quando era moça pequena íamos sempre dar uma voltinha ao campo, ali para os lados da Senhora do Verde, da Serra de Silves ou p outro lado qualquer...
    Obrigada pelo excelente trabalho que tem feito neste blog (que tenho feito questão de divulgar), espero que nos continue a brindar com estas passagens tão genuínas das suas vivências nessa magnífica serra!
    Até um dia destes!
    Carla

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