10 maio 2006

Foi-se o Colégio, f'caram as lembranças

O Colégio foi-se, mái as lembranças f'caram na nossa mimóira

Cada vez que passo ô pé do Colégio, méme que nã quêra, vem-me uma pàxão aqui do pêto que m' obriga a aparar e olhar p' àquilo. Muntas vezes olho, calhando, com as vistas fechadas, pôs o que vejo é uma casa alta, com a sua cor que mal me lembro, mê desapercebida no lusco-fusco, com umas letras assim p' ô redondo: Colégio de Santa Catarina.

Vem-me logo um calafrio do canto de baxo ô canto de cima da espinha e fic' todo em pele de galinha. É que nã dô metido na cachimóina que fazeram um trabalho daqueles. É uma coisa que nã me entra cá, o qu' é que mecêas querem... Em lugar de famila, agora, 'tão carros, em lugar de paredes 'tá uma barroca. Mái atã o qu' é isto, senhor?!...

A últ'ma vez que lá passí, fechí os olhos, com-m' de c'stume. Naquilo, alembrí-me duma passaja que se deu com o mê amigo e parente Zé do Forno Velho e o Dr. Ventura.

Lembram-se do Dr. Ventura? Ele agora mora lá p'a baxo p'à Vila Nova, qu' ê já já o tenho visto, uma vez p'r ôtra, q'ondo vô lá. Se nã 'tô em erro, vi-o uma vez que fui ô vinte nove. E tamém, já despôs disso, inda há bem pôco tempo, q'ondo fui com umas bejoarias fazer lá a praça, na camineta do mê parente Joanito Estrudes.

Pôs o Zézinho, com'-m' ele era ch'mado nesse tempo, gostava pôco de estudar. Béque-me tinha mái queda p'a andar na ratôiça e semp'e atrás das moças... Q'ondo era ch'mado, nunca sabia nada. Lá panhava uns noves e uns dezes p'rque, q'ondo havia pontos, copiava tudo do Bertinho, um amigo dele, qu' era um mecinho atinado e f'cava logo na cartêra da frente.

Chigô-se ô entrudo, o Zézinho andô aqueles quatro dias todos em-mascarado, nos balhos e a dar esfregas nas moças. Parte das noites nem foi a casa. Na quarta-fêra de cinzas, chega à aula do Dr. Ventura, com os olhos piscos, todo desmastreado, nem livros levava que se tinha desquecido deles em casa, de manhã, q'ondo abalô a fugir, sem c'mer nada, p'a nã perder a carrêra...

Era, nesse tempo, o chófer, o Sr. Susana, Dés o tenha no Céu. Ê logo l'es conto umas partes dessas viajas na carrêra...

Bom, o Dr. Ventura antra na sala, semp'e com o sê arzinho de gozão, pôs logo os olhos no pobre do Zézinho, que, desnoitado com-mo 'tava, nem dé p'r nada.

- Meninos, despôs de quatro dias de estudo, hõ-de vir bem preparados. Ora, vamos lá ver isso. Dêxa-me cá olhar à caderneta... - más sabia ele já quem é qu' ia encalacrar, era semp'e o mémo... - o nº 10 já foi ch'mado, o nº 16 tamém, cá está... o nº 28-A. Hoje é o nº 28-A.

O 28-A era o Zézinho, que só vêo dar o nome já as turmas 'tavam fêtas e as aulas com'çado. Inda p'r más, era o mái velho da sala do 2º ano, havera de ter uns quinze ó dezassês anos, e f'cava na última cartêra.

- Já me charingô... Nem tampôco ê sê o qu' é qu' ele mandô a gente estudar, q'onto más... Nem os livros trusse!...

Diz logo o Zézinho, entre-dentes, p'ô Bertinho, enq'onto s' alevantava todo ensarampantado.

- Bertinho, passa-m' aí o compêndo de geografia p'r baxo da cartêra, entes qu' ele veja!...

O Bertinho inda jogô a mão ô livro, mái nã dé fêto a manobra, dá-l'e vontade de rir, põe a mã na boca e dá uma carcachada. Os ôtr's volta-se tudo p'a trás e foi uma galhofa q'ondo viram o Zézinho todo empeçado, branco com' à cal da parede, sem saber o qu' havera de fazer.

Enq'onto eles riam, quái com-m' num sonho, inda l'e vê à cabeça munta coisa e pôs-se a pensar:

- Mái que pôca sorte a minha, sô semp'e ch'mado q'ondo nã estudí... O qu' é qu' ê faço, agora?... Nã me dô livre dele. Inda a semana passada, me fez aquela parte lá ô pé da praça do pêxe, agora 'tá a entrar com-migo desta manêra...

E era verdade. Uma tarde qu' o Zézinho 'tava a jogar à bola com os amigos, o Dr. Ventura sai da garaja com o sê espada, um citroen dôs cavalos, acelera a fundo, fugiu tudo p' ô passêo. Mái a escamungada da bola f'cô no mê da rua. Ora o Dr. Ventura, semp'e com o sê risinho dele, há-de ter pensado:

- Nã é tarde nem é cedo, agora é qu' ê l' esbronco a bola toda...

E assim fez. Vai com a roda do carro caminho da bola, passa-l'e p'r cima, béque-me inda trava em cima dela a ver s' a arrebentava e disse:

- É assim que se preparam as liçôs p' àmanhã!... A jogar à bola...

Mái barimbô-se. Levô com o carro, um belo pôco, a pisar a bola e, méme assim, ela nã arrebentô. 'Tá bem qu' em lugar de redonda f'cô assim p' ô sobrecomprido, mái a jogadores bons com' ô Zézinho qualquer coisa l'e servia. Até uma bola de trapos...

Mái, nisto, caiu nele e viu qu' inda 'tava na aula. O Dr. Ventura repisô:

- Atão, Sr. José, qual foi o capítulo que estudô melhor?...

Aí é qu' os ôtr's se desmanchavam a rir... Mòrmente as moças, nem se fala...

Ora, o Zézinho, q'ondo vê aquilo, dá-l'e uma ravasca e pensa:

- Seja o que Dés qu'ser. Ele nã m' há-de c'mer...

E, num foguete, em-maginô logo ali uma agarra, qu' ele p'a isso tinha munto jêto. E qual foi ela?

- Olhe sr. Dôtor, ê tinha pensado levar estes dias a estudar, qu' ê pôco ligo ô entrudo, mái a minha famila foram passar estes dias lá p'a Vila Nova à casa duns parentes qu' a gente tem no Vale das Hortas - até se juntamos lá com ôtr's primos da Ladêra do Vau - e atão só se vêo ontem à nôte e ê cá nã tinha lá os livros p'a estudar.

- Pôs. Foi a Portimão, qu'ria estudar e nã gosta do carnaval... E a lua vai nascer q'ôdrada e o sol apar'cer de noite...- Repisava o Dr. Ventura.

- É verdade, sr. Dôtor, foi tal e qual assim. Mái, fique descansado qu' ê agora, daqui até ôs exames, vô-me estudar tôd's dias e, s' o sr. Dôtor me dêxar ir a exame, logo vê a nota qu' ê tenho... Ê sê que vô passar.

- Ai, vô ver, vô... Há-de ser uma linda coisa... Pobres pais qu' andam a gastar o d'nhêro desta manêra e nã l'e serve de nada.

Disse-l'e o Dr. Ventura. E tanchô-l'e com um sermão quái de mêa hora.

Nessa aula já nã hôve mái ch'madas nenhumas e o Zézinho nunca mái foi ch'mado a geografia até ô fim do ano. Foi a exame ô liceu de Vila Nova e d'spensô à oral...

Só nunca me chigô a contar com-m' é qu' ele fez aquilo p'a ter uma nota tã boa... Que copiar, copiô. Isso nem se fala...

Muntos comprimentos p' ô Dr. Ventura e fique sabendo qu' o Zézinho - contô-me ele mémo - , inda hoje, s' alembra de si com soidades e l' agradêce tudo o que l' ensinô e os conselhos que l'e deu, que foram do melhor. E os ôt's Zézinhos tôd's que foram alunos dele, a méma coisa.

Passem bem e até à vista.

4 comentários:

  1. Caramba compadre, que agora quase que me vieram também as lágrimas ao canto do olho, mesmo sem estar a olhar para o descampado onde outrora esteve o nosso Colégio de Sta Catarina.
    Lembro-me muito bem do Dr. Ventura, do seu Citroen Diane (não sei se era o mesmo 2 Cv que refere)e do seu sorriso "gozão". Também posso testemunhar que era pessoa de elevado carácter e professor 5 estrelas e tb o recordo com "soidade".
    Cumprimentos para si, para os seus leitores e para o Dr. Ventura.
    HeR

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  4. Ai o marafado do Zézinho... hehehe

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