22 maio 2006

A Magnólia do Convento

Esta magnólia, calhando, é do tempo do Marquês de Pombal

A magnólia do convento pode munto bem ser a arve más antiga da nossa serra e nã era d'a admirar qu' ela t'vesse sentido o tremor de terra de 1755 e já ser até crecidinha.

Já há uns belos tempos qu' andava a sentir soidades dela. Olhav'-à cá de baxo e as vistas f'cavam-me presas naquela copa. D'zia qu' havera d' ir lá, mái nã m' opunha. E o empenho era maior de dia p'ra dia.

Ontordia, pensí qu' ela já taria flor e nã me dí sustido. Abalí e fui mémo. Mái, entes disso, fiz cá as minhas contas e vêo-me à cabeça que aquilo, calhando, era d' adregue ê cá dar lá chigado assim sem más nem quem. Qu' ê tamém nã qu'ria andar lá a devassar os cantêros da famila...

E, atão, disse à minha Maria p'a ela convindar uma parenta qu' ela tem, que morô lá p' àquelas bandas e conhêce bem a manêra d' a gente chigar lá sem se f'car tôd's esgateados naqueles balsedos.

- Maria, um dia destes, vô-me àlém dar uma vista d' olhos à magnólia do convento, tu, há-des qu'rer ir tamém, que 'tás semp'e pronta p'a coisas dessas, haveras de falar à tu prima s' ela quer ir com a gente...

- Qual? A minha prima Glòirinha? Sê cá s' ela quer ir...

- Atã, que jêt' nã qu'rer?... Ela gosta daquele sito, já morô lá uma preção d' anos e 'tá-me semp'e a falar naquilo... Nã t' alembras que, q'ondo caíu aquela pernada, daquela vez que fez 'í um vento que par'cia um ciclóino, foi ela que contô à gente e tudo?

- Pôs sim. Mái q'ondo a gente lá foi, já a pernada nã 'tava lá. Nã sê quem é que carregô com ela...

- Sim, m'lher. Vai lá falar, qu' aquil' é uma pessoa com um fêtio do melhor que pode ser e haver e tem semp'e uma boa vontade p'a tôd's, q'onto más p'a ti, que sã as duas tã amigas...

E a minha Maria, com-m' se pela p'r andar no laré, nã fez mái nada senã pôr-se logo a andar caminho da casa da parenta p'a l'e falar no caso.

Oh!... Q'ondo voltô, já tinham combinado o dia e tudo...

- Olha, vai-se d'mingo à tarde qu' a prima calha-l'e nesse dia e a mim tamém me dá jêto. Já 'tá tudo tratado com ela.

E assim foi.

Mái, calem-se aí, aquilo foi um enredo p'a se dar chigado lá... 'Tá tudo embalsado, já nã há caminhos nã há nada. P'a s´' ir lá, só p'r dentro dos cantêros das pessoas, d' ôtra manêra nã l'e vejo jêto nenhum. P'ô lado do caminho do convento, 'tã umas cabanas de cabras e um canzarrão que mete medo. P'ô lado de cima, é só balsas. P'ô lado de baxo nã há passaja. Só do lado do Pomar Velho...

Mái méme assim, nã dí o mê tempo p'r mal empregue qu' aquilo é uma coisa que merêce ser vista. Uma arve daquelas, grossa que sã precisos nã sê q'ontos homens p'a l' abarcar o tróço, duma altura que nem tampôco sê os metros que tem, com mái de duzentos anos de ser desposta ali...

Atã aquilo já narceu pr'mêro qu' os avozes dos nossos bisavozes. Munto pr'mêro...

F'quí foi cá a ramorder numa coisa. Qu'ê nã conheço nada disso, mái achí-a um coisinho com falta de força. Com pôco viço. Béque-me com umas q'onta folhas mái p' ô marelo que p' ô verde. Mái isso há-de ser fernicoques qu' ê meti cá na minha cachimóina...

Já agora, nã fazia tenção disso mái semp'e l'es conto uma parte que se dé' q'ondo a gente 'tava méme quái a chigar ô cantêro da magnólia. C'm' é coisa pôca, nã nos impertenêço munto.

Désna de cá de baxo do prencípio do Pomar Velho até lá im cima, aquilo nã é assim munto desviado, mái é a assubir quái a pique. Atão, foi-se andando devagarinho, qu' as m'lheres era uns trabalhos p'a nã escorregarem naquelas ladêras, comprimentava-se quem sem encontrava no caminho e falava-se disto e daquilo, o que calhava.

Nisto, dá-se com a ti Larinda do Pomar méme à nossa frente. É a quintêra da dona Fernandinha Lopes do Barranco do Banho, que 'tá lá p' ô Baxo Algarve.

A m'lher, méme ô d'mingo, vinha com um casquêro preto, todo rôto, atafulhado até às orelhas, um vestido cor de burro q'ondo foge qu' era uma nóda pegada, mêas cor da pele bem labuçada, que só se via um coisinho, da canela até ô joelho. Nos pés trazia umas borrachêras número qu'renta e tal qu' até ô homem dela haveram de f'car grandes... Bom, aquilo, só de ver, par'cia o entrudo.

E q'ondo ela abre a boca?... Falava de rijo qu' aquilo nã era falar era arrulhar, e tã depressa que qualquer um, só com um gravador, é que dava apanhado o qu' ela d'zia...

- Venham com Dés. Atã o que fazem aqui p'r estes lados? Vieram dar um passêo? Ê cá é que nem tampôco ô d'mingo saio daqui. Tenho semp'e g'verno p'a fazer. O mê Manel, em lugar de m' ajudar, vai p' à venda, dêx' ô serviço todo p'r fazer e inda gasta o abónezinho qu' eles inda p' aí dã à gente tôd's meses e, òdespôs, volta de lá com aquelas gradessíss'mas pelhêgas. Nã vêem? Olhem ali aquele cantêro dos limoêr's... 'Tá tudo na desgraça com falta d' água. Tal é aquela ervaria qu' ali 'tà? Tamém os patrõs nã querem saber de nada, des que nã l'e dá resultado tratar, e a gente é qu' há-de fazer o trabalho todo p'r nossa conta?...

Ê cá desato a rir, que nã me dí aguentado más, tive que me voltar p' ô ôt' lado. A prima Glòirinha pôs a mã na frente da boca e lá ia d'sfarçando. A minha Maria, munto gozona, - béque-me sai à avó que tamém era assim - méme a rir, inda atiçava:

- Pôs, pôs, isto sã tôd's iguás...

- Atã, nã vê, p'a levar um limanito ó dôs p' a casa, aqui vô ê cá toda picada das balsas e chêa de praganas. E aquele mariola metido na venda a b'ber copos d' aguardente... Mái logo, chega aí escarado, inda faz é barulho e põe-se a embelicar aí com os v'zinhos. Com-migo já ele nã faz farinha qu' ê rente-l'e até mái não, qu' ê tamém nã 'tô p'ra isto...

- Ti Larinda, fique-se com Dés qu' a gente inda tem ali uma servicinho a tratar, logo se conversa mái um pôcachinho p' à ôt'a vez.

Cortí-l'e ê cá a conversa a ver s' a gente se via livres dela, senã inda se 'tava lá a estas horas, qu' aquilo a m'lher parêce uma graf'nola. Em c'm'çando, nunca mái para...

De manêras que só ô fim disto tudo é que lá t'vemos à roda da magnólia. Só f'quí com um desgosto. É qu' ela inda nã tinha flores.

'Tavam uns botanit's assim já quái a qu'rer abrir, mái só dali a uns dias. E ê cá, agora, nã tenho vagar p'a poder ir lá ôtra vez. Pacência e cara alegre.

Se vomecêas qu'rerem e puderem vã lá entre esta e a semana que vem qu' ela já há-de ter umas q'ontas flores abertas. E olhem bem p'ra cima nã vá ela dêxar cair alguma pernada...

Fiquem-se com Dés, até um dia destes.

6 comentários:

  1. Caro amigo
    Está uma pessoa sem aqui vir um, dois diítas, e apanha logo assim uma surpresa! Pela coincidência, quero eu dizer: então não é que também andei às voltas com uma magnólia!
    Sabe que fiquei, como o amigo diz,"com fernicoques cá na minha cachimóina...", por ela lhe ter parecido assim com as folhas meias amareladas (e pelo caminho cheio de balsas).
    Por cá as magnólias desta espécie estão todas em flor! Até estaria em crer que aí no Sul a floração fosse mais precoce.
    ...
    Bem que gostava ficar aqui à conversa mas tenho que ir que se faz tarde.
    Abraço do Porto

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  2. São uma delícia: esta magnólia, o texto que a serve e o glossário que a acompanha.
    Cheguei aqui a partir do blog da Manuela.
    Um abraço deste vizinho de Silves.

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  3. Parente da Refóias

    Até um dia destes...
    Agora tomei-lhe o gosto...calhando venho outra vez.

    Um bêje

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  4. Ei,mosso, inté tinha a modos que medo de dezer quão lindo és, nosso parente e amigo de Refóias. Tenho passado aqui, claro, via Dias com Arvores e atão que não é um gosto?
    Bota sempre cá p'ró Norte nós semos amigos dos nossos amigos.
    Abraços do Porto

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  5. Parabéns "Parente da Refóias"!Um blogg alegre e divertido e a fazer posts muito interessantes! Tomei a liberdade de o "linkar" no "Faro este!
    bfs e cmpts
    Pedro

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  6. Ora vá com Dés vocemecêa tamém!

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Obrigado por visitar e comentar "O Parente da Refóias"